Uma reportagem do jornal Estado de São Paulo, datada de 27 de março de 2025, afirma que a exploração de petróleo na Margem Equatorial atrairia US$ 56 bilhões em investimentos, com a possível arrecadação governamental de US$ 200 bilhões e a geração de 300 mil empregos. O Brasil e seus estados em todos os campos do poder estão preparados para aproveitar esse cavalo encilhado?
As nações vivem na atualidade uma série de incertezas. Vai ocorrer alguma mudança na atual ordem liberal? O sistema internacional vai sofrer algum abalo e os países vão procurar voltar-se a um realismo que desde o fim da 2ª Guerra Mundial rondava as relações internacionais mais em segundo plano? O fenômeno da globalização será impactado por conta de um possível aumento do protecionismo?
No breve parágrafo introdutório supracitado, apresentamos três variáveis essenciais que podem afetar a atual situação do ambiente internacional, quais sejam: mudança na ordem liberal; declínio do paradigma idealista; e, aumento do protecionismo. As três variáveis, acrescidas de outras como mudanças de governo, situação econômica, problemas no campo psicossocial, entre outras, são grandes incertezas que nos afligem diariamente e nos preocupam com justa razão.
O cidadão ordinário vai comprar um carro ou arriscar um financiamento de um imóvel com todas essas incertezas que por vezes geram um sentimento de medo do futuro? Aumentar a família? Mudar de emprego? Eis que estamos falando do homem comum. E quanto aos governos? Investir na construção de uma ferrovia facilitando a logística de transporte de alimentos e minérios ou promover um programa social num país onde ainda existe uma considerável parcela da população vivendo em condição de pobreza?
O fato é que diariamente somos colocados como nação e como indivíduos numa bifurcação onde temos que tomar uma decisão. A finalidade deste ensaio é apresentar a metodologia de planejamento por cenários de modo a permitir que o leitor compreenda que existe uma maneira de visualizar uma “memória de futuro” e, a partir dessa memória, traçar estratégias para estar preparado.
O planejamento por cenários está ligado à prospectiva, que nos países anglófonos se entende por foresight. Os primeiros estudos prospectivos remontam aos trabalhos da Think Tank RAND Corporation, logo após a 2ª Guerra Mundial, com a finalidade de congregar pesquisadores notáveis e realizar estudos de longo prazo para apoiar os EUA durante os anos da Guerra Fria. Posteriormente, nos anos 70, a SHELL utilizou a técnica de cenários para proteger-se face aos desafios surgidos na indústria do petróleo. Do sucesso da SHELL, surgiram métodos, como o de Peter Schwartz, que se tornaram consagrados e que são amplamente utilizados por nações, organizações governamentais e grandes corporações empresariais.
Cabe realizar uma importante diferenciação: a prospectiva é diferente da predição. A predição projeta o conhecimento de hoje ao futuro, obtendo pequenas variações. A prospectiva analisa as incertezas e os atores envolvidos no ambiente e produz cenários distintos, com a finalidade de produzir memórias de futuro. Essas “pré-visões” em forma de cenário ajudam o decisor a entender uma possibilidade de futuro e, assim, levar em consideração os atores e as variáveis, e as relações entre eles, de forma que seus assessores possam construir estratégias para fazer face aos desafios advindos dos cenários visualizados.
É interessante notar que a palavra “cenário”, na prospectiva, é usada justamente por sua similaridade com a “commedia dell’arte” do teatro, onde numa cena, os atores interagem ante aos acontecimentos, seguindo um comportamento num determinado espaço de tempo. Isto posto, os cenários devem ter um objetivo de cenarização, um horizonte temporal e um lugar. Compõem um cenário: título, filosofia, variáveis, atores, cenas e trajetórias.
O autor aqui já mencionado, Peter Schwartz, desenvolveu o método GBN (Global Business Network – da sua empresa), cuja principal característica é produzir quatro cenários a partir das variáveis mais incertas e importantes, de modo que cada cenário, com sua filosofia, conduzirá o comportamento das variáveis e dos atores.
No final dos anos 90, a professora Elaine Marcial, importante prospectivista brasileira, produziu, com sua equipe, cenários para o famigerado “Bug do Milênio” de modo a orientar os bancos quanto às possibilidades do problema dos dígitos nos computadores na virada do milênio. Muitos divulgadores do apocalipse semearam o caos mundialmente por conta da possibilidade de falha nos sistemas. Por isso, justamente a equipe da professora elencou as variáveis do campo informacional, junto à falha dos sistemas propriamente ditos, como as mais importantes e incertas. Dessa forma, utilizando o Método GBN, foi possível convencer os decisores de que algum dos cenários poderia acontecer e com as informações de atores e variáveis, atuar para impedir um cenário indesejado e conduzir para uma situação desejada.
Do exemplo supracitado, podemos verificar que a exploração do futuro utilizando cenários não se limita aos planejamentos de longo prazo, mas também ao médio e ao curto prazo. De fato, a atividade de inteligência em todos os níveis também se vale da prospectiva para produzir os documentos de estimativa. Além disso, documentos norteadores da Defesa Nacional como a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa, bem como o novo Conceito Operacional do Exército são baseados em cenários.
Por conseguinte, voltando à pergunta do primeiro parágrafo deste texto, não sabemos se o Brasil está preparado para o que pode advir da exploração de petróleo da Margem Equatorial. Sabemos que temos a tecnologia e a capacidade para tal, em todos os aspectos. Mas vamos aproveitar o grande afluxo de capital em prol da promoção do bem comum?
Apenas citamos este caso da indústria petrolífera para exemplificar a importância de visualizar o futuro. Sabemos que o Brasil enfrenta inúmeros desafios e que o estado final desejado de todo brasileiro deve ser querer o melhor para o País. Se é isso que queremos, a prospectiva nos oferece as ferramentas para, estudando os atores envolvidos, as variáveis e todos os outros componentes de um cenário, entendermos o contexto e traçarmos estratégias.
Por fim, o país ou a organização que deseja sobreviver nesse mundo de incertezas precisa se preparar para os desafios de um mundo cada vez mais complexo, onde a informação de hoje tem vida efêmera, no entanto, tem o poder de desorganizar o trabalho de anos. O planejamento por cenários, baseado na prospectiva/foresight, é a ferramenta ideal para explorar possíveis futuros de modo a permitir a preparação de planos para os problemas e situações vindouras.
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