Em dois artigos publicados no EBlog, o General Richard Fernandez Nunes, Comandante Militar do Nordeste, abordou os desafios que as características dos tempos atuais impõem à comunicação estratégica do Exército, em geral, e aos militares da Força, em particular.
Ao caracterizar o ambiente desafiador em que vivemos, o general relembrou os acrônimos VUCA e BANI, que sintetizam suas peculiaridades. Vivemos uma era volátil, “uncertain”/incerta, complexa e ambígua, com tendência a se tornar “brittle”/frágil, ansiosa, não linear e incompreensível ou, em uma palavra, caótica.
Aprofundando sua análise, com o foco na comunicação estratégica, o general propôs um novo acrônimo que auxilie a compreender o ambiente no qual estão inseridos, em especial, os militares: seria o mundo PSIC – precipitado, superficial, imediatista e conturbado.
A precipitação, resultado da instantaneidade do mundo moderno, que se manifesta pela reação impulsiva em face do sem número de estímulos que chegam aos indivíduos por intermédio das conexões digitais, é deletéria ao pensamento analítico que deve caracterizar os profissionais da guerra. O repasse de notícias duvidosas, de fontes inidôneas, de modo precipitado, macula a imagem de quem as repassa em razão da perda de sua credibilidade, quando não induz outras pessoas a decisões equivocadas baseadas nas falsas premissas repassadas.
A superficialidade está relacionada à grande variedade de assuntos e temas sobre os quais há informações disponíveis e, dessa forma, se pode, em rápida pesquisa na internet, minerar algum conhecimento. Quando não se está atento ao perigo representado pela superficialidade, corre-se o risco de encontrar soluções fáceis para problemas complexos, que, como o General Richard destaca no seu artigo, se constituem em exceção, não a regra.
O imediatismo remete à necessidade de soluções “para ontem”, mesmo quando se trata de questões complexas. O conceito também se relaciona com a instantaneidade da modernidade, em que assuntos se tornam “velhos” em questão de horas. Essa é uma tendência que deve ser combatida, afinal, há questões que, por sua importância, requerem meditação, estudo, ponderação e análise.
Finalmente, a conturbação se manifesta pela polarização excessiva, pela intolerância e pela opção pelo dissenso. Essa característica domina as interações nas redes sociais, estimulada pela sensação de impunidade que se constrói a partir do isolamento físico entre as pessoas. Afinal, ao interagirem apenas no mundo virtual, aparentemente protegidas pelo escudo da distância real, elas se sentem desobrigadas das limitações impostas pelas regras de convivência que normalmente regulam as interações interpessoais. Isso cria um ambiente tóxico, onde a espiral de animosidade cresce, atingindo níveis que extrapolam as próprias redes sociais e transbordam para o mundo real. Nesse momento, as pessoas, entorpecidas pela impunidade virtual, se deparam com a realidade e se surpreendem ao se verem tolhidas por normas, regulamentos e leis – regramento que, se antes era facilmente identificável, agora passa a lhes parecer estranho e descabido.
Mas qual seria o antídoto para se proteger das pressões do mundo PSIC? Certamente não há uma “bala de prata” que proteja a todos das armadilhas que nos cercam. Mas se é possível indicar um caminho, esse passa pela admissão da complexidade do mundo que nos cerca, bem como pela consciência de nossas próprias vulnerabilidades. Trata-se, por um lado, de tomar por princípio que as simplificações não podem responder a questões complexas e, por outro, de reconhecer a necessidade de se estar atento ao constante autoaperfeiçoamento, que aumenta sobremaneira a resiliência dos indivíduos às pressões do “mundo PSIC”.
Afinal, no campo da psicologia, resiliência é definida como a capacidade de resistir ao choque, à adversidade. É um conceito emprestado da física, definido como a capacidade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. É isto que se espera dos militares: que, mesmo submetidos às pressões do “mundo PSIC”, mantenham-se serenos, conscientes da situação, avaliando corretamente os fatos, assessorando e decidindo com o foco no cumprimento da missão.
Para isso, uma excelente ferramenta é o estudo e a aplicação do pensamento crítico. Trata-se da habilidade de avaliar corretamente os argumentos elaborados por outras pessoas e, ao mesmo tempo, construir argumentos próprios sólidos. Isso exige o desenvolvimento e a aplicação de determinadas atitudes e habilidades, tais como a constante curiosidade intelectual e o questionamento, o pensamento lógico, a capacidade de realizar conexões entre assuntos diferentes e a capacidade de reconhecer as falácias, que são raciocínios errados que aparentam ser verdadeiros.
Também é necessário fugir de algumas armadilhas do pensamento que são reforçadas pelas características do mundo PSIC: a falta de humildade intelectual; a tentação de buscar as respostas no senso comum; o maniqueísmo; o viés de confirmação, que é a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses preexistentes; e o sociocentrismo, que é a atitude de um grupo que pressupõe sua superioridade sobre os demais e examina acontecimentos e conceitos unicamente a partir de sua própria perspectiva.
Em síntese, a questão que se apresenta é a de se armar com as ferramentas intelectuais necessárias para enfrentar o desafio de compreender a formação de nossas próprias convicções. Isso exige estudo constante, abertura a novas ideias e método, sem nunca prescindir ou substituir os valores basilares da Força Terrestre, pelo contrário, reforçá-los, uma vez que os tornam ainda mais claros e relevantes para o atingimento dos objetivos da Instituição.
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