A frase “Cada soldado, uma mensagem” é mais que um slogan de relações-públicas. É um princípio da comunicação estratégica que capta a essência da imagem de uma instituição. Nenhuma grande campanha de marketing ou declaração oficial pode perdurar se não for validada individualmente por todos na Força.
Em um mundo conectado, onde a informação flui em tempo real, a imagem do Exército Brasileiro não é construída apenas em gabinetes. Ela é forjada nas ruas, nas operações e, crucialmente, nas interações diárias de cada militar.
A ideia de que a reputação é um ativo fundamental, mas volátil, foi amplamente desenvolvida por Charles Fombrun. Ele argumenta que a reputação não é o mesmo que a imagem, mas sim uma “representação das ações passadas de uma empresa e das suas perspectivas futuras” (Fombrun, 1996). No caso do Exército, essa reputação pode ser entendida como o conjunto de percepções acumuladas sobre seu histórico, competência e confiabilidade. É moldada não apenas por vitórias em conflitos ou grandes operações, mas pela conduta diária de cada membro da Força.
Entender a imagem institucional de uma grande organização como o Exército talvez exija que abandonemos a visão de que ela é moderada somente de cima para baixo. Em vez disso, é importante vê-la como um ativo construído por múltiplas partes interessadas, grupos ou indivíduos. Freeman (1984, p. 46) os chamou de stakeholders, atores-chave que influenciam e são influenciados pelas decisões e comunicações institucionais, sendo decisivos para o sucesso .
A alta administração, por exemplo, é a principal arquiteta da imagem macro da Força. Ela define, entre outros aspectos da comunicação, a visão, os valores e a direção da Força. Suas palavras e decisões são as mensagens, em grande escala, que chegam à nação. Essa transmissão da camada superior da organização é a “proposta” da instituição. Mas é aqui que a teoria dos stakeholders, de R. Edward Freeman, nos obriga a expandir essa visão.
Isso, porque a imagem do Exército será influenciada não apenas pela sociedade, mas por um ecossistema de grupos que incluem os próprios militares, suas famílias, o governo, a mídia, a indústria de defesa, a opinião pública internacional, etc. Hoje, este ecossistema também é digital, em que cada militar, constitui-se em um emissor permanente: publicações, curtidas e grupos privados se tornam públicos e viralizam em segundos.
Assim, condutas individuais, mesmo fora do serviço ativo, podem ser interpretadas como um posicionamento institucional, alimentando narrativas, judicialização e contrainformação. Por isso, governança de dados, educação midiática e diretrizes claras de uso de redes sociais são tão estratégicas quanto a doutrina operacional. A relevância de cada militar, portanto, se enquadra nessa premissa: eles são stakeholders primários, cuja atitude, engajamento ou desengajamento pode fortalecer ou destruir aquela proposta institucional.
Tal proposta, construída pelo alto escalão, será testada na realidade diária. O elo entre a alta cúpula e o trabalho de base é o “comando intermediário”, dentro da Força será a cadeia de comando formada pelos oficiais e sargentos que atuam como multiplicadores de valores. Estes são os responsáveis por transformar a mensagem estratégica em ação tática. Sua relevância está na capacidade de garantir que a disciplina, o profissionalismo e a ética, definidos no topo, sejam aplicados no dia a dia. Se houver uma falha neste nível, a proposta comunicacional da instituição se desfaz, e o que foi planejado nos gabinetes não chegará ao campo. Esse é o ponto onde a imagem começa a ser corroída internamente, antes mesmo de se tornar um problema público.
Logo, o ponto mais crítico e de maior relevância na construção da imagem pode vir a residir no nível hierárquico mais básico da Força, o indivíduo. Ao acolhermos a premissa de que o indivíduo é uma “performance” constante, como teorizou Erving Goffman, cada militar durante o serviço ativo ou mesmo fora dele representará o Exército. Em sua obra clássica, Goffman (1959/2014) argumentou que a vida social pode ser compreendida como um palco, onde os indivíduos apresentam-se para uma audiência. Ele escreveu que, “na vida social, a performance de um indivíduo é a soma total de sua atividade num determinado momento” (p. 15).
Aplicando essa ideia ao nosso Exército, o uniforme seria o "figurino" e a conduta seria a "atuação". Porém, enquanto integrantes de uma instituição secular como o Exército Brasileiro, essa fusão entre o figurino e a atuação torna-se diferente de outras organizações, sendo intensificada pela aglutinação de elementos como história, patriotismo, honra e civismo. Logo, uma atitude exemplar em uma operação de patrulhamento transmite confiança, bem como, uma abordagem respeitosa a um cidadão reforça a credibilidade.
Em contrapartida, um único ato de despreparo, arrogância ou desrespeito pode destruir a confiança conquistada e mantida por décadas. A relevância do indivíduo, partindo do militar mais antigo da Força, até o soldado mais moderno, residirá no fato de suas atitudes influenciarem na reputação micro, o contato mais direto e real que a sociedade tem com a instituição.
A soma dessas mensagens individuais, desde o comandante que articula a visão até o soldado que a executa com excelência, construirá uma imagem sólida e duradoura. E será por meio da percepção de um todo coeso e alinhado que a confiança e a relevância da instituição se manterá fortes aos olhos da nação.
Em suma, a verdadeira defesa da imagem institucional só acontecerá quando houver uma coerência perfeita entre a mensagem macro, traduzida pelo comando intermediário, e a performance micro de cada soldado. A reputação, então, não será apenas o que a instituição diz que é, mas o que ela realmente faz, visível nas ações de seus membros. A frase “Cada soldado, uma mensagem” se tornará, assim, um lembrete constante de que a maior responsabilidade na comunicação e defesa da imagem do Exército recairá sobre cada um que veste a farda.
Referências Bibliográficas
Fombrun, C. J. (1996). Reputation: Realizing value from the corporate image. Harvard Business School Press.
Freeman, R. E. (1984). Strategic management: A stakeholder approach. Pitman.
Goffman, E. (1959/2014). A representação do eu na vida cotidiana. Editora Vozes.
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