Conferência dos Exércitos Americanos: passado, presente e futuro

Autor: Ten Cel Mariano Eduardo Kreiman

Quarta, 15 Junho 2022
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A Conferência dos Exércitos Americanos (CEA) é uma organização militar de caráter internacional, integrada e dirigida por exércitos do continente americano. Foi criada com a finalidade de se tornar um fórum de debates para o intercâmbio de experiências entre os exércitos do continente. Sua finalidade é a análise e o intercâmbio de ideias e experiências relacionadas com os assuntos de interesse comum no âmbito da defesa para aumentar a colaboração e a integração entre os exércitos e contribuir com a defesa e o desenvolvimento democrático dos países-membros.

A primeira Conferência dos Exércitos Americanos aconteceu entre 8 e 12 de agosto de 1960, no Forte Amador, no Panamá. Naquele momento, não foi estruturado um documento formal de criação, porém foi deixado claro seu objetivo inicial: “A convocação dos Exércitos da América para tratar de temas comuns que ajudem a conseguir uma sinergia entre os exércitos da região, e assim poder enfrentar de maneira combinada e integral possíveis ameaças contra o continente.

Durante os cinco primeiros anos, a conferência seguiu com o mesmo enfoque, e só foram firmados acordos relacionados aos temas abordados em cada uma delas. Durante a sexta Conferência dos Exércitos Americanos, em 1965, com a participação de 18 países do continente, foi assinado um acordo que materializou a base do compromisso dos países integrantes e as normas de funcionamento dessa organização, ficando estabelecida como sua “Ata de Criação”.

Atualmente, a CEA está integrada por 23 exércitos membros: Antígua e Barbuda, Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Estados Unidos da América, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana, Trinidade e Tobago, Uruguai e Venezuela.

Também fazem parte dois exércitos observadores, Belize e Suriname; assim como dois observadores especiais, o Exército de Terra da Espanha e o Serviço Nacional de Fronteiras da República do Panamá. Além disso, a CEA conta com duas organizações militares observadoras, a Conferência das Forças Armadas Centro-Americanas (CFAC) e a Junta Interamericana de Defesa (JID).

 

 

  A Conferência dos Exércitos Americanos se desenvolve em ciclos de dois anos, para os quais se estabelece um tema obrigatório que deverá ser abordado nos diferentes eventos, tais como Comités Ad-Hoc, Conferências Especializadas e Exercícios. Esses eventos, organizados pelos exércitos membros, permitem chegar a conclusões e a recomendações extraídas da participação ativa dos oficiais de ligação e dos delegados de cada um dos exércitos e das organizações. Cabe destacar que os eixos temáticos, que contribuem com o tema obrigatório, são tratados respeitando o marco legal vigente em cada um dos exércitos e das organizações que integram a CEA.

Na metade do segundo ano de cada ciclo, ocorre a reunião preparatória para a Conferência de Comandantes, em que se consolidam as conclusões e recomendações extraídas dos eventos ocorridos para que depois sejam transformadas em acordos que serão apresentados para aprovação durante a Conferência de Comandantes.

A Conferência de Comandantes dos Exércitos Americanos constitui o principal evento do ciclo e se desenvolve ao final desse. Além dos acordos aprovados, realiza-se também a cerimônia de transferência da sede para o exército que terá a responsabilidade de exercer a presidência do ciclo seguinte e de constituir a Secretaria-Executiva Permanente da CEA (SEPCEA).

Os principais temas abordados pela conferência durante os últimos vinte anos tiveram como eixo condutor a interoperabilidade dos exércitos no âmbito das operações de paz militares; as operações de ajuda em caso de desastres; e a liderança e o apoio militar às autoridades civis nos ambientes conjuntos e interagências.

No Ciclo XXXIV 2020-2021, liderado pelo Exército Argentino, pela primeira vez, foi abordada uma temática relacionada à formação e à profissionalização dos sargentos como líderes das diferentes frações e como auxiliares de uma equipe (staff) ou estado-maior nos exércitos do continente americano.

As conclusões obtidas durante os eventos realizados permitiram revalorizar o papel das praças em cada uma das organizações e identificar a necessidade de se reorganizar os programas de educação e capacitação para que melhores ferramentas sejam oferecidas, permitindo que suas capacidades como líderes de frações menores sejam aumentadas e enfrentar as exigências que os conflitos e as crises atuais apresentam da melhor maneira possível.

Com a emergência sanitária desencadeada pela covid-19 e as ações que os exércitos deveriam realizar em apoio aos Estados nacionais para mitigar os efeitos da pandemia, a CEA decidiu incluir, como parte do tema obrigatório, o debate e o intercâmbio das lições aprendidas na luta contra a covid-19 e suas implicações futuras para os exércitos, especialmente no tocante à liderança, às participações em operações de proteção civil e ao treinamento em ambiente de pandemia. As principais conclusões foram as seguintes:

  • A importância de uma adequada ação militar conjunta e interagências, além da necessidade de aumentar as medidas de coordenação e cooperação diante da crise.

  • A condução de operações de proteção civil exige uma dupla capacidade de recursos e organização dos exércitos.

  • A revalorização da Forças Armadas como instrumento do Estado para a resolução de crises sanitárias, principalmente devido à sua capacidade de organização, aos seus meios logísticos e ao seu desdobramento territorial.

Durante mais de 60 anos de história da Conferência dos Exércitos Americanos, muitos exércitos tiveram a honra de ser sede desse renomado fórum internacional, contribuindo com o enriquecimento de seu acervo e com o fortalecimento dos laços de amizade e fraternidade entre os exércitos.

O Exército da República Federativa do Brasil volta a ser sede, pela quarta vez, da Conferência dos Exércitos Americanos, sendo o General de Exército Marco Antônio Freire Gomes, Comandante do Exército, quem exerce a presidência do atual Ciclo XXXV (2022-2023).

O tema obrigatório aprovado para este ciclo é: A contribuição da Conferência dos Exércitos Americanos no processo de transformação e preparação do Exército do Futuro para a ampliação da cooperação e integração no enfrentamento dos desafios e das ameaças que possam afetar a segurança e a estabilidade do continente americano.

No âmbito das atividades previstas para o Ciclo XXXV, entre os dias 18 e 21 de abril de 2022, aconteceu, na cidade de Brasília (DF), a cerimônia de abertura, que contou com a presença de comandantes e representantes de 20 exércitos, além de duas organizações observadoras da CEA. Esse importante evento marcou o início do ciclo liderado pelo Exército Brasileiro, em que foram estabelecidas atividades e objetivos que aprofundarão o intercâmbio e a cooperação entre os exércitos e as organizações da CEA.

No calendário previsto para o presente ciclo, estão detalhados os exércitos que terão a responsabilidade de ser os anfitriões em cada um dos eventos e também os objetivos fixados para cada um deles, o que permitirá desenvolver o tema obrigatório do ciclo.

Como um aspecto relevante, foi criado um comitê de estudos especializados encarregado de analisar aspectos que contribuam para o desenvolvimento do tema obrigatório do ciclo XXXV: Interoperabilidade, Ensino e Preparo, Inteligência, Ciência e Tecnologia. Esses comitês de estudos especializados são liderados por oficiais dos exércitos do Chile, da Colômbia, da Guatemala e do Brasil, sob a direção do Vice-Secretário Executivo Permanente da CEA.

Entre as atividades programadas está a Operação PARANA III, que terá duas etapas: uma de planejamento durante o ano de 2022 e outra de execução no terreno durante o ano de 2023. Esse exercício tem, dentre seus objetivos, preparar uma operação de socorro em caso de desastre natural, dirigida e coordenada por um sistema nacional de emergência, buscando alcançar a interoperabilidade das Forças Militares e a integração com organizações civis de emergência.

Atenta às preocupações comuns dos exércitos membros, a CEA planejou uma conferência especializada sobre defesa cibernética, que acontecerá no mês de novembro deste ano em Buenos Aires, na República Argentina. Essa conferência tem como objetivo aumentar a interação e o intercâmbio de experiências entre os membros da CEA com relação à defesa cibernética e também avaliar as dimensões da defesa no espaço cibernético.

Com esse programa de atividades, previsto para o ciclo XXXV, a CEA demonstra sua importância como fórum de debates, intercâmbio de experiências e lições aprendidas, permitindo aos exércitos e às organizações membros ter informações valiosas para enfrentar as exigências do presente e projetar seu olhar em direção aos desafios do futuro.

O Exército dos Estados Unidos do México terão a responsabilidade de levar adiante o próximo ciclo XXXVI (2024-2025) da CEA. O tema obrigatório e o cronograma de eventos serão aprovados na Conferência de Comandantes que acontecerá no Brasil entre os dias 6 e 10 de novembro de 2023.

As situações que se projetam em um mundo cada vez mais em transformação e interconectado exigem uma maior interação entre todos os organismos e fóruns multilaterais, fortalecendo a confiança e contribuindo para o incremento de capacidades para fazer frente às demandas atuais.

Nesse sentido, a Conferência dos Exércitos Americanos tem muito pontos em comum para continuar compartilhando produtos e lições aprendidas. Sem dúvida, temas como a administração das ações em situações de desastres naturais e ajuda humanitária, a integração de gênero e a defesa cibernética são de interesse comum e podem ser contribuições valiosas entre os exércitos e as organizações.

A crise desencadeada pela pandemia em todo o mundo demostrou claramente a legitimidade e a importância dos foros multilaterais, não só como um meio de intercâmbio de informação, mas também, e principalmente, como um meio de análise dos problemas enfrentados no continente, além de ser uma forma de desenvolver métodos para se obter uma resposta eficaz e coordenada entre os países da região.


Conclusões

A CEA é o fórum multilateral mais importante para os exércitos do continente e um excelente ambiente para a discussão de temas de interesse comum.

A CEA é um fórum militar em que são tratados, exclusivamente, assuntos relacionados com a defesa e onde se dá autonomia a cada exército sede para que exerça sua liderança com total liberdade de ação.

O espírito democrático da CEA deve continuar refletindo-se na escolha do tema obrigatório que será tratado em cada ciclo, procurando evitar abordar aqueles que são exclusivos da política de defesa, como também aqueles vinculados a outras agências do Estado como as forças de segurança.

A Conferência de Comandantes dos Exércitos Americanos é o evento em que o conhecimento pessoal e a troca de pontos de vista sobre temas que preocupam os exércitos do continente são compartilhados entre os comandantes. Um fato concreto foram as lições aprendidas e as ações realizadas para mitigar os efeitos da pandemia de covid-19 trocadas entre os exércitos.

A rede de comunicações fluida mantida pela CEA constitui uma ferramenta essencial para responder oportunamente a qualquer solicitação dos exércitos membros e aprofundar a interoperabilidade através do emprego dos meios com que contam cada um dos exércitos. Em decorrência, é realizado o exercício de comunicações eletrônica a cada ano.

O fator de sucesso para lidar com situações de crise está em estabelecer ferramentas de comunicação e medidas de coordenação antes que elas aconteçam. Nesse sentido, a CEA contribui significativamente com o fortalecimento das medidas de confiança mútua e de cooperação militar tanto bilateral como multilateral.

 

Bibliografia:

  • Acervo histórico da CEA.

  • Página Web da CEA (https://www.redcea.com/SitePages/Home.aspx).

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