Alterações climáticas e a Base Industrial de Defesa

Autor: Coronel Raul Kleber de Souza Boeno

Quarta, 13 Março 2024
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O tema alterações climáticas tem ocupado grande parte das mídias nos últimos meses. Quer seja por sua relação com os eventos climáticos extremos e seus impactos nos sistemas sociais, quer seja por seu debate nos fóruns mundiais e suas implicações para a segurança. Nesse mesmo diapasão, o fenômeno humano “Guerra”, tanto da Ucrânia (fevereiro/2022) como em Israel (outubro/2023), tem sido debatido por vários especialistas, trazendo reflexões sobre mobilização, economia, direitos humanos e danos ambientais, entre outros.

A intenção deste contributo é, de forma breve, propor algumas considerações sobre a questão climática e o setor industrial, em especial aqueles ligados à Base Industrial de Defesa (BID).

O Livro Branco de Defesa do Brasil (2012) define BID como “um conjunto de indústrias e empresas organizadas em conformidade com a legislação brasileira, que participam de uma ou mais das etapas da pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos de defesa”. Isso, de forma reducionista, significa que a existência de uma BID para sustentar um eventual esforço de guerra, precisa ser precedida de uma sólida Base Industrial com capacidades estratégicas.

Os recentes eventos climáticos ocorridos nos estados do Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mostraram que a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, em especial sobre ações de prevenção, mitigação e preparação perante a gestão de riscos de desastres naturais podem preservar vidas humanas e reduzir danos materiais.

Sobre isso, cabe lembrar que, segundo a Comissão Mista da Indústria de Defesa, a Região Sul tem a segunda maior concentração de Empresas Estratégicas de Defesa (EED) e de Empresas de Defesa (ED) do Brasil. Os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuem 36 EED e 8 ED que fornecem, por intermédio de vendas públicas para o Ministério da Defesa, produtos da indústria automotiva, alimentos e bebidas, metalmecânica e metalurgia, têxtil, confecção e couro, Tecnologia da Informação e Comunicação, produtos químicos e plásticos, máquinas e equipamentos, fármacos, entre outros.

Conforme já tratado em trabalhos anteriores (https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/aquecimento-global-desafio-para-a-soberania-nacional.html), os fenômenos climáticos extremos têm potencial para colocar em risco a infraestrutura industrial localizada em áreas de risco, comprometer a logística das operações (estradas, linhas férreas e portos), dificultar ou impedir acesso às matérias-primas, gerar impactos sociais (reduzir mão de obra, doenças, perdas pessoais, patrimoniais, entre outras), bem como prejuízos em pesquisa e inovação, e gerar instabilidade social (conflitos e insegurança).

Enquanto os danos causados pelas recentes chuvas na Região Sul estão sendo tabulados, é importante lembrar que o setor industrial, em especial a BID, já tem realizado ações diante dos impactos das alterações climáticas, seguindo o previsto no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) e na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

Seguindo recomendações internacionais, o setor industrial também incorporou as International Standards Organization (ISO), conhecidas como NORMAS ISO, em especial as ISO 14090:2019 - Adaptação às mudanças climáticas (Princípios, requisitos e diretrizes) e a ISO 14091:2021- Adaptação às mudanças climáticas (Diretrizes sobre vulnerabilidade, impactos e avaliação de riscos).

Por outro lado, ocorre que é justamente o setor industrial um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), segundo relatórios internacionais, ente eles o do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC). Além disso, não existe um mapeamento confiável de emissões de GEE específico da BID por país. Essa fragilidade, logicamente com grandes investimentos, pode ser transformada numa enorme vantagem estratégica.

A pujante BID do Brasil, caso execute ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e atenda sua demanda energética – atualmente baseada em “finitos combustíveis fósseis” - com uma matriz baseada em fontes renováveis, reduzirá sensivelmente sua fragilidade em relação aos demais países. Inclusive, com possível redução na quantidade de conflitos por recursos escassos. Essa desejável reindustrialização verde e transformação da BID, sob o enfoque da sua demanda energética, provavelmente terá a participação das instituições de ensino e do governo, fortalecendo a importância do conceito da Hélice Tríplice (Universidade-Indústria-Governo).

As diversas abordagens realizadas pelos especialistas e comentaristas, sobre os conflitos mencionados (Ucrânia e Israel), parecem ter como denominador comum a necessidade de os Estados terem uma BID estável, bem como terem capacidade de mobilizar (pessoal e material) para o esforço de guerra. Os exemplos advindos desses conflitos, tais como a dificuldade em produzir munição e nacionalizar peças de reposição para viaturas blindadas, mostram ao mundo a importância de ter uma sólida BID. Além disso, a demanda energética para estabelecer e manter um esforço de guerra, baseada em combustíveis fósseis, torna a guerra ainda mais complexa, como é o caso do gás proveniente da Rússia, o controle energético sobre Gaza e o petróleo do Oriente Médio.

Qual a garantia que teremos de uma infraestrutura bélica para atender a demanda de combustível fóssil para manter uma frota e equipamentos militares em 20, 30 e 40 anos? Essa transição energética antecipada poderá ser a maior vantagem estratégica operacional do futuro; não depender daquilo que todos dependem.

Assim, espera-se que o principal contributo deste trabalho seja instigar a reflexão sobre a importância da BID se preparar para os reflexos das alterações climáticas, bem como sobre a oportunidade em atender sua demanda energética futura com fontes renováveis para aumentar sua competitividade e fortalecer o Brasil no cenário internacional.

 

Comentarios

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"tais como a dificuldade em produzir munição e nacionalizar peças de reposição para viaturas blindadas" Concordo com o Cel. neste quesito, e como proposta sugiro criar um grupo de especialistas em engenharia reversa, a exemplo de outros paises do Oriente Medio, que atraves desta tecnica se tornaram lideres na producao de drones.

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