Tenho 55 anos. Segundo a neurolinguística, sou uma pessoa visual e cinestésica. Tenho dificuldades para gravar conhecimentos apenas pela leitura ou apenas ouvindo relatos. Por isso, valho-me de desenhos, imagens e gráficos. Para mim, "tem que desenhar". Imagino o quanto meus subordinados devem ter se ajustado à minha personalidade, para atender às minhas solicitações. Gosto, sobretudo, de "aprender fazendo". Para o planejamento, lápis, caneta, borracha e muito papel, não importa o tamanho. Meus livros são rabiscados. Alguns, de maneira irreversível. Canetas iluminativas são indispensáveis.
Minhas influências de infância não foram muitas. Não pelo tamanho da cidade onde nasci, mas pela época e pelos atores comuns à minha geração: meus pais, meus professores (a primeira ainda tem muita saúde), o padre (dos domingos), a TV (preto e branco), o rádio e (muitos) tios.
Recordo as partidas de futebol de várzea, que ficavam melhores em dias de chuva. Esses, por sinal, eram esperados, pois se podia produzir barreiras de barro na calçada e ali deixar a imaginação funcionar. No jogo de "betes", usávamos pequenas latas vazias de azeite. Eram do tamanho ideal. Para o futebol na rua, as chinelas serviam de goleira.
Analisando esse período, e mesmo minha adolescência completa, não é tão difícil recordar os fatos impactantes na formação e evolução da minha personalidade. Em algum momento, fui impelido a desenvolver a intuição e, hoje, percebo o quanto isso me ajudou, e ajuda, no dia a dia da minha rotina de trabalho.
Como chefe militar, conhecer a si mesmo (Sun Tzu) é premissa para tudo. O êxito ou o fracasso de nossa equipe gira fortemente em torno da gestão individual de nossos próprios pontos fortes e deficiências de toda ordem.
No mesmo grau de importância, está o conhecimento dos homens e mulheres com quem trabalhamos e dividimos a missão comum. Quem nos conduz aos resultados são eles e elas. Para um melhor desempenho coletivo, é mister conhecer as individualidades.
Já dizia um antigo chefe: "...os anos passam e o soldado sempre tem 19 anos...", expressando certo "conforto", naquela época, quando a rotina de instrução militar não exigia muito além do que já estava escrito. As gerações mais jovens, de militares profissionais ou temporários, não diferiam muito na maneira de "ver o mundo". Aliás, traziam experiências muito parecidas, o que, de certa forma, não apenas facilitava o diálogo e o conhecimento mútuo, mas também criava as condições favoráveis ao direcionamento para a função mais adequada.
Não estou afirmando que isso não ocorra mais. Mas avalio que hoje tenho mais dificuldade nessa percepção.
Eu tento justificar, em parte, esse meu ponto de vista por entender que um fenômeno vem modificando muito rapidamente as relações da natureza humana com ela mesma, notadamente pelo avanço exponencial da comunicação por redes sociais.
A neurolinguística vai ter que ajustar suas pesquisas, a meu ver, muito em breve. A comunicação entre seres humanos - sim, a comunicação, não a linguagem - já foi transformada. Os cinco sentidos, tato, olfato, paladar, visão e audição, já não são usados em forma e intensidade originais.
Alguns, agora, especialmente no diálogo entre "seres humanos" - stricto sensu - parecem estar sendo deixados de lado. Em tempos de pandemia, mais clara fica essa assertiva. Nas "redes", importa o visual e o som. Nas acaloradas discussões, impossível sentir o suor do interlocutor, a saliva de quem esbraveja, muito menos seu hálito. Por outro lado, uma foto com um primeiro plano atrativo e uma "música de fundo" popular são suficientes para atrair e aguçar os "sentidos da hora".
Mas por que isso me preocupa? A tecnologia não está aí para nos ajudar?
Como condutor de homens e mulheres para o gerenciamento de conflitos violentos, que ao fim e ao cabo lida com vidas humanas, questiono como e quando vamos entender esse fenômeno. Será que a ética estoicista continuará tendo os resultados que hoje tem na formação e evolução do espírito militar? A percepção da dor física, da fome, da sede, do stress psicológico e, sobretudo, da vitória ao superá-los, estaria mudando?
Como vamos manter a abnegação, o compromisso (espírito de cumprimento da missão) e a resiliência inerentes ao ethos militar?
Isso importa.
Importa por conta da construção de um novo paradigma de relacionamentos, agora estabelecido por valores sensoriais diferenciados. Será necessário estabelecer novos parâmetros e aplicá-los à ciência militar.
Na última frase do nosso juramento, à frente da Bandeira do Brasil, bradamos defender a Pátria entregando, se preciso for, nosso bem jurídico maior: a própria vida. Com base na hierarquia e na disciplina, construímos a coesão sobre a percepção "tradicional" da comunicação sensorial do ser humano.
É preciso, pois, atentar às ações e às reações do nosso público interno, absorvido anualmente de uma sociedade em mutação. A transformação agora é individual e desconstrói um paradigma neurolinguístico, criando um amplo campo de especulações sobre o comportamento humano, preocupação constante do chefe militar, que não deve olvidar o emprego finalístico de cada vida que lhe é confiada.
Impõe-se então, reforçar uma outra lição de antigos chefes: "conheça os subordinados!"
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