Um diamante já é um diamante, pode ser uma pedra bruta, é verdade, mas na sua essência é uma pedra valiosa precisando apenas ser lapidada. Assim também é o soldado, um homem, jovem é verdade, mas essencialmente homem e como tal precisa ser humanizado em infinito processo de adaptação e readaptação de sua condição humana.
Em 1987, recém-formado 3° Sargento, essa era a metáfora que utilizava na tentativa de compartilhar com meus superiores, pares e subordinados a impressão que eu tinha a respeito do jovem cidadão que todos os anos chega às diversas Organizações Militares (OM). A angústia que eu carregava estava diretamente relacionada à questão da demasiada tutela que se exercia e se pressupunha esse jovem precisar, quando, sob a minha ótica, o que o soldado buscava era justamente a autonomia.
Ao verbalizar essa percepção, tentava reafirmar aos meus interlocutores que o trabalho a ser realizado era criar as condições necessárias para que esses homens atingissem o mais alto nível de comprometimento, com a mais significativa das aprendizagens que receberiam ao longo da formação militar, a autodisciplina, porque entendia ser a partir dessa condição que os demais valores ensinados na caserna iriam prosperar em todas as etapas de suas vidas e não apenas no período de prestação do serviço militar. Não se tratava, pois, de tutelar “crianças” chegadas ao quartel, nossa missão era a “lapidação humana” tornando-os inquebrantáveis e valorosos perante os desafios de uma sociedade, também, em constante transformação.
É esse o ponto de inflexão onde entra a ação do comandante-líder contemporâneo – em todo e qualquer nível – valendo-se do conhecimento técnico (Hard Skills) e das habilidades comportamentais (Soft Skills) previamente experimentadas, mediar, tanto a capacitação profissional específica do fazer diário do soldado (preparar-se para a guerra) quanto o desenvolvimento de habilidades psicossociais próprias aos homens de bem (preparar-se para servir incondicionalmente sua sociedade em tempo de paz), ao passo que cria um ambiente organizacional, onde a qualidade de vida seja um dos principais fatores que motiva o liderado levantar todas as manhãs predisposto a agregar valor ao desempenho da equipe (Pelotão, Companhia, Batalhão, etc).
“O comandante é o espelho da tropa”, preconiza o antigo ditado que se aprende, desde o primeiro momento em que se ingressa na Força, porém, para que esse discurso não morra de velhice sem tornar-se sábio, é necessário que o comandante se reconheça líder, antes, refletido no mesmo espelho! Diz-se que Sun Tzu, em a Arte da Guerra, deixou um legado perene aos líderes, independentemente do respectivo escalão em que opera, o de que o “rei” não devesse amar palavras vazias, isto é, referindo-se à incapacidade de juntar gestos a palavras. Trazendo esse ensinamento milenar para os nossos dias, é mister recordar que o líder militar contemporâneo também precisa aglutinar o que diz ao que faz, porque somente a coerência firme entre esses dois polos poderá promover o exemplo a ser seguido, o “farol” para o liderado mesmo após retornar ao seio da sociedade civil de onde saíra.
A lógica militar formativa está calcada na perspectiva da progressão contínua da liderança, onde alguns atributos inerentes a essa lógica são evidenciados e outros introjetados de forma a detectar e/ou preparar líderes que buscarão incessantemente formar novos líderes, não apenas destinados ao exercício da práxis castrense, mas, para além disso, colocar à disposição da sociedade homens capazes de liderar outros homens que nem sempre terão valores ou ideias semelhantes as suas. Sem embargo, sendo o Exército Brasileiro uma instituição secular cuja essência é focada na preparação de recursos humanos para a defesa da Pátria (mobilização), é razoável esperar que a preocupação com o desenvolvimento das chamadas Soft Skills tão necessárias à liderança contemporânea, faça parte do currículo básico em todos os níveis da formação militar.
Certamente, por isso é que no Programa-Padrão de Instrução Individual Básica (EB70-PP-11.011), da formação mais elementar dentre todas as que ocorrem na Força traz em seu bojo os chamados Atributos da Área Afetiva (AAA) que contemplam uma lista de particularidades comportamentais que devem ser estimuladas e observadas pelos instrutores em relação aos instruendos. Nesse caso, o documento preconiza, no mínimo, nove comportamentos atitudinais que podem muito bem ser conceituados como Soft Skills (cooperação, autoconfiança, persistência, iniciativa, coragem, responsabilidade, disciplina, equilíbrio emocional e entusiasmo profissional), porém, não se trata apenas de exercer o binômio estímulo-observação por parte dos líderes, senão de servirem, eles mesmos, enquanto líderes, de exemplo real (praticantes) para inspirar nos liderados a internalização psicofísica desses atributos que carregarão para a vida toda.
É nesse contexto que o líder militar contemporâneo precisará cada vez mais incorporar outros estilos de liderança que possam ampliar sua visão de homem, mundo e sociedade, sendo um deles o de liderança ambidestra. Por evidente, o objetivo nessa oportunidade não é discorrer sobre a liderança ambidestra que, diga-se de passagem, tem sido muito mais empregada no contexto da liderança empresarial do que propriamente no universo da liderança militar, todavia, seus princípios norteadores podem servir de suporte para o desenvolvimento de novas habilidades alinhadas aos requisitos do gestor moderno, proporcionando uma práxis inovativa conjugada com o foco no futuro, aliás, um desafio diretamente afeto ao líder militar de hoje, posto que deseja formar outros líderes que deverão atuar no futuro se assim a Pátria exigir.
De qualquer modo, como não há neutralidade em nenhum discurso, o que se pretende aqui é instigar os líderes militares contemporâneos a buscarem novos conhecimentos que agreguem valores exógenos ao ecossistema castrense ao qual estão habituados, na intenção de poderem aumentar seus portfólios pessoais de Soft Skills, tais como: comunicação eficaz, pensamento crítico e criativo, escuta ativa, empatia, etc, de forma a equilibrá-las contínua e constantemente com as habilidades técnicas desenvolvidas durante o fluxo de carreira. Ademais, embora as estruturas militares disponham de regras claras quanto ao seu ethos de sustentação corporativo, faz-se necessário perceber que a Soft Skill flexibilidade vem ganhando primazia na maneira de proceder dos líderes proeminentes, subsumida sempre que visualizam o propósito legítimo imposto pelas circunstâncias.
Por fim, e a título de estimular o leitor a prosseguir na pesquisa sobre a temática ora apresentada, bem como corroborar com o perene preparo dos líderes militares, em especial, expõe-se o quadro abaixo que, à primeira vista, pode parecer a tipificação simplificada e arbitrária (Antunes, 2020, p.8)1 do contraste entre Hard Skills e Soft Skills, mas utilizada como pano de fundo auxilia a esclarecer o porquê de suas validades complementares ao novo ideário de formação dos líderes militares contemporâneos:
Fig.1
Adicionalmente, acredita-se que essa comparação pode servir como indicativo que conduza a uma reflexão assertiva sobre a prevalência do equilíbrio que deva existir entre o que vem balizando a práxis da liderança tradicional ao longo do tempo e o que precisa ser aglutinado positivamente ao fazer diário do formador de futuros líderes militares.
Leia, reflita, comente!
Acta non verba.
1 ANTUNES, Lucineide. Soft Skills. São Paulo, SP: Literare Books International, 2020.
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