Breve análise das aplicações militares da Inteligência Artificial

Autor: 1º Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi

Segunda, 05 Fevereiro 2024
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Nos últimos anos, temos presenciado de forma crescente a Inteligência Artificial (IA) no cotidiano, como no exemplo da automatização em veículos, computadores, indústria e até na medicina (da Silva, Vanderlinde, Jaeger, Hoffmann & Bussarelo, 2012). Dada a importância que a IA possui na sociedade atual, este artigo se propõe a discutir as suas aplicações na esfera militar.

Como campo do conhecimento, a IA trata-se de um dos mais recentes das ciências e engenharias, cuja origem é de 1956 (Russell & Norvig, 2013). Tendo se desenvolvido de forma acelerada desde o final da II Guerra Mundial, a IA abrange uma vasta área, desde o emprego geral, no aprendizado e percepção, chegando a tarefas específicas nos jogos de xadrez, solução de teoremas matemáticos e diagnósticos de doenças (Gomes, 2010).

Em termos acadêmicos, não há definição consagrada sobre o que é a IA, no entanto, pode-se afirmar que certamente é um ramo da ciência/engenharia da computação, que visa ao desenvolvimento de sistemas para a solução de problemas (Sichman, 2021). O desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo trouxe o tema da IA para a discussão em defesa e geopolítica (Pinto & Medeiros, 2022).

Ao tratar do uso da IA no contexto militar, discutem-se os equipamentos cuja finalidade é atacar as forças adversas de forma autônoma, de forma a evitar situações de risco aos humanos (Pinto & Medeiros, 2022). Em termos de investimento e desenvolvimento da IA para fins bélicos, os Estados Unidos da América (EUA) estão à frente da China e Rússia (de Melo, Neto, de Oliveira, de Camargo, Dal Toso & do Nascimento, 2020).

A estratégia nacional de segurança dos EUA afirma que o avanço acelerado da IA é de extrema importância para a defesa daquele país (Brown, 2020). Tal fato é comprovado pela Estratégia de Inteligência Artificial, lançada em 12 de fevereiro de 2019, pelo Departamento de Defesa (Deparment of Defense – DoD), para manter a vanguarda tecnológica frente a China e Rússia (Souza, Leite & Vieira, 2020).

Nesse ambiente de competição internacional, seja econômica ou militar, a IA é uma tecnologia dual por excelência, cujas aplicações permitem que as máquinas tenham mais agilidade e precisão nas decisões que os humanos (Bittencourt, 2021). No contexto militar, a demanda se apresenta na forma de tecnologias disruptivas que possam aperfeiçoar a utilização dos recursos e mitigar os danos causados aos seres humanos (Pinto & Medeiros, 2022).

Para a realidade brasileira, uma proposta interessante de estratégia nacional de IA deve enfatizar a dualidade da tecnologia, no sentido de incorporar à área de defesa o desenvolvimento econômico e social (de Melo, Neto, de Oliveira, de Camargo, Dal Toso & do Nascimento, 2020). No que tange às aplicações militares da IA, elas podem ser de ordem operacional ou estratégica (Souza, Leite & Vieira, 2020).

Quando tratadas no sentido operacional, a IA pode ser adotada em veículos autônomos, modelagem, simulação, jogos de guerra, assim como a coleta e análise de dados para a inteligência (Souza, Leite & Vieira, 2020). Em sentido estratégico, os mesmos pesquisadores entendem que a IA contribui para a defesa antimísseis e sistemas cibernéticos.

Fruto da evolução tecnológica a nível mundial, tais preocupações permitiram que no âmbito nacional fosse criada a nossa própria regulamentação, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) que, a partir de 2021, tem por objetivo: potencializar o desenvolvimento e a utilização da tecnologia com vistas a promover o avanço científico e solucionar problemas concretos do País, identificando áreas prioritárias nas quais há maior potencial de obtenção de benefícios” (MCTI, 2021, p. 4).

A normatização brasileira não possui menções expressas à IA no segmento militar, sendo mais alinhada às potencialidades atinentes à segurança pública e vigilância, pelas seguintes tecnologias:

  1. plataformas de cidades inteligentes e cidades seguras;

  2. sistemas de reconhecimento facial (SRF); e

  3. policiamento inteligente.


Embora os avanços científico-tecnológicos estejam fortemente vinculados à maior potência econômica do planeta, os EUA, secundados pela China, essa liderança tem sido acompanhada de perto pela Federação Russa, que possui elevado interesse nas aplicações bélicas da IA (Sychev, 2018). Formalmente, a Rússia começou o uso dessa tecnologia em 2017, pelo advento do Fórum Técnico-Militar organizado pelo seu Ministério de Desenvolvimento Econômico (Nocetti, 2020).

Por outro lado, em virtude das restrições impostas pela invasão à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, o acesso aos componentes tecnológicos de última geração se tornou um grave empecilho para o uso da IA por parte dos russos (German, 2023). Ao referido pesquisador, a falta de acesso a componentes críticos, os microchips e semicondutores, certamente serão complicadores para a indústria de defesa russa, em especial na produção de sistemas avançados e munições guiadas com precisão.

Em resumo, pode se compreender que a IA possui potencialidades militares em setores como: modelagem, simulação, jogos de guerra, coleta e análise de dados para inteligência, defesa antimísseis e sistemas cibernéticos (Souza, Leite & Vieira, 2020). A vanguarda tecnológica está alinhada ao desempenho econômico dos EUA, com a vice-liderança da China, os quais são monitorados de perto pela Rússia, que no momento enfrenta sérias restrições em resposta ao conflito na Ucrânia.

Por fim, há que se entender que os avanços tecnológicos ao mesmo tempo em que são desafios para o Brasil, são oportunidades para a pesquisa & desenvolvimento (P&D) de produtos com alto valor agregado e sinergia entre os setores público, privado e acadêmico. Como limitações desta pesquisa não foram desenvolvidas relações com tecnologias também avançadas, como a Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), Big Data Analytics, a computação na nuvem (Cloud Computing) e cibersegurança, que juntos com a IA estão associadas à Indústria 4.0 (4ª Revolução Industrial). Dessa forma, essas limitações figurarão como elementos para pesquisas futuras.


Referências

Bittencourt, N. V. (2021). O futuro é hoje: EUA e a integração de Inteligência Artificial em suas Forças Armadas.

Brown, M. W. (2020). Desenvolvendo a prontidão para confiar no uso da Inteligência Artificial dentro das equipes de combate.

da Silva, B. M., Vanderlinde, M., Jaeger, E. V., Hoffmann, H. H., & Bussarelo, J. M. (2012) Inteligência Artificial, aprendizado de máquina.

de Melo, G. A., Neto, L. B. C., de Oliveira, G. S. N., de Camargo, W. P., Dal Toso, G., & do Nascimento, M. A. (2020). A corrida armamentista pela Inteligência Artificial.

German, T. (2023). Learning the wrong lessons? Russian views of the changing character of conflict.

Gomes, D. S. (2010). Inteligência Artificial: conceitos e aplicações. Revista Olhar Científico.

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. [MCTI]. (2021). Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA.

Nocetti, J. (2020). The outsider – Russia in the race for Artificial Intelligence.

Pinto, D. J. A., & Medeiros, S. E. (2022). Inteligência Artificial e seu uso no contexto militar: desafios e dilemas éticos.

Norvig, P., & Russell, S. (2013). Inteligência artificial. Rio de Janeiro: Grupo GEN.

Sichman, J. S. (2021). Inteligência Artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados 35 (101).

Souza, N. V.; Leite, L. M. K.; & Vieira, K. (2020) . O emprego da Inteligência Artificial na Marinha do futuro: aplicações em ISR e aspectos jurídicos.

Sychev, V. (2018). A ameaça dos robôs assassinos. Correio da UNESCO.

Comentarios

Comentarios
A IA, no campo económico, pode ser encarada como um meio pelo qual se pode gerar uma vantagem competitiva. Essa vantagem pode ser criada por meio de antecipação de decisões que aproveitarão oportunidades antes de seus concorrentes por meio de: 1. Reconhecimento profundo das necessidades; 2. Antecipação de possíveis cenários de oportunidades e ameaças; e 3. Aproveitamento de novas tecnologias. A importância da IA, transcende o aspeto económico para impactar o aspeto militar, pois estar na vanguarda deste conhecimento significa “carimbar o passaporte” para um novo patamar da tecnologia. Dessa forma, pode-se perceber que o presente artigo, em linhas gerais, destaca a importância da pesquisa científica na área tecnológica, em especial a IA, onde a falta de preocupação como o referido assunto trará um súbito descolamento da nova realidade se vislumbra. Parabéns ao 1º Sgt Julio Cezar por demonstrar preocupação com um assunto de tamanha relevância para as Forças Armadas brasileiras.
Análise muito bem construída, parabéns Julio pelo empenho e pelos esclarecimentos , eu acredito que as forças armadas sempre deveriam tomar a dianteira nas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias.
A inteligência artificial é uma realidade, a qual vem se fazendo necessária a adequação de diversas órgãos e instituições para que possam facilitar a comunicação entre essas agências, dentre outras facilidades que podem trazem mais rapidez, transparência e eficiência, importante atentar para criação e atualização de mecanismos para manter a segurança dos dados dos usuários. Deixo meus parabéns ao Sargento Júlio César pelo seu trabalho e pela dedicação ao mérito intelectual elevado em diversas áreas inclusive aquelas voltadas para a administração militar.yg
Parabéns Julio Cezar. Mais uma contribuição. Ótima análise da utilização da IA em atividades militares. Muitas possibilidades no âmbito estratégico, tático e operacional.
que artigo incrível parabéns
Ótimo artigo sobre IA. Brasil acima de tudo
Excelente artigo. Parabéns pelo trabalho e tema escolhido.
Excelente artigo. Parabéns pelo trabalho.
Show! Muito atual este tema, creio que além dos setores de modelagem, simulação, jogos de guerra, coleta e análise de dados para inteligência, defesa antimísseis e sistemas cibernéticos, também será de grande utilidade nos setores de intendência!
Inteligência artificial é de grande impacto e importância para todos campos do conhecimento. Parabéns
Excelente artigo
Excelente conteúdo
Excelente. É um campo vasto, com aplicações inumeras. Até mesmo com potencial de substituir funções que hoje sao empregadas.
Sgt, parabéns por mais uma informação com grande excelência em conteúdo, muitos de nós desconhecemos a importância da IA nos atuais cenários militares.
Refletindo sobre este artigo onde foi muito bem descrito o uso da Inteligência Artificial (IA), vemos que o autor é muito conciso utilizando referencias bibliográficas com citações pontuais para o embasamento teórico. O uso da IA tem impacto tanto nas ações militares, parte bélica como nas análises de dados para salvaguardar nosso território aéreo e terrestre brasileiro; mas também devemos refletir a nível mundial. A IA é importante para o uso de ações militares, mas também no desenvolvimento tecnológicos em áreas como a Medicina (cirurgia sendo realizadas com o auxilio da robótica, visando o bem estar do paciente). A tecnologia da IA é importante, estamos no século XXI, mas temos que ter também a responsabilidade e a ética para o uso da IA.
Artigo demasiadamente importante, atualmente a inteligência artificial está praticamente em todos os debates e fóruns internacionais. O Brasil deve capacitar seus militares e profissionais na área cibernética para não ficarmos à mercê de ferramentas e equipamentos de fora do país. Parabéns Sgt Júlio pela iniciativa!
A IA é um campo de desenvolvimento estratégico e que poderá definir as novas lideranças mundiais em várias áreas, da medicina até a defesa. No entanto, é preciso que o Brasil comece a ter uma política mais agressiva de desenvolvimento de IA, paralelamente ao avanço de meios de combate autônomos (veículos não tripulados, robôs e etc.), fabricação de processadores de IA e baterias (como exemplo, as baterias de estado sólido e as microbaterias nucleares). Esse quarteto tende a definir o poder de combate no futuro.
Excelente artigo! Parabéns, meu amigo!
Excelente informação! Suprir!
Parabéns Sgt Júlio Cesar, excelente artigo.
Excelente artigo.
Estimado Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi, Parabéns pelo artigo! Sabemos da importância da Inteligência Artificial em várias áreas do conhecimento. No entanto, abordar a IA fazendo uma relação com a esfera militar trará muitos benefícios para esse contexto. Desejo sucesso em suas pesquisas! Um grande abraço
Parabéns Companheiro. Excelente artigo
Parabéns amigo! Sempre demonstrou que chegaria a este estágio de elevação de seus conhecimentos e sabedoria, vc merece o crescimento profissional.
Grande artigo camarada, a IA pode ser uma arma usada para o bem e para o mal. Estratégia tática e operacional, sabendo explorar da melhor forma, é de grande importância para área militar, e demais que querem salvaguardar o cidadão de bem.
Excelente artigo!!! Parabéns Júlio César!!
O uso Dual da IA certamente é uma excelente alternativa para fomentar o desenvolvimento desse recurso tecnológico no país. Parabéns pelo Artigo, oportuno e elucidativo.
A IA é uma realidade e pode trazer muitos benefícios pra nossa sociedade e, como uma tecnologia disruptiva, os males serão inevitáveis.
Parabéns pelo artigo Júlio! Interessante saber que o Brasil, embora engatinhe comparado as potências, pesquisa e utiliza IA para segurança. Acredito que a expertise na utilização das IAs, será no futuro próximo, muito mais relevante e determinante para a defesa, por isso, seu artigo é tão importante para incentivar financiamento e pesquisas na área, para que o Brasil não fique para trás. E mostra também, a necessidade de implementação industria de hardware, para atender a demanda interna, para não ocorrer o que agora passa na Rússia. Muito bom.

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