A Defesa é um vasto campo de pesquisa. A estrutura das Forças Armadas de um país, o orçamento militar, a indústria de defesa, as guerras, os processos de paz, o ensino militar, as relações civis-militares e os impactos da evolução da sociedade sobre os militares são apenas alguns exemplos de possíveis objetos de investigação. Portanto, a Defesa pode ser estudada e analisada sob diversas óticas, o que permite que pesquisadores de várias instituições e de diferentes formações acadêmicas possam abordar a temática militar.
Até a década de 1980, houve desinteresse da academia e da própria sociedade sul-americana pela temática militar. Havia um sentimento generalizado de que assuntos de defesa eram restritos aos integrantes das Forças Armadas, “apesar da evidente importância dos militares em nossa história” (Castro; Marques, 2016, p.16).
Entretanto, principalmente a partir dos anos 2000, os Estudos de Defesa foram impulsionados pela estruturação do Ministério da Defesa (MD), pela publicação e revisão dos documentos de Defesa (Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e Libro Branco de Defesa Nacional), pelo lançamento de programas governamentais de incentivo aos estudos da temática militar (Pró-Defesa e Pró-Estratégia), pelo estabelecimento de programas civis de pós-graduação dedicados à Defesa e pelo surgimento da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), dentre outros.
No caso específico do Brasil, é “patente o aumento no número de pesquisadores brasileiros que têm a defesa nacional como objeto de estudo” (Matos, 2021, p. 2), demonstrando um maior envolvimento de todos os segmentos da sociedade nos assuntos de defesa.
Paralelamente ao crescimento dos Estudos de Defesa, é possível apontar, também, o fortalecimento dos programas de pós-graduação das escolas militares brasileiras de altos estudos, a citar: o Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN), o Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME), o Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea (PPGCA/UNIFA) e o Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG).
Não menos importante, a fundação da Escola Superior de Defesa (ESD), em 2021, e a estruturação do Mestrado em Segurança, Desenvolvimento e Defesa, por parte da referida escola militar, demonstram o esforço do MD em desenvolver os Estudos de Defesa no Brasil.
O fortalecimento dos programas de pós-graduação das escolas militares também está ligado a um processo de aproximação entre as instituições militares de ensino e a academia e vice-versa. Esse fenômeno, na verdade, ocorreu em diversos países, principalmente após a década de 1990, e é uma característica própria das Forças Armadas pós-modernas (Moskos at all, 2000; Caforio, 2007). Nesse sentido, as escolas militares brasileiras de altos estudos contrataram professores doutores civis e submeteram propostas para criação de cursos de mestrado e doutorado ao Ministério da Educação. Como resultado, a partir de 2012, esses cursos foram recomendados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Hoje, para muitos, é considerado normal o que ocorre nas escolas militares brasileiras de altos estudos: uma boa estrutura interna de suporte em seus programas de pós-graduação; a presença de professores militares e civis; a convivência entre pós-graduandos militares e civis; a participação em fóruns de debate acadêmico, em especial nos ENABED; uma considerável produção científica no que tange à Defesa; as parcerias com outras escolas militares de altos estudos ao redor do mundo; as parcerias com universidades brasileiras; e a recomendação dos cursos stricto sensu por parte da CAPES. Esse cenário demonstra, sem dúvida, um processo irreversível no qual as Forças Armadas e as universidades caminharão juntas nas pesquisas relacionadas aos Estudos de Defesa.
Outro ponto interessante é que a criação e o desenvolvimento dos programas de pós-graduação nas escolas militares brasileiras de altos estudos permitiram o surgimento de grupos de pesquisadores militares e civis, ligados a esses programas, que realizam e publicam estudos relacionados à Defesa, além do “amadurecimento e profissionalização dos periódicos científicos oriundos das escolas militares” (Matos, 2021, p. 2).
No tocante ao futuro, é bastante provável que os programas de pós-graduação das escolas militares brasileiras de altos estudos estejam na vanguarda dos Estudos de Defesa no Brasil (caso já não se encontrem em tal posição). Essa afirmação não está ligada a uma capacidade intelectual superior dos pesquisadores ligados às escolas militares, mas por uma conjunção de fatores que criam um ambiente acadêmico favorável para o desenvolvimento dos Estudos de Defesa nessas instituições. Dentre esses fatores, podem ser apontados:
a. todos esses programas de pós-graduação estão alinhados com os planos estratégicos das Forças Armadas, que entendem a importância da parceria com as universidades e da pesquisa científica como vetor de desenvolvimento;
b. existe, em todas as escolas militares, uma estrutura interna administrativa de suporte a tais programas;
c. todos os programas contemplam professores e pós-graduandos civis e militares, que estabelecem vínculos de amizade e parcerias nas pesquisas desenvolvidas, além de se complementarem;
d. há um aumento contínuo na produção científica dos PPG das escolas militares;
e. há, também, uma melhoria na nota de avaliação desses programas, por parte da CAPES;
f. é notório o amadurecimento dos periódicos científicos militares, com a melhoria do QUALIS CAPES de todos eles, desde o quadriênio 2013-2016;
g. há uma efetiva participação nos encontros nacionais e regionais da ABED, cabendo lembrar que cerca de 39% dos trabalhos apresentados no último encontro nacional foram oriundos dos programas das escolas militares; e
h. encontra-se superada a discussão “bacharéis versus tarimbeiros”, no seio das escolas militares.
Por fim, cabe ressaltar que o interesse pelos Estudos de Defesa vai além do uso (ou não) da farda, do pertencimento (ou não) à determinada instituição de ensino militar ou da formação acadêmica original. Eles devem ser compreendidos como um bem de toda a sociedade e como um grande laboratório de pesquisa, onde há espaço para todos.
REFERÊNCIAS
CASTRO, C. C. P.; MARQUES, A. A. (Org.). Pesquisando os militares brasileiros: experiências de cientistas sociais. 1. ed. Curitiba: Prismas, 2016.
CAFORIO, Giuseppe. Social Sciences and the Military: An interdisciplinary overview. London: Routeledge, 2007, p. 217-237.
MATOS, P. O. Os estudos de defesa e a produção acadêmica militar no Brasil. Revista da Coleção Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 53, maio/agosto 2021.
MOSKOS, Charles; WILLIAMS, John Allen; SEGAL David R. The Postmodern Military: Armed Forces after the Cold War. Oxford: Oxford University Press, 2000.
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