A Legião Estrangeira: “marche ou morra!”

Autores: Maj Paulo Rafael Ferreira Bastos
Quarta, 12 Outubro 2022
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Presente em destacados conflitos internacionais desde o século XIX, a Legião Estrangeira, força militar francesa formada basicamente por combatentes contratados, carrega, há quase dois séculos de existência, um dos mais emblemáticos lemas: marche ou crève (marche ou morra).

Criada em 1831, a Legião Estrangeira francesa era composta basicamente por soldados de exércitos dissolvidos e imigrantes marginalizados, os quais foram empregados, pela primeira vez, de modo efetivo, na conquista da Argélia para desonerar o exército regular e  reduzir o derramamento de sangue francês durante a expansão do seu império colonial.

Não obstante sua participação em importantes guerras como a da Crimeia contra os russos (1853-1856) e a Franco-Prussiana (1870-1871), a Legião era reconhecidamente uma tropa ainda sem coesão, atuando em condições precárias que acarretavam frequentes baixas em suas fileiras.

Com o intuito de empregar a Legião de modo mais efetivo, a partir do século passado, o Exército Francês passou a se dedicar à formação e ao preparo dos legionários, transformando-os em uma tropa regular e profissional, estruturada e equipada aos moldes das demais Forças Armadas. Essa mudança pôde ser percebida, principalmente, a partir da 2ª Guerra Mundial, ocasião em que os legionários combateram em reforço às tropas francesas no norte da África.

Na segunda metade do século XX, os legionários estiveram presentes em intervenções no Zaire e no Chade, na África, além de terem participado como Força de Paz no Líbano e atuado na Guerra do Golfo. Atualmente, estão presentes em missões de segurança e em zonas de conflito no Oriente Médio e na África Central.

A Legião Estrangeira possui um efetivo de aproximadamente oito mil combatentes, oriundos de mais de cem países, vinculados a um contrato inicial de cinco anos. Nos primeiros anos, os legionários são submetidos a restrições de direitos como o de adquirirem determinados bens ou de constituírem família. Com o passar dos anos, podem ascender a graduações ou ao posto de oficial a titre étranger (a título estrangeiro), por desempenho profissional, podendo estender seu tempo de serviço por intermédio de contratos sucessivos.

O recrutamento de candidatos é realizado ininterruptamente todos os dias do ano. Por questões de controle, busca-se estabelecer o equilíbrio quantitativo em relação à nacionalidade dos legionários, já que os estrangeiros vindos de lugares, como a região dos Bálcãs, o Leste europeu, a Ásia ou a América do Sul, incorporaram o lema Legio Patria Nostra (A Legião é nossa Pátria), havendo a possibilidade da concessão da cidadania francesa por tempo de serviço ou em casos de ferimento em combate.

Os voluntários, via de regra, são motivados pela busca de uma vida nova ou por ambições financeiras, sendo geralmente homens com idade entre 18 e 40 anos. Ainda que não falem francês e não tenham experiência militar, esses candidatos são recrutados em unidades como o 1º Regimento Estrangeiro (1º RE) em Aubagne, ao sul do país, ou o Fort Nogent, na Capital.

O processo de seleção é composto por testes físicos, exames médicos, teste psicotécnico e entrevista em que se busca excluir possíveis criminosos procurados pela Interpol. Delitos menores podem ser relevados mediante a avaliação de uma comissão de oficiais, que assegura aos selecionados o direito ao anonimato e a uma nova identidade. Após a seleção inicial, começa a formação básica, com duração média de 16 semanas, no 1º RE. Finalizada a formação, mediante escolha por classificação meritória, o legionário é designado para uma das unidades, dentro ou fora da França.

Organizada basicamente em Regimentos de Infantaria, Cavalaria, Engenharia e Logística, a Legião possui tropas especializadas em operações no deserto, paraquedismo, operações na selva, mergulho, combate urbano, montanhismo, dentre outras.

Além do 1º RE, na França, pode-se destacar o 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas (2º REP), localizado na ilha mediterrânea de Córsega, que é uma unidade famosa pela participação em combates históricos e pela capacidade de pronto emprego. Ressalta-se, também, já na fronteira com o Brasil, o 3º Regimento Estrangeiro de Infantaria (3º REI), localizado na Guiana Francesa. Essa unidade especializada em operações na selva é também encarregada da segurança do Centro Espacial Europeu naquele país.

Reconhecendo a excelência da formação do combatente de selva brasileiro, é comum oficiais legionários candidatarem-se ao Curso de Operações na Selva do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus (AM), ao assumirem o comando de subunidades do 3º REI. O objetivo desses legionários é agregar ao currículo, além da capacitação técnica em ambiente de selva, o prestígio profissional pela conclusão do referido curso no Brasil, mantendo um canal para a troca de experiências doutrinárias entre o CIGS e o Centre d’Entraînement en Forêt Équatoriale (CEFE - Centro de Treinamento da Floresta Equatorial), que é a base de instrução que forma os combatentes de selva franceses.

Ainda que ao longo do tempo a Legião tenha se tornado uma tropa multiespecializada e profissional, estima-se que dezenas de milhares de legionários já morreram defendendo os interesses franceses ao redor do mundo, na maioria das vezes, alheios às motivações que os levaram àquele conflito. Dado o rigor de sua formação e o seu efetivo emprego em conflitos armados ao longo da história, os legionários ou “boinas verdes” conquistaram o respeito do país ao pouparem o sangue francês em guerras e por fomentarem a admiração de milhares de jovens de diversas nacionalidades que sonham em mudar sua realidade ao conseguirem fazer parte desse grupo.

Considerando toda a mística que a envolve, e até mesmo as controvérsias acerca do seu passado, é improvável manter-se indiferente à história dessa legião de profissionais da guerra, muitos sem passado e sem nome, majoritariamente sem vínculo cultural ou idiomático entre si, formando atualmente uma corporação reputada por demonstrações de coragem e pelo culto à lealdade e à tradição, que evoca uma célebre passagem que remete a seus soldados: Estrangeiros que se tornaram a canção da França, não pelo sangue que herdaram, mas pelo sangue que deram.

Comentarios

Comentarios
Muito bem explicado este post. Minha continência respeitosa major.
O lema da Legião é Legio Patria Nostra, como o autor bem informa. A dura frase "marcha ou morre" (no imperativo fica melhor) foi dita aos legionários pelo general Duquesne durante a conquista de Madagascar no final do século XIX e insere-se nas tradições da Legião, como outras, a exemplo de "vocês, legionários, são soldados para morrer, e eu vos mando para onde se morre", do general de Negrier proferida na Indochina em 1884.
Os Lemas e o culto às tradições foram fundamentais para a reformulação da Legião Estrangeira como uma tropa profissional. Interessante é que mesmo incorporando o "Legio Patria Nostra", ainda assim, o Legionário não é obrigado a combater forças do seu País de origem.
Obrigado pelo comentário camarada!
Excelente tema Maj! Bacana essa troca de experiências entre CIGS e CEFE. Algum militar do Exército Brasileiro realizou o curso da CEFE?
Sim, em torno de 15 militares brasileiros, entre oficiais e sargentos, concluíram o CURSO DE CHEF DE SECTION JUNGLE, realizado no CEFE, na Guiana Francesa. Obrigado pelo comentário!
selva
uma coisa que me chama a atenção são os métodos de treinamento da LE. pelo pouco que li, a LE usa métodos intuitivos e instintivos para instruir a tropa. os oficiais e sargentos não se preocupam que o recruta fale francês, desde que saiba atirar com o fuzil... o EB deveria estudar esse método.
O idioma francês realmente não é fundamental para ser admitido como soldado na Legião Estrangeira Francesa. Contudo, conseguir se comunicar no idioma certamente facilita a adaptação durante a formação e o desempenho nas atividades futuras durante o tempo de serviço. Além disso, saber o idioma francês (o que ocorre naturalmente com o passar do tempo) é fundamental para a possibilidade de ascensão a graduações subsequentes. Obrigado pelo comentário!
Selva!
Eu quero fazer parte da legião!!
Incrível as informações, queria saber se membros do BOPE podem fazer parte da legião estrangeira,maj!
Existe algum centro de recrutamento aqui no Brasil se não como eu faço pra me alistar na legião eu vou precisar ir a outro país

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