O dia 22 de agosto de 2022 assinalou os 80 anos da entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial. O processo que levou o país a participar do maior conflito bélico da história da humanidade teve idas e vindas ao longo dos dois anos anteriores.
O Brasil, à época, encontrava-se sob o regime do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, por meio de um golpe de estado que duraria até 1945, e caracterizado pela centralização do poder, pelo autoritarismo, pelo anticomunismo e pelo nacionalismo.
O tirocínio político de Vargas fez com que o período ficasse marcado por grandes realizações, tais como a criação do Departamento Administrativo de Serviço Público (DASP), órgão que modernizou a Administração Pública Federal; do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); do Conselho Nacional do Petróleo, em 1938; do Conselho de Águas e Energia Elétrica, em 1939; da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941, que se tornou um marco da industrialização no país, além da fundação da Companhia Vale do Rio Doce em 1942. As Forças Armadas eram apoiadas pelo governo por meio da modernização de seus meios e da instrução.
No comércio exterior, a Alemanha e os EUA constituíam-se como os dois principais fornecedores.
No campo ideológico, o governo se dividia. De um lado, os simpatizantes do Eixo1: Francisco Campos, Eurico Gaspar Dutra, Góis Monteiro e Felinto Müller.2 O próprio Getúlio mostrava simpatia pelos regimes adotados na Itália e na Alemanha, conforme ficou claro no famoso discurso proferido em 11 de junho de 1940, a bordo do encouraçado Minas Gerais.3 Na condição de pró-aliados, posicionavam-se Oswaldo Aranha, Vasco Leitão da Cunha, Artur de Sousa Costa, Ernâni Amaral Peixoto e Joaquim Pedro Salgado Filho, dentre outros.4
Quanto ao tópico, cabe um parêntese. Os crimes contra a humanidade praticados pelos nazistas ainda não haviam sido revelados. A impressão geral era de que o Nazismo e o Fascismo eram a resposta à expansão do Comunismo no mundo e uma inovadora forma de conciliação do capital e do trabalho.
Nos EUA o próprio Presidente Roosevelt havia adotado um modelo econômico inspirado nas reformas de Mussolini, o New Deal. Entre os judeus, havia quem visse o Fascismo com simpatia, como era o caso do líder sionista Vladimir Jabotinsky. Nunca é demais recordar que, por essa época, a Wehrmacht5 conquistava seguidas e importantes vitórias na Europa e no Norte da África.
No continente americano, a diplomacia estadunidense apostava na Política de Boa Vizinhança6, procurando a aproximação com os países da América Latina e tendo como escopo a defesa dos mercados do continente contra a penetração do Eixo.
A balança começou a pender para os aliados a partir da III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizada entre 15 e 28 de janeiro de 1942, no Rio de Janeiro. Nessa oportunidade, por meio da atuação de Oswaldo Aranha, o Brasil solidarizou-se com os EUA, que havia sido atacado pelo Japão em Pearl Harbor, e cortou relações com os países do Eixo. Em seguida, no contexto dos chamados Acordos de Washington7, o Brasil passou a cooperar com o esforço de guerra estadunidense.
A despeito desses avanços, a neutralidade continuava a ser uma preferência nacional, até que no dia 15 de agosto de 1942, mais precisamente às 19 horas e 12 minutos, o Capitão de Corveta alemão Harro Schacht, comandante do Submarino U-507, empurrou o Brasil para a guerra.
Naquele momento, dois torpedos disparados pelo submarino alemão atingiram em cheio o vapor Baependy, um navio de carga e passageiros que levava a Olinda o 7º Grupo de Artilharia de Dorso do Exército com suas famílias, na altura da foz do rio Real, na divisa entre Sergipe e Bahia. Naquela mesma noite, o U-507 faria mais duas vítimas, o Araraquara e o Aníbal Benévolo. Dois dias depois, o submarino, ainda no litoral nordestino, torpedearia o Itagiba e o Arará. Em 19 de agosto, dando fim a sua nefasta missão, o U-507 afundou a barcaça Jacira ao sul de Salvador.
Nunca é demais recordar que o rompimento de relações não equivale à declaração de guerra. O ato do submarinista alemão foi praticado contra um país, até então neutro, e contra navios de carga e de passageiros.
Anteriormente, outros 15 navios mercantes nacionais haviam sido torpedeados longe do país em zonas de guerra e com pouquíssimas baixas. Os ataques de agosto foram feitos no litoral brasileiro, ocasionando mais de 500 mortes ao longo de quatro dias e sendo encontrados muitos corpos nas praias8.
Assim que a notícia dos ataques foi difundida, a comoção que tomou conta da população foi ampliada pela publicação de fotos e relatos dos sobreviventes, tais como o do Capitão do Exército Lauro Moutinho Reis, passageiro do Baependy, veiculados em conhecido diário carioca:
"Um oficial, a esposa e o filho agarravam-se fortemente no corredor, unidos, tentando lutar contra a morte. Uma jovem, com a volta súbita do navio, foi vista ser esmagada. Outra, foi levada pelas águas. Pessoas que tentavam subir aos camarotes, onde tinham ido buscar os salva-vidas, eram obrigadas a recuar pela avalanche líquida. Não houve tempo para quaisquer medidas de salvamento, porque 30 segundos depois o Baependy recebia um segundo torpedo, tombando inteiramente. Em 3 minutos, estava inteiramente afundado.”9
Em muitas cidades, ocorreram passeatas, muitas organizadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), protestos e depredações de estabelecimentos comerciais pertencentes a imigrantes vindos de países que faziam parte do Eixo.
No Rio de Janeiro, então capital, uma grande manifestação dirigiu-se ao Palácio Guanabara, residência do Presidente da República, e ouviu de Getúlio “A agressão não ficará impune”.
E não ficou. No dia 22 de agosto de 1942, após uma reunião ministerial de cerca de uma hora e meia, o Brasil declarava guerra à Alemanha e à Itália e entrava oficialmente na 2ª Guerra Mundial.10
"A cobra iria fumar."
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1 Alemanha, Itália, Japão, Hungria, Romênia, Eslováquia e Croácia.
2 Respectivamente Ministro da Justiça, Ministro da Guerra, antecessor do Ministro da Guerra e Chefe de Polícia do Distrito Federal.
3 Getúlio flerta com ideias fascistas. Memorial da Democracia. Disponível em: < https://memorialdademocracia.com.br/card/getulio-defende-estado-forte>. Acesso em: 22 de agosto de 2022.
4 Respectivamente Ministro das Relações Exteriores, Ministro Interino da Justiça, Ministro da Fazenda, Interventor do Estado do Rio de Janeiro e Ministro da Aeronáutica.
5 Forças Armadas Alemães.
6 A política de boa vizinhança constituiu uma linha específica da política externa norte-americana formulada para a América Latina durante o governo Roosevelt. Tratava-se de uma nova proposta de relacionamento com o continente que visava fundamentalmente apagar as marcas da política do Big Stick (porrete) que caracterizara as ações anteriores dos Estados Unidos na região latino-americana.
7 Resultado de conversações bem-sucedidas entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos durante os dois primeiros meses de 1942, os Acordos de Washington diziam respeito basicamente ao fornecimento de certas matérias-primas brasileiras à indústria norte-americana e foram assinados em Washington em 3 de março de 1942.
8 No Baependy, 270 pessoas; no Araraquara, 131; no Aníbal Benévolo, 150; no Itagiba 36; no Arará, 20; e no Jacira, não houve vítimas.
9 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
10 O Brasil só declararia guerra ao Japão em 6 de junho de 1945
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