Anomia, Barbárie e Direitos Humanos

Autor: Cel Alessandro Visacro

Quarta, 15 Março 2017
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O conjunto de causas da grave crise de violência que convulsiona a sociedade nacional constitui um mosaico intrincado e complexo de fatores sociais, políticos e econômicos. Alguns desses fatores são endógenos, outros, exógenos. Mas, sua motivação primária resulta do preocupante quadro de desarranjo social denominado anomia.

Segundo Jessica Coracini, "o conceito de anomia desempenha um papel importante na sociologia, principalmente no estudo das mudanças sociais e de suas consequências. Quando as regras sociais e os valores que guiam as condutas e legitimam as aspirações dos indivíduos se tornam incertos, perdem o seu poder ou, ainda, tornam-se incoerentes ou contraditórios devido às rápidas transformações da sociedade".

Vivemos um momento de transição histórica. Estamos abandonando um modelo de sociedade industrial para nos tornarmos uma sociedade da era da informação. Portanto, devemos refletir acerca das implicações do advento de uma ordem pós-industrial sobre o corpo de crenças e valores de diferentes sociedades.

Tais transformações podem suplantar, em amplitude, ritmo e profundidade, os sistemas adaptativos dos agrupamentos humanos, em termos culturais. Em casos extremos, a incapacidade de uma sociedade adequar seu corpo de crenças e valores pode levar à erosão da cultura, como aconteceu com muitos povos indígenas originários do Brasil, cujo processo de transfiguração étnica os fez perecer.

O período de redefinição e acomodação de padrões éticos, em face de intensas mudanças, pode contribuir para o surgimento de um estado de desordem moral extremamente perigoso. Tal fato explica, em parte, a tentativa de erradicação física de judeus e de outras minorias nos campos de extermínio nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Naquela ocasião, a humanidade emprestou os argumentos da ciência, a burocracia do Estado e a eficácia da tecnologia industrial para cometer seu crime mais nefasto. Seguindo a mesma dinâmica sociológica, na anomia gerada pela globalização e pelo advento da era da informação, encontra-se a causa primária de toda selvageria do mundo atual – das atrocidades praticadas por salafistas jihadistas, no Oriente Médio, aos crimes hediondos perpetrados por quadrilhas armadas na América Latina, incluindo o Brasil.

Ou seja, muito da barbárie e da violência extremista resulta do colapso moral decorrente do hiato gerado entre o corpo de crenças e valores que tradicionalmente dão sustentação à sociedade e o ritmo acelerado das mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas ora em curso. Em um artigo intitulado "A Crise da Modernidade e a Insegurança Social", o Tenente Francis Cotta, da Polícia Militar de Minas Gerais, apresenta uma interessante associação entre vácuo civilizatório, delinquência criminal e insegurança pública.

À anomia se soma o processo de brutalização ao qual membros de organizações terroristas e quadrilhas armadas são submetidos em guerras, campos de refugiados, presídios e favelas ao redor do mundo. Tanto o infame Estado Islâmico quanto algumas das principais facções criminosas do Brasil têm suas origens no cárcere, por exemplo. As prisões israelenses, também, têm desempenhado um papel histórico importante na radicalização de muitos militantes do Hamas.

A combinação de anomia e brutalização explica a ausência absoluta de limites. Perderam-se os mais tênues traços de racionalidade e humanidade. Execuções extrajudiciais, torturas, imolações, decapitações e esquartejamentos tornaram-se o insumo básico para a propaganda extremista, cuja audiência global pode ser facilmente alcançada por meio da moderna tecnologia da informação.

A crise de poder do Estado-Nação (conforme entendida pelo escritor venezuelano Moisés Naím), a ruptura do monopólio do uso da força e a admissão de espaços anárquicos geram as condições necessárias de tempo e espaço para que a barbárie desprovida de limites seja praticada livre e impunemente.

O poder do Estado deve ser urgentemente restaurado sobre o preceito fundamental da promoção do bem comum. É claro que a recomposição do poder coercitivo do Estado deve estar rigidamente atrelada ao princípio da legalidade, sem o qual o poder público jamais poderá reivindicar a legitimidade que o Estado de Direito requer.

Eis a mais séria e premente questão de Direitos Humanos que nosso tempo impõe!

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Caro Coronel Alessandro. Boa Tarde. Parabéns pelo livro "Guerra Irregular". Sua pesquisa é profunda. Sua clareza admirável. Especial elogio ao estudo do crescimento do movimento islâmico e da reflexão do perfil da força armada frente à crise de segurança nacional. Grato !
Caro Coronel Visacro Tive contato com seus livros por intermédio do General Matsuda ( fomos colegas de turma no CPOR-SP. Fui Ten temporário). Muito me impressionou sua visão pessoal-estratégica dos assuntos abordados... Estamos em fase de pré produção ( a duras penas ) do documentário 319DIAS, sobre a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Contamos com o apoio da força via CCOMSEX, na pessoa do General Richard. Gostaria de encontrá-lo ( não sei onde o senhor está lotado no momento ), pois seu texto "Anomia, Barbárie e Direitos Humanos" vai de encontro ao conceitual dramatúrgico do filme. Forte abraço Coronel

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