Embora a natureza fundamental da guerra permaneça constante, o pensamento militar continua a evoluir, frente às capacidades das novas tecnologias, como declarou o Capitão Daniel Choi, do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (US Marine Corps). Portanto, os líderes devem estar cientes das oportunidades disruptivas para manter as forças relevantes, como é o caso da tecnologia quântica (Choi, 2023).
Nesse contexto, Michael Krelina, pesquisador da Universidade Técnica de Praga (República Tcheca), explica que as tecnologias quânticas são um tópico de interesse para civis e militares. O grupo de tecnologias quânticas é emergente e disruptivo, com a contundente capacidade de afetar muitas atividades humanas no presente e no futuro (Krelina, 2021).
Dada a relevância do tema, este artigo busca discutir, de forma introdutória, o avanço das tecnologias quânticas, sobretudo no que se refere à esfera militar. Dessa forma, para colaborar com o objetivo, a pesquisa visa responder a seguinte questão: quais são as potenciais aplicações das tecnologias quânticas no setor militar?
A tecnologia estudada neste artigo é a desenvolvida na 2ª revolução quântica (Quantum 2.0, quântico 2.0 ou nova revolução quântica). Anteriormente, na 1ª revolução quântica (Quantum 1.0), houve a concepção de tecnologias que nos são familiares, como energia nuclear, semicondutores, lasers, ressonância magnética, câmeras digitais, etc (Krelina, 2021).
A 1ª revolução quântica, denominada mecânica quântica por outros autores, refere-se ao período de desenvolvimento da física teórica no início do século XX, impulsionada pela descoberta do quanta de energia por Max Planck em 1900, seguido de contribuições de outros físicos como Einstein, Bohr e Heisenberg. A 2ª revolução, por sua vez, caracteriza-se pelo desenvolvimento e aplicação da tecnologia quântica, baseada na teoria quântica para a criação de novas tecnologias em áreas como computação, comunicação e segurança.
Krelina (2021) caracteriza a 2ª revolução pela manipulação e controle de sistemas quânticos individuais (como átomos, íons, elétrons, fótons, moléculas ou quase-partículas), permitindo atingir o limite quântico padrão; a marca para precisão de medição em escalas quânticas. Assim, entende-se que tal revolução não trará armas fundamentalmente novas ou sistemas militares independentes, mas sim aumentará significativamente a capacidade de medição, detecção, precisão, poder de computação e eficiência da tecnologia atual e futura.
As tecnologias quânticas são de uso dual e, como tal, de interesse tanto para militares quanto aos civis (Krelina, 2021; Parker, 2024). Assim, o Conselho Científico de Defesa (Defense Science Board – DSB) do Departamento de Defesa dos EUA (Department Of Defense – DoD) divulgou em dezembro de 2019 as tecnologias quânticas mais significativas aos militares, listando sensores, computadores e comunicações (Koichi, 2021; Sayler, 2024).
Conceitualmente, segundo Choi (2023), Parker (2021 e 2024) e Krelina (2025), a tecnologia quântica é agrupada em três grandes categorias: detecção quântica, comunicação quântica e computação quântica. De forma didática, Parker (2024) conceitua tais categorias:
A detecção quântica pode melhorar as capacidades de posicionamento, navegação e temporização (PNT) e comunicações robustas em ambientes desafiadores (por exemplo, sem GPS), bem como capacidades de detecção de longa distância;
A computação quântica pode melhorar a logística militar, a modelagem e a simulação, a pesquisa científica e as capacidades de decifração de códigos; e
As comunicações quânticas podem melhorar a segurança das comunicações contra a interceptação inimiga.
O analista de tecnologia Kelley Sayler (2024) explica que a detecção quântica utiliza os princípios da física quântica em um sensor. Para o DSB, esta é a aplicação militar mais madura das tecnologias quânticas e está atualmente "pronta para uso em missões" (Sayler, 2024).
No raciocínio de Sayler (2024), a detecção quântica pode fornecer uma série de capacidades militares aprimoradas. Por exemplo, pode fornecer opções alternativas de posicionamento, navegação e temporização que, em teoria, permitiriam aos militares operar com desempenho máximo em ambientes com GPS degradado ou sem GPS (Sayler, 2024).
Para Choi (2023), uma das principais aplicações de detecção quântica no setor de defesa é a navegação inercial. De acordo com o militar estadunidense, tanto a Rússia quanto a China buscam capacidades para poder interferir no GPS e degradar os satélites dos EUA.
Coletivamente, a tecnologia de detecção quântica, de imagem e de radar pode fornecer capacidades melhoradas de consciência situacional, ao mesmo tempo que ameaça reduzir a furtividade em certos casos (Smith & Paoli, 2024). Tais pesquisadores reforçam que o impacto potencial do radar quântico em operações militares não deve ser questionado porque, uma vez que a tecnologia chegue à fase de implementação, sinalizará o "fim da era furtiva".
Por outro lado, a computação quântica é uma forma avançada de processamento de dados que utiliza os princípios da física quântica para operacionalizar informações (Smith & Paoli, 2024). Essa tecnologia possui o potencial de resolver problemas que levariam milhares de anos em computadores comuns (Smith & Paoli, 2024).
Nesse cenário, para Smith e Paoli (2024), a computação quântica é uma tecnologia capacitadora extremamente promissora em todos os setores da sociedade, incluindo o domínio militar. Assim sendo, as principais aplicações militares incluem:
Criptografia e cibersegurança, incluindo quebra de códigos;
Inteligência Artificial (IA) e aprendizagem de máquina (machine learning), apoiando sistemas de apoio à decisão e uma nova geração de sistemas autônomos;
Logística e problemas complexos de otimização, como gestão da cadeia de suprimentos e planejamento de missões;
Simulação e modelagem, proporcionando projeções mais precisas e complexas das condições do campo de batalha para treinamento militar; e
e. Ciência dos materiais, acelerando a descoberta/desenvolvimento de novos materiais para aplicações militares, como equipamentos de proteção mais resistentes e leves.
Adiante, das três categorias de tecnologia quântica discutidas, a comunicação quântica é a menos desenvolvida para aplicações militares no momento (Smith & Paoli, 2024). Para tais cientistas, a comunicação quântica usa o emaranhamento – o processo pelo qual qubits comunicam entre si simultaneamente – para transferir dados pelos canais de transmissão.
Nesse sentido, diversas pesquisas trabalham em redes avançadas de comunicação quântica — na Terra e via satélite — que podem permitir novos tipos de transferência segura de dados, computação quântica distribuída e, até mesmo, sensores quânticos conectados (Krelina, 2025). Tal rede poderá um dia suportar não apenas comunicações invioláveis, mas também serviços como computação quântica baseada em nuvem, em que os usuários acessam processadores quânticos por meio de links quânticos seguros (Krelina, 2025).
Na pesquisa de Parker (2021), os resultados indicaram a liderança dos EUA em computação quântica e possivelmente em sensoriamento, ao passo que a China se encontra na dianteira da comunicação quântica. No entanto, em artigo posterior, Parker (2024) sugeriu que a liderança norte-americana era discutível, dada a recente proximidade tecnológica chinesa relacionada à computação quântica.
Interessante destacar que a tecnologia quântica emergiu rapidamente como um fator-chave na formação da segurança internacional (Krelina, 2025). Estados-nações em todo o mundo entendem a inovação quântica como um caminho para a vantagem estratégica, especialmente em defesa e inteligência (Krelina, 2025).
As capacidades de quebrar ou reforçar sistemas criptográficos, detectar ativos furtivos e aprimorar a consciência situacional são obviamente atraentes (Krelina, 2025). Como resultado, os governos se mobilizam para desenvolver capacidades quânticas de ponta, criando um domínio de competição e cooperação geopolítica (Krelina, 2025).
O ambiente é de intensa competição entre as potências econômicas, que investem nas tecnologias quânticas da 2ª revolução, denominada Quantum 2.0. Nessa conjuntura, Parker (2024) e Smith e Paoli (2024) indicam aplicações nas três categorias dessas tecnologias: detecção, para as capacidades de PNT; computação, em ciências dos materiais, cibersegurança, criptografia, IA, logística, modelagem e simulação; e comunicações, na segurança de transferência de dados contra a interceptação inimiga. Por fim, assinala-se que a detecção figura como a aplicação mais madura das tecnologias quânticas (Sayler, 2024), ao passo que, enquanto a computação é promissora em todos os setores, a comunicação quântica se encontra como a menos desenvolvida (Smith & Paoli, 2024).
Referências
Choi, C. D. (2023). Quantum Technology and the Military—Revolution or Hype? The Impact of Emerging Quantum Technologies on Future Warfare. Expeditions with MCUP, 2023(1), 1-24. Recuperado de https://muse.jhu.edu/pub/419/article/907057/pdf . Acesso em: 1º Jun 2025.
Koichi, A. (2021). Military Applications of Quantum Technologies. Briefing Memo. Government and Law Division, Security Studies Department. Recuperado de https://www.nids.mod.go.jp/english/publication/briefing/pdf/2021/briefing_e202112.pdf . Acesso em: 1º Jun 2025.
Krelina, M. (2025). An Introduction to Military Quantum Technology for Policymakers. Recuperado de https://doi.org/10.55163/DRDQ1599 . Acesso em: 1º Jun 2025.
Krelina, M. (2021). Quantum technology for military applications. EPJ Quantum Technology, 8(1), 24. Recuperado de https://doi.org/10.1140/epjqt/s40507-021-00113-y . Acesso em: 1º Jun 2025.
Parker, E. (2021). Commercial and military applications and timelines for quantum technology. RAND. Recuperado de https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RRA1400/RRA1482-4/RAND_RRA1482-4.pdf . Acesso em: 1º Jun 2025.
Parker, E. (2024). The Chinese Industrial Base and Military Deployment of Quantum Technology. RAND. Recuperado de https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/testimonies/CTA3100/CTA3189-1/RAND_CTA3189-1.pdf . Acesso em: 1º Jun 2025.
Sayler, K. M. (2022). Defense Primer: Quantum Technology. Congressional Research Service (CRS) Reports and Issue Briefs. Recuperado de https://www.everycrsreport.com/files/2022-04-05_IF11836_7afea0f477eaa7be48944d66279a8c0324806e57.pdf . Acesso em: 1º Jun 2025.
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