Nos últimos anos, temos presenciado de forma crescente a Inteligência Artificial (IA) no cotidiano, como no exemplo da automatização em veículos, computadores, indústria e até na medicina (da Silva, Vanderlinde, Jaeger, Hoffmann & Bussarelo, 2012). Dada a importância que a IA possui na sociedade atual, este artigo se propõe a discutir as suas aplicações na esfera militar.
Como campo do conhecimento, a IA trata-se de um dos mais recentes das ciências e engenharias, cuja origem é de 1956 (Russell & Norvig, 2013). Tendo se desenvolvido de forma acelerada desde o final da II Guerra Mundial, a IA abrange uma vasta área, desde o emprego geral, no aprendizado e percepção, chegando a tarefas específicas nos jogos de xadrez, solução de teoremas matemáticos e diagnósticos de doenças (Gomes, 2010).
Em termos acadêmicos, não há definição consagrada sobre o que é a IA, no entanto, pode-se afirmar que certamente é um ramo da ciência/engenharia da computação, que visa ao desenvolvimento de sistemas para a solução de problemas (Sichman, 2021). O desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo trouxe o tema da IA para a discussão em defesa e geopolítica (Pinto & Medeiros, 2022).
Ao tratar do uso da IA no contexto militar, discutem-se os equipamentos cuja finalidade é atacar as forças adversas de forma autônoma, de forma a evitar situações de risco aos humanos (Pinto & Medeiros, 2022). Em termos de investimento e desenvolvimento da IA para fins bélicos, os Estados Unidos da América (EUA) estão à frente da China e Rússia (de Melo, Neto, de Oliveira, de Camargo, Dal Toso & do Nascimento, 2020).
A estratégia nacional de segurança dos EUA afirma que o avanço acelerado da IA é de extrema importância para a defesa daquele país (Brown, 2020). Tal fato é comprovado pela Estratégia de Inteligência Artificial, lançada em 12 de fevereiro de 2019, pelo Departamento de Defesa (Deparment of Defense – DoD), para manter a vanguarda tecnológica frente a China e Rússia (Souza, Leite & Vieira, 2020).
Nesse ambiente de competição internacional, seja econômica ou militar, a IA é uma tecnologia dual por excelência, cujas aplicações permitem que as máquinas tenham mais agilidade e precisão nas decisões que os humanos (Bittencourt, 2021). No contexto militar, a demanda se apresenta na forma de tecnologias disruptivas que possam aperfeiçoar a utilização dos recursos e mitigar os danos causados aos seres humanos (Pinto & Medeiros, 2022).
Para a realidade brasileira, uma proposta interessante de estratégia nacional de IA deve enfatizar a dualidade da tecnologia, no sentido de incorporar à área de defesa o desenvolvimento econômico e social (de Melo, Neto, de Oliveira, de Camargo, Dal Toso & do Nascimento, 2020). No que tange às aplicações militares da IA, elas podem ser de ordem operacional ou estratégica (Souza, Leite & Vieira, 2020).
Quando tratadas no sentido operacional, a IA pode ser adotada em veículos autônomos, modelagem, simulação, jogos de guerra, assim como a coleta e análise de dados para a inteligência (Souza, Leite & Vieira, 2020). Em sentido estratégico, os mesmos pesquisadores entendem que a IA contribui para a defesa antimísseis e sistemas cibernéticos.
Fruto da evolução tecnológica a nível mundial, tais preocupações permitiram que no âmbito nacional fosse criada a nossa própria regulamentação, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) que, a partir de 2021, tem por objetivo: “potencializar o desenvolvimento e a utilização da tecnologia com vistas a promover o avanço científico e solucionar problemas concretos do País, identificando áreas prioritárias nas quais há maior potencial de obtenção de benefícios” (MCTI, 2021, p. 4).
A normatização brasileira não possui menções expressas à IA no segmento militar, sendo mais alinhada às potencialidades atinentes à segurança pública e vigilância, pelas seguintes tecnologias:
plataformas de cidades inteligentes e cidades seguras;
sistemas de reconhecimento facial (SRF); e
policiamento inteligente.
Embora os avanços científico-tecnológicos estejam fortemente vinculados à maior potência econômica do planeta, os EUA, secundados pela China, essa liderança tem sido acompanhada de perto pela Federação Russa, que possui elevado interesse nas aplicações bélicas da IA (Sychev, 2018). Formalmente, a Rússia começou o uso dessa tecnologia em 2017, pelo advento do Fórum Técnico-Militar organizado pelo seu Ministério de Desenvolvimento Econômico (Nocetti, 2020).
Por outro lado, em virtude das restrições impostas pela invasão à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, o acesso aos componentes tecnológicos de última geração se tornou um grave empecilho para o uso da IA por parte dos russos (German, 2023). Ao referido pesquisador, a falta de acesso a componentes críticos, os microchips e semicondutores, certamente serão complicadores para a indústria de defesa russa, em especial na produção de sistemas avançados e munições guiadas com precisão.
Em resumo, pode se compreender que a IA possui potencialidades militares em setores como: modelagem, simulação, jogos de guerra, coleta e análise de dados para inteligência, defesa antimísseis e sistemas cibernéticos (Souza, Leite & Vieira, 2020). A vanguarda tecnológica está alinhada ao desempenho econômico dos EUA, com a vice-liderança da China, os quais são monitorados de perto pela Rússia, que no momento enfrenta sérias restrições em resposta ao conflito na Ucrânia.
Por fim, há que se entender que os avanços tecnológicos ao mesmo tempo em que são desafios para o Brasil, são oportunidades para a pesquisa & desenvolvimento (P&D) de produtos com alto valor agregado e sinergia entre os setores público, privado e acadêmico. Como limitações desta pesquisa não foram desenvolvidas relações com tecnologias também avançadas, como a Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), Big Data Analytics, a computação na nuvem (Cloud Computing) e cibersegurança, que juntos com a IA estão associadas à Indústria 4.0 (4ª Revolução Industrial). Dessa forma, essas limitações figurarão como elementos para pesquisas futuras.
Referências
Bittencourt, N. V. (2021). O futuro é hoje: EUA e a integração de Inteligência Artificial em suas Forças Armadas.
Brown, M. W. (2020). Desenvolvendo a prontidão para confiar no uso da Inteligência Artificial dentro das equipes de combate.
da Silva, B. M., Vanderlinde, M., Jaeger, E. V., Hoffmann, H. H., & Bussarelo, J. M. (2012) Inteligência Artificial, aprendizado de máquina.
de Melo, G. A., Neto, L. B. C., de Oliveira, G. S. N., de Camargo, W. P., Dal Toso, G., & do Nascimento, M. A. (2020). A corrida armamentista pela Inteligência Artificial.
German, T. (2023). Learning the wrong lessons? Russian views of the changing character of conflict.
Gomes, D. S. (2010). Inteligência Artificial: conceitos e aplicações. Revista Olhar Científico.
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. [MCTI]. (2021). Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA.
Nocetti, J. (2020). The outsider – Russia in the race for Artificial Intelligence.
Pinto, D. J. A., & Medeiros, S. E. (2022). Inteligência Artificial e seu uso no contexto militar: desafios e dilemas éticos.
Norvig, P., & Russell, S. (2013). Inteligência artificial. Rio de Janeiro: Grupo GEN.
Sichman, J. S. (2021). Inteligência Artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados 35 (101).
Souza, N. V.; Leite, L. M. K.; & Vieira, K. (2020) . O emprego da Inteligência Artificial na Marinha do futuro: aplicações em ISR e aspectos jurídicos.
Sychev, V. (2018). A ameaça dos robôs assassinos. Correio da UNESCO.
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