Capitulação da campina do Taborda: o fim do Brasil holandês

Autor: Coronel R1 Carlos Mário de Souza Santos Rosa

Segunda, 20 Maio 2024
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O 26 de janeiro deste ano assinala os 370 anos do fim de uma das mais interessantes e curiosas experiências da nossa história: o Brasil Holandês.
Ao longo de 25 (vinte e cinco) anos, sendo 24 (vinte e quatro) deles ininterruptos, uma parcela significativa do território nacional esteve sob o domínio e a administração de uma cultura muito diferente da ibérica, em quase todos os aspectos.
A história dessa ocupação, da sua protagonista, a Companhia das Índias Ocidentais (West Indische Compagnie(WIC), da origem e formação dos seus soldados e de como a união de negros, indígenas e brancos luso-brasileiros conseguiu vencê-la, e a importância dessa vitória na construção da identidade nacional, já foi objeto de inúmeros e brilhantes estudos.
Nossa proposta é mais humilde: descrever como se deu o término do quarto de século em que um pedaço do nordeste brasileiro foi holandês.


Depois de Guararapes 
Após a 2ª Batalha dos Guararapes, travada em 19 de fevereiro de 1649, o invasor recolheu-se a Recife, tendo perdido um grande efetivo de oficiais e praças, inclusive o comandante da tropa, o Coronel Brinck (também grafado como Van den Broeck,), o que teve um efeito devastador sobre o seu moral.
O domínio holandês estendia-se ao longo da costa nordestina, do que é hoje um pedaço do Ceará a regiões do atual Sergipe, variando em profundidade para o interior. Anteriormente, chegara a ocupar partes do Maranhão.
A despeito do tamanho, essa ocupação era precária, quase sempre limitada a praças-fortes e dependente da aliança com os indígenas, em especial da etnia Tapuia. 
Os luso-brasileiros, por sua vez, se sentiam extremamente motivados a levar até o fim o Compromisso Imortal, firmado 4 (quatro) anos antes.
No cenário internacional, a Guerra dos 30 anos, um conflito generalizado na Europa, e a Guerra dos 80 anos, entre Espanha e a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos haviam terminado no ano anterior, por meio da Paz de Westfália. 
Portugal retomara sua independência 9 (nove) anos antes, separando-se da Espanha e encerrando o período conhecido como União Ibérica, sendo governado por João IV, O Restaurador e assinara, em 12 de junho de 1641, um tratado que estabelecia uma aliança defensiva e ofensiva com a República das Sete Províncias Unidas e que estabelecia uma trégua de 10 (dez) anos nas colônias.
Oficialmente, o Governo de Lisboa dizia que as ações que levaram as duas Batalhas dos Guararapes foram de iniciativa exclusiva dos habitantes do Brasil, se propondo mesmo a restituir tudo que os insurretos haviam conquistado e a assinar um tratado definitivo de paz em substituição ao retromencionado. Em surdina, apoiava a insurreição.
Ainda em 1649, em 8 de março, foi fundada a Companhia Geral do Comércio do Brasil, inspirada no modelo de negócio da WIC, tendo como uma das suas obrigações armar e enviar para o Brasil uma frota anual de 36 navios de guerra, cada um deles armado de um mínimo de 20 a 30 canhões. 
Para complicar ainda mais a situação dos holandeses sitiados em Recife, em 1652, iniciou-se a 1ª Guerra Anglo-Holandesa, o que desviou recursos que poderiam ter sido empregados na manutenção da Nova Holanda.


A capitulação
O último ano da ocupação holandesa foi, sem dúvida, o mais penoso para os integrantes da WIC: “Em junho de 1653, o próprio Michiel van Goch, membro do Supremo-Conselho, embarcou para lá [Holanda] com o fito de pedir às autoridades que, na hipótese de não ser possível virem em auxílio da colônia angustiada, mandassem alguns navios para repatriar os poucos patrícios que ainda se encontravam no Brasil, porquanto embora ainda ocupassem ali um litoral de cerca de trezentas milhas de extensão, ninguém se arriscava a dar um passo para o interior. E ia faltando tudo” .
O golpe final chegou em 20 de dezembro daquele ano, quando a frota da Companhia Geral do Comércio do Brasil, sob o comando do almirante Pedro Jaques de Magalhães, composta por 60 (sessenta) navios fundeou diante de Recife.
Em 15 de janeiro do ano seguinte iniciaram-se as operações. Uma a uma as posições defensivas ao redor de Recife foram caindo a despeito da ação enérgica e corajosa do comandante das forças invasoras, o General Sigismund van Schkoppe, até que no dia 23 (vinte e três) daquele mês, o comandante da guarnição do Forte das Cinco Pontasvi Waulter van Loos saiu do mesmo com uma carta endereçada ao mestre de campo General Francisco Barreto, pedindo-lhe que o portador fosse ouvido.
O citado van Loos informou que van Schkoppe pedia que desde logo as hostilidades fossem suspensas, nomeando cada parte três deputados para tratar da paz.
As negociações se deram na campina fronteira ao Forte das Cinco Pontas, chamada do Taborda, pois ali havia morado um pescador de nome Manuel Taborda.
Ao termo de 3 (três) dias, mais precisamente às 23 horas do dia 26 de janeiro, a capitulação se encontrava assinada e a aventura flamenga, em terras brasileiras, terminada.
Em linhas gerais, o termo de rendição concedia anistia a todos que tinham tomado o partido dos holandeses, autorizava aqueles que desejassem permanecer no Brasil a fazê-lo, permitia que as mulheres portuguesas, casadas com holandeses os acompanhassem no seu retorno à Europa, dava 3 (três) meses para que os invasores acertassem seus negócios, findos os quais, caso não desejassem permanecer no Brasil, deveriam partir, estabelecia as condições do retorno do General van Schkoppe à Europa, a entrega dos armamentos e fortificações em todo território da Nova Holanda.
No dia seguinte, os holandeses entregaram as posições defensivas em torno de Recife e no dia 28, o General Francisco Barreto fez sua entrada na cidade, que depois de 24 (vinte e quatro) anos voltava a ser brasileira.
Imediatamente, foram enviados emissários às outras localidades ocupadas, portando as condições de capitulação. As guarnições da Paraíba e do Rio Grande do Norte, alertadas sobre as conversações de paz, retiraram-se precipitadamente, com seu armamento e munição para a Europa.
Enquanto todos os lideres da Insurreição Pernambucana foram agraciados pela Coroa Portuguesa, van Schkoppe e outros dois principais chefes holandeses, Schonenborch e Haecxs, assim que chegaram nas Províncias Unidas foram presos sob a acusação de terem administrado mal a colônia. Julgados, foram absolvidos.
A despeito da incontestável vitória brasileira, somente em 6 de agosto de 1661, Portugal e a República das Sete Províncias Unidas firmaram o tratado de paz definitivo, onde a devolução dos territórios brasileiros sequer foi ventilada, prova incontestável do respeito obtido pelas Armas Brasileiras.
Das muitas consequências que a Capitulação da Campina do Taborda trouxe podemos destacar o fim das invasões estrangeiras com escopo de disputar o território com Portugal, a manutenção da unidade territorial, o de ser um e não dois ou três Brasis hostis entre si como disse Gilberto Freire, a criação de uma doutrina própria, a Guerra Brasílica, que surpreendeu um dos poderosos exércitos europeus, a consolidação do nordeste brasileiro como polo exportador de açúcar e por último, mas não menos importante, o início da construção da Nacionalidade Brasileira, fruto da união de negros, comandados por Henrique Dias, índios, liderados por Felipe Camarão e brancos, conduzidos por André Vidal de Negreiros, todos contra o inimigo comum.

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História

Comentarios

Comentarios

Parabéns! Um fato da história que poucos conhecem.

A história tem sido podada em alguns momentos e fatos tão importantes são esquecidos de serem mencionados ... A história do Brasil tão rica de acontecimentos que passamos e que fizeram a pátria que sómos, personagens que  transformaram a nossa história.

Excelente artigo! 

Excelente artigo

Muito bom este artigo, pois explica um fato da História que é pouco comentada, apenas por estudiosos relacionados a um aprofundamento na matéria de Hisória do Brasil colônia.

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