A Liderança Estratégica ante os Desafios do Mundo PSIC

Autores: Gen Ex Richard Fernandez Nunes
Terça, 19 Setembro 2023
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Em artigos anteriores, procurei caracterizar o ambiente informacional da atualidade por meio do acrônimo PSIC (precipitado, superficial, imediatista, conturbado), apreciando seus reflexos para a comunicação estratégica do Exército 1 e para a ética militar 2. Neste trabalho, volto a abordar esse tema do Mundo PSIC, agora, sob o enfoque da liderança estratégica.

Com efeito, se essas características PSIC devem merecer atenção no planejamento e na execução da comunicação do Exército, bem como suscitar reflexões de caráter ético-profissional, é natural que o exercício da liderança militar também possa sofrer consequências desse fenômeno. Comunicação, ética e liderança são abordagens indissociáveis, ainda mais nestes tempos de profundas mudanças nas relações sociais, provocadas pelos avanços que temos observado na tecnologia da informação.

O exercício da liderança militar, em qualquer nível, pressupõe coragem e integridade de caráter plenamente reconhecidas. Quando se emprega a liderança direta, é possível mais facilmente superar óbices à percepção desses pressupostos, uma vez que a comunicação é menos suscetível a ruídos e manipulações. A força do exemplo se faz mais presente. Entretanto, quando lidamos com o nível estratégico, há variáveis mais difíceis de se controlar, o ambiente é mais complexo, e o distanciamento físico amplia o desafio de se influenciar comportamentos e direcionar esforços para a conquista de objetivos institucionais. O caráter digital e virtual do ambiente informacional PSIC potencializa as limitações da liderança indireta.

Historicamente, os meios de comunicação de massa vinham se consolidando segundo uma lógica socioeconômica top-down. Foi assim com a mídia impressa, com o rádio, com a televisão – aberta e por assinatura –, e com a rede mundial de computadores. Entretanto, quando a telefonia celular e a internet se combinaram em smartphones, de aquisição amplamente disseminada, essa lógica deixou de prevalecer, uma vez que pessoas dos mais diversos estratos sociais passaram a desfrutar simultaneamente dessa ferramenta de produção e de difusão instantânea de conteúdos e mensagens. Esse fenômeno é de extrema relevância para a compreensão dos desafios enfrentados pela liderança estratégica, particularmente em uma Instituição de Estado, que tem na hierarquia um de seus alicerces.

Qualquer que seja a abordagem adotada acerca da temática da liderança, é inquestionável que o conhecimento exerce papel primordial. O exercício da liderança, de modo geral, requer competências que proporcionem correta análise do ambiente considerado e adequada visão dos caminhos a seguir. No nível estratégico, mais incerto e complexo, a obtenção de razoável consciência situacional constitui requisito ainda mais crítico para o êxito.

Em meio a um acúmulo exponencial de informações, veiculadas por intermédio de uma incontrolável massa de mídias, a questão que se impõe é separar o essencial do supérfluo, o significativo do irrelevante e o autêntico do falso ou distorcido. E essa tarefa é extremamente desafiadora, pois ao líder não é mais proporcionado tempo suficiente para a necessária reflexão, para ser proativo em vez de reativo, para elaborar a estratégia de comunicação adequada. A instantaneidade, a rapidez e o volume de dados disponibilizados no ambiente informacional escapam à lógica hierárquica e acarretam para a liderança um ciclo frenético de interpretação de dados e de tomada de decisões, de modo a que seja exercida com acerto e oportunidade.

Para isso, é necessário identificar e contornar as armadilhas do Mundo PSIC.

A precipitação conspira contra o senso de oportunidade. Sendo o tempo um dos fatores da decisão, há que se resistir a conclusões antecipadas, devido à disseminação indiscriminada da informação a níveis que não tenham competência funcional para realizar adequada análise da situação. O impulso de rapidamente se livrar de um problema ou atender ao clamor de bolhas midiáticas pode acarretar sérios prejuízos ao processo decisório. O líder estratégico precisa enfrentar com serenidade a tendência atual de agir apressadamente e preservar a capacidade de controlar os anseios daqueles a quem deve conduzir. Deve sempre se valer do ESAON3. Navegar, ou seja, percorrer o caminho selecionado não pode ser um ato impensado. Deve ser o coroamento de todo um processo consciente, pautado pela ponderação e pelo equilíbrio.

A superficialidade impede a obtenção do grau de conhecimento requerido para se analisar uma situação e se chegar à melhor decisão. A consciência situacional plena requer estudo abalizado. Não há como equacionar problemas complexos, como costumam ser os de nível estratégico, com informações insuficientes ou incompletas. Simplicidade é princípio de guerra. Permite descomplicar a solução, particularmente devido ao modo de se comunicar o que precisa ser feito. Simplismo, ao contrário, revela carência de fundamentos, sem levar em consideração aspectos essenciais à compreensão do ambiente. O líder precisa conhecer em profundidade a realidade a enfrentar, cercando-se de assessores zelosos, e não de meros repetidores de ideias e opiniões de “especialistas” e influencers, encontradas em profusão nas plataformas digitais.

O imediatismo obscurece a visão de futuro, uma das componentes primordiais da liderança estratégica. As decisões de caráter estratégico exigem mais persistência no tempo e mais abrangência no espaço. Vantagens momentâneas raramente são sustentáveis, tampouco atendem a todos os aspectos envolvidos na análise da questão. Tendências de longo prazo devem sobrepujar percepções passageiras. É necessário semear para que se possa colher. E isso requer desprendimento, paciência e compreensão histórica. O líder estratégico precisa fazer escolhas que nem sempre lhe permitirão desfrutar dos resultados em curto prazo, mas a responsabilidade e o compromisso com as gerações vindouras impõem a humildade de preparar o terreno para que outros eventualmente colham os louros.

A conturbação afeta a capacidade que se requer de um líder de conciliar múltiplos e diversos interesses na busca de um propósito comum. A polarização da sociedade, os posicionamentos radicais, o desprezo pelo diálogo e a cultura do cancelamento e linchamento nas redes virtuais têm causado sérias restrições ao exercício da liderança. No meio militar, esse tipo de comportamento atenta contra a hierarquia e a disciplina e compromete a coesão. Ambientes conturbados geram círculos viciosos de preconceitos, ofensas e retaliações, que subtraem energia e desviam o foco dos legítimos anseios coletivos e dos objetivos estratégicos a serem alcançados. A liderança estratégica demanda resiliência para sobrepujar essas questões limitadas e dispersivas. 

Como se pode observar, o exercício da liderança estratégica tem sido confrontado por características próprias do ambiente informacional altamente digitalizado da atualidade, que tenho identificado como Mundo PSIC. Assim como sugerido nos trabalhos anteriores, é necessário compreender essa questão a fim de se encontrar as respostas mais adequadas ao desafio que representa.

De modo conclusivo, identifico na trilogia liderança estratégica – ética militar – comunicação estratégica o arcabouço mais indicado para se analisar o ambiente informacional de nossos dias e melhor compreender a realidade em que estamos inseridos, a fim de que se possam encontrar soluções integradas, alinhadas e sincronizadas para o amplo espectro de atuação do Exército, em face da relevância, da complexidade e da variedade das missões que lhe são atribuídas pela Nação Brasileira.

 

1 O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento

2 O Mundo PSIC e a Ética Militar, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-psic-e-a-etica-militar.html

3 Acrônimo usual no Exército para Estacione, Sente-se, Alimente-se, Oriente-se e Navegue. Trata-se de um procedimento de sobrevivência que visa a retomada da consciência da situação e da capacidade de decidir de modo a prosseguir na missão.

Comentarios

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A grande preocupação que tenho é em relação a soberania do país parem por favor em acreditar em contos o que existe mesmo é nacionalismo e mentira liberal,nação nenhuma sobrevive sem estado e autonomia,nacionalismo é fundamental porém no caso do Brasil deve ser com os Bricks e ancorado na vontade popular porém sem cair em tolices como a já inernacionalizada Amazônia do qual o exercito deve ocupar e nacionalizar novamente.
Liderança Estratégica, Ética Militar e Comunicação Estratégica, componentes indissociáveis. Pátria!!!
O General Richard é um brilhante oficial do Exército e um dos mais valorizados pensadores da Força Terrestre !
A Liderança Estratégica é um grande desafio para a manutenção da disciplina e coesão da Força Terrestre. Nos últimos anos altamente potencializado pela força e grande capilaridade proporcionada pela Internet. Uma equação complexa com muitas variáveis. Um obstáculo difícil, mas que será transposto. O Exército é forte!
Se há uma instituição que reúne condições de enfrentar essa sorte de desafios, essa é, sem dúvida, o invicto Exército de Caxias.
Muito obrigado.
Brasil!!!
Excelentes reflexões, em nada surpreendentes dadas as suas origens no General Richard e certamente em suas experiências de vida, que o conduziram ao elevado patamar da sabedoria. General, permita-me explicar, de forma rasa, o acrônimo PSIC, com aforismos populares. Fica assim: Precipitação: Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Superficialidade: Saco vazio não para em pé. Imediatismo: O apressado come cru e a pressa é inimiga da perfeição. Conturbação: Adversidades são grandes oportunidades.
Muito bom texto, em especial pelo vínculo que entrelaça comunicação, ética e liderança! Agradecemos esta oportunidade de conhecer melhor aspectos do pensamento estratégico do Exército, fundamental para um pensamento político que seja verdadeiramente nacional e soberano.
Meu objetivo é esse mesmo: provocar reflexões. Muito obrigado!
Muito obrigado. Pensamento estratégico nacional e soberano é um dos principais desafios que temos pela frente.
Excelente meu prezado amigo Gen Richard. Concordo plenamente com o conteúdo do artigo
Muito obrigado, caro amigo.
Muito obrigado, meu caro amigo.
Selva!
Conteúdo extremamente pertinente e aplicável, inclusive, nas Escolas de Formação. Como instrutor, lendo o conteúdo do artigo, me percebi "rendido" pelos conflitos da geração de jovens que formamos. Agora é momento de revisar alguns procedimentos e aperfeiçoar a conduta. Brasil acima de tudo! Obrigado, General!
Excelentes e prestimosas considerações. Prossigamos na missão.
Excelente !!!
A ética é muito importante e não é uma palavra vazia. Para ser líder militar (liderança militar) de verdade é necessário ter, antes de tudo, ética (ética militar), sendo que sua comunicação não deve ser apenas uma construção de narrativa sem fundamento na verdade. A comunicação estratégica não pode prescindir da verdade.
Excelente reflexão.
BRASIL!

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