Aeronaves Remotamente Pilotadas: pesquisas de 2000 a 2023

Autor: 1º Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi

Segunda, 10 Junho 2024
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O Brasil é o 5º maior país em extensão territorial, estando entre os 10 mais populosos e se coloca entre as maiores economias do planeta, como explica a Política Nacional de Defesa – PND (Brasil, 2012). Na Estratégia Nacional de Defesa – END, as suas relações internacionais primam pelos princípios constitucionais da não intervenção, defesa da paz e solução pacífica dos conflitos (Brasil, 2008).
Dada a sua trajetória pacifista, a nação brasileira organiza as suas Forças Armadas para a defesa do território, de acordo com a Constituição Federal (Brasil, 1988). Pelas competências da União em assegurar a defesa nacional, fiscalizar a indústria e o comércio de material bélico, este recorte de pesquisa trata de discutir um assunto que se alinha aos novos desafios da realidade contemporânea.
O tema deste artigo se centra nas pesquisas sobre as Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP), do inglês remotely piloted aircraft (RPA), conhecidos ainda por drones ou veículos aéreos não tripulados (VANT). Este trabalho busca resultados em publicações a nível mundial, a fim de apresentar uma visão geral da produção científica. Dessa forma, o problema de pesquisa visa investigar o panorama das pesquisas sobre as ARP militares de 2000 a 2023.
Em razão do crescente emprego das aeronaves remotamente pilotadas em atividades de defesa civil, entretenimento, segurança pública e, sobretudo, em conflitos ao redor do planeta, este artigo visa contribuir com os estudos no setor de defesa nacional. Para alinhar o tema e problema de pesquisa, o artigo visa responder a seguinte questão: qual é o panorama da produção científica relacionada às ARP militares de 2000 a 2023?
Na doutrina atual, a adoção de táticas que combinam drones com ataques de infantaria e cavalaria têm sido constantes, sem olvidar que a artilharia também utiliza esses sistemas para a busca de alvos. O Manual de Medidas de Coordenação do Espaço Aéreo nas Operações Conjuntas, MD33-M-13, do Ministério da Defesa - MD, menciona as operações com  a utilização de ARP (Brasil, 2014).
Além das operações ofensivas e defensivas, o uso das ARP é proveitoso na inteligência, com o acompanhamento das frações inimigas e a geração de imagens aéreas, assim como o esclarecimento de informações para a contenção do adversário. Cabe destacar ainda que as ARP são empregadas em operações de apoio à Guerra Eletrônica e monitoramento da faixa de fronteira.
Conceitualmente, a ARP é um veículo aéreo em que o piloto não se encontra a bordo, sendo controlada a distância, para executar determinada atividade ou tarefa (Brasil, 2018). Nesse contexto, é uma classe de veículo aéreo não tripulado (VANT), que, incluídas as aeronaves de asa fixa ou rotativa e os aeróstatos (dirigíveis) controlados nos 3 eixos.
Nessa classificação das ARP ou VANT, excluem- se os balões (tradicionais e cativos) e os aeromodelos, conforme as normas operacionais de emprego para ARP pertencentes aos sistemas de materiais de emprego militar, do Comando de Operações Terrestres - COTER (Brasil, 2018). Tais normas definem que o Sistema de Aeronave Remotamente Pilotada (SARP) é o conjunto de meios necessários ao cumprimento de determinada tarefa com emprego de ARP.
Na conceituação dos SARP, o conjunto de meios engloba, além da plataforma aérea, a carga paga (payload), a estação de controle de solo, o terminal de transmissão de dados e a infraestrutura de apoio e recursos humanos (Brasil, 2018). Em termos gerais, as Instruções do Comando da Aeronáutica – ICA 100-40/ 2023, orientam que  os sistemas de aeronaves não tripuladas, do inglês, Unmanned Aircraft Systems (UAS), são um novo componente da aviação mundial (Brasil, 2023).
Essas mesmas orientações da Aeronáutica complementam que “operadores, indústria e diversas organizações internacionais estão estudando e trabalhando para compreender, definir e, finalmente, promover sua completa integração no Espaço Aéreo” (Brasil, 2023, p. 9). As ICA 100-40/ 2023 explicam que, no Brasil, as aeronaves não tripuladas são conhecidas por drones, tradução de zangão.
O termo veículo aéreo não tripulado, por sua vez, é oriundo da denominação  Unmanned Aerial Vehicle - UAV (Brasil, 2023). Além das definições usuais, destaca-se o valor desses novos componentes no moderno campo de batalha, como recursos tecnológicos que alteram significativamente as capacidades militares, de acordo com o Manual de Fundamentos Doutrina Militar Terrestre (Brasil, 2022).
Para Gualazzi, Fontes, Magalhães, de Paula, Molina e dos Santos (2017), o uso dos SARP é irreversível, sendo imprescindível que o País se mantenha atualizado e apoiado por uma indústria de defesa sólida. Pela inovação tecnológica das ARP, se prevê que poderão operar com “velocidade hipersônica, com baixíssima capacidade de serem detectadas, grande manobrabilidade em voos com condições meteorológicas severas, expressiva autonomia” (da Costa Braga, 2019, p. 107).
No contexto dos conflitos bélicos, a eficácia destrutiva de um equipamento militar certamente poderá influir positivamente no resultado de uma operação (Souza, Cury & Dias, 2018). Nesse cenário de inovação em que se insere o setor de Defesa, muitos países se equipam com drones que podem atuar de forma autônoma ou semiautônoma a quilômetros de distância (Carbajo-Núñez, 2022).
Originalmente desenvolvido para fins bélicos, os drones foram adaptados ao uso civil (da Silva Nascimento & Denadai, 2021). Esses equipamentos complexos evoluíram de tal forma que estão integrados a uma extensa cadeia de comunicação (dos Reis Peron, 2016). A evolução da tecnologia para os drones, por sua vez, permitiu o acesso à população em geral (da Silva Nascimento & Denadai, 2021).
Essa nova dimensão no campo de batalha suscita diversas questões morais, sobretudo no que tange aos direitos humanos, por causarem sérias consequências aos não combatentes residentes em áreas conflagradas (da Silva, 2017). Tal debate se justifica em virtude do poder destrutivo que os drones possuem, visto que mesmo diante do sucesso da operação, não é possível prever a ocorrência de danos aos civis, porque os dispositivos não possuem inteligência artificial (IA) suficiente para distinguir alvos legítimos dos ilegítimos (Souza, Cury & Dias, 2018).
Os resultados deste artigo focalizam no período de 2000 a 2023, para traçar a evolução da pesquisa nas ARP militares. A coleta de dados recorreu à busca na base de dados Scopus, uma das fontes mais relevantes no campo científico.
A busca na base de dados Scopus ocorreu em 14 de fevereiro de 2024. O termo "remotely piloted aircraft systems" trouxe o resultado de 198 registros, no que "remotely piloted aircraft" apresentou 820 documentos. A palavra-chave (keyword) “drone”, por sua vez, resultou em 21.888 trabalhos.
Para representar as pesquisas a nível mundial que enfocaram o uso de drones no setor militar, refinou-se a busca na base Scopus, incorporando o operador booleano AND e a palavra-chave “military”. Assim, o resultado foi de 860 trabalhos, dos quais 836 foram publicados em inglês, ao passo que 14 foram em mandarim, 3 em turco e 2 em francês. Os idiomas ucraniano, espanhol, português, polonês, coreano e japonês, por outro lado, responderam por apenas 1 único trabalho.
Os resultados revelam que as áreas do conhecimento (subject area) que mais estudaram o emprego de drones no setor militar são as engenharias e ciência da computação, que somadas representam 54,1% de todas as pesquisas sobre ARP militares no período de 2000 a 2023. O Gráfico 1 sintetiza esses resultados com destaque para as engenharias, que respondem por mais de ¼ da produção:


Gráfico 1 – Pesquisas sobre drones militares por áreas do conhecimento



Fonte: Scopus (2024)

As palavras-chave que estiveram melhor representadas na base Scopus, com os quantitativos entre parênteses, foram: drones (607), military applications (312), military vehicles (229), target drones (189) e military operations (143). Na geografia das pesquisas, os EUA lideram (183), secundados pela Índia (107), China (97), Reino Unido (59), Coréia do Sul (51), França (31), Alemanha (29), Canadá (27), Austrália (25), Itália (23), Turquia (20), Paquistão (20), Arábia Saudita (19) e Brasil (14). Os 10 países mais produtivos estão representados no Gráfico 2:


Gráfico 2 – Pesquisas de drones militares por países



Fonte: Scopus (2024)

Descoberta importante é que a Rússia possui somente 10 trabalhos indexados. Tal fato surpreende por se tratar de um país com significativa tradição na indústria bélica. A Ucrânia, invadida pela Rússia, possui 5 pesquisas. Israel, outro gigante militar, se revela com 11 pesquisas. Outro país que é reconhecido pelo seu programa sobre drones é o Irã, que teve apenas 2 trabalhos disponibilizados.
O alcance da base de dados permite detalhar os autores de trabalhos relacionados às palavras-chaves estabelecidas na string de pesquisa “drone AND “military”. Os pesquisadores mais prolíficos são: David A. Fulghum (8), Ashok Kumar Das (6) e Alon Ben-David (5). Os institutos de destaque são: International Institute of Information Technology, Northwestern Polytechnical University, Nanyang Technological University, CNRS Centre National de la Recherche Scientifique e National University of Defense Technology China, todos com 7 pesquisas indexadas. 
As pesquisas sobre o assunto têm sido frequentes. Os anos de 2001, 2002, 2003, 2010 e 2011 foram os de menor indexação de trabalhos, em contraponto aos demais, em que a produção sempre esteve nos dois dígitos. Em 2021, o resultado foi de 118 pesquisas, idêntico ao ano seguinte, chegando a 136 em 2023. Os últimos 4 anos analisados, 2020, 2021, 2022 e 2023, respondem por 442 artigos, proporção de 51,39% de toda a produção desenvolvida a partir de 2000. O Gráfico 3 mostra que as investigações sobre drones militares se encontram em franco crescimento a partir de 2016:


Gráfico 3 – Pesquisas sobre drones militares por ano


 

Fonte: Scopus (2024)

Com base no contexto de evolução tecnológica que abrangeu o setor militar, este artigo objetivou responder a questão de pesquisa sobre qual é o panorama da produção científica sobre drones militares no período de 2000 a 2023. Os resultados indicam que os EUA se encontram na liderança, tendo a Índia como 2º lugar, a China em 3º e o Reino Unido em 4º. A soma das pesquisas desses 4 países é de 446, proporção de 51,86% em relação à produção indexada na base Scopus.
Descoberta surpreendente reside na produção relacionada à Rússia, Ucrânia, Israel e Irã, que envoltos em tensões geopolíticas, produziram poucas pesquisas sobre drones militares. Por outro lado, tais resultados podem mascarar pesquisas secretas, cujas limitações de acesso são justificadas pelos conflitos sempre presentes em suas áreas de influência.
Dos 860 trabalhos indexados na base de dados Scopus, a busca efetuada em 14 de fevereiro de 2024 revelou que somente 14 pesquisas foram desenvolvidas no Brasil, o que não condiz com a sua importância em termos de economia, população e dimensão continental. É bem verdade que se trata de uma nação que tradicionalmente busca resolver suas disputas de forma pacífica, todavia, a proteção de seus imensos recursos exige a contrapartida do desenvolvimento científico.

BIBLIOGRAFIA
Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. 
Brasil. (2008). Estratégia Nacional de Defesa. Brasília.
Brasil. (2023). Portaria DECEA nº 928/ DNOR8, de 15 de maio de 2023. Instruções do Comando da Aeronáutica – ICA 100-40/2023. Aeronaves não Tripuladas e o Acesso ao Espaço Aéreo Brasileiro. Brasília.
Brasil. (2022). Portaria EME/ C Ex nº 927, de 15 de dezembro de 2022. Manual de Fundamentos Doutrina Militar Terrestre (EB20-MF-10.102), 3ª Edição, 2022. Brasília.
Brasil. (2014). Portaria GM-MD nº 3.998, de 22 de julho de 2022. Manual de Medidas de Coordenação do Espaço Aéreo nas Operações Conjuntas - MD33-M-13, 1ª Ed. Brasília.
Brasil. (2018). Normas operacionais para aeronaves remotamente pilotadas pertencentes aos sistemas de material de emprego militar. Brasília.
Brasil. (2012). Política Nacional    de Defesa.    Brasília.
Carbajo-Núñez, M. (2022). A guerra de drones autônomos. Revista Eclesiástica Brasileira, 82 (322), 424–443.
da Costa Braga, C. (2019). A ação de drones na guerra naval. Revista Marítima Brasileira, 139 (04/    06), 79 - 110.
da Silva Nascimento, A. J., & Denadai, M. S. (2021). Drone, a história desta tecnologia. Tekhne e Logos, 12 (2), 48-56.
dos Reis Peron, A. E. (2016). Segurança Preditiva? Big Data e Assassinatos Extrajudiciais com Drones pelos EUA. In: IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (IX ENABED). Florianópolis.
Gualazzi, P. G. A. S., Fontes, C. A. M. D., Magalhães, C. I. J., de Paula, C. A. J. V., Molina, C. A. M. O. E., & dos Santos, C. A. G. R. (2017). RPAs armadas: o  desafio brasileiro. Ministério da Defesa, 1-20.
Silva, L. P. D. (2017). Tecnologia e guerra: um estudo exploratório acerca das implicações legais do uso de drones em operações militares. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife.
Souza, A. L. M.; Cury, V. R.; & Dias, E. F. (2018). O uso militar de drones frente ao Direito Internacional Humanitário.

CATEGORIAS:
Ciência e Tecnologia

Comentarios

Comentarios

Artigo excepcional, parabéns Sgt Julio Cezar.

👏👏👏👏

Aparantemente esse texto é "Fruto do meio tecnológico novo e amplamente desenvolvido" (IA), este artigo é improdutivo e não aborda as principais vantagens que os VANTs trazem para as forças armadas, especialmente em um país como o Brasil, onde o foco das forças armadas é pagar salários e se esquivar dos perigos globais.

O amplo uso de drones permite a presença de dois exércitos no campo de batalha: a infantaria convencional e os enxames de drones. Isso proporciona várias vantagens:

Melhoria na precisão e uso dos recursos de artilharia.

Ataques pontuais com redução de custos humanos e bélicos.

Estudo prematuro e em tempo real das movimentações e dos meios empregados pelo inimigo no campo de batalha.

Identificação e filtragem de pontos de desvio de atenção, fortificações e pontos de concentração de tropas.

-Apenas algumas das vantagens.

O próximo braço armado das nações será composto por drones. As nações poderão projetar poder militar remotamente sem qualquer ação humana no futuro. E como sempre, os primeiros a criar e desenvolver esse meio serão os mais beneficiados, assim como ocorreu com armas de fogo, tanques, aviões, embarcações, submarinos e outros meios que nosso exército não é capaz de utilizar plenamente em um contexto de guerra. Apesar de ser uma crítica que observem essas vantagem que estão deixando passar entre os dedos: Temos um novo mercado que pode ser a porta aberta das forças armadas de se estruturar e passar a projetar poder mundial.

 

E outro detalhe: equipamentos não aparecem ou crescem como uma planta, são criados. Uma criação que envolve muitas esferas em diferentes mercados, um benefício enorme para qualquer nação ou melhor, para qualquer nação inteligente porque afinal, qual potencia mundial não é uma potência militar?

 

Admiro essa adaptação de frase;

A melhor defesa é projetar força de maneira estratégica e inovadora, garantindo superioridade e dissuasão efetiva sem entrar em confronto direto.

Artigo do mais alto nível. Parabéns, Sgt Julio Cesar.

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