A invasão das Missões Brasileiras (1828)

Autor: Coronel Luciano Hickert

Quarta, 29 Maio 2024
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Muito se estuda acerca dos diversos tratados assinados por Portugal e Espanha, que colocavam a área Ocidental do atual estado do Rio Grande do Sul sob domínio, hora de uma, hora de outra metrópole. Contudo, muito pouco se pesquisa acerca da invasão ao território brasileiro, após a independência dos dois países, quando argentinos e uruguaios de diferentes províncias avançaram em terras já brasileiras.
Durante a Guerra da Cisplatina, o governo de Buenos Aires sustentou uma invasão aos territórios brasileiros para anexar a região que conforma, hoje, a República do Uruguai. Aquela nova Nação, defrontou-se com o Exército Imperial em combates na região da campanha gaúcha (desde Jaguarão até Santana do Livramento), e apoiou uma ação militar secundária, liderada por Dom Fructuoso Rivera, à frente do "Ejército del Norte" contra o Império do Brasil.
Após reunir tropas na Banda Oriental (Uruguai) e meios nas províncias de Santa Fé e Entre Rios,  o General Rivera invadiu o território brasileiro com cerca de 140 homens, em 21 abril de 1828.
Chegou às margens do rio Ibicuí, transpondo o obstáculo, a nado na direção Norte, pegando de surpresa um pelotão de Guardas Imperiais que, após o combate, foram neutralizados. Seguiu até o alto rio Uruguai, dividindo sua força em três direções: São Borja, São Francisco de Assis e  São Martinho da Serra. Com o progresso da conquista, as tropas invasoras passaram a fortalecer-se, chegando a atingir mais de 1 mil homens, composta de muitos desertores portugueses e indígenas.
As tropas imperiais que guarneciam a área estavam reduzidas, pois o principal regimento, o 25° RC, havia sido transferido para Jaguarão e Bagé, área onde ocorriam os principais embates. O governador das missões à época, Cel Alencastre, foi obrigado a fugir, sendo perseguido até Cruz Alta, tendo toda sua bagagem aprisionada onde hoje se localiza a cidade de Santa Maria (RS).
A liderança de Rivera, com seu estilo populista, conquistou grande apoio da população indígena e local. Fortalecendo seu poder caudilho, capitalizando apoios junto a Buenos Aires e demais províncias, neutralizando a resistência brasileira, logrou evitar combates diretos, negociando com todas as partes e sendo muito hábil politicamente.
Os maiores inimigos de Rivera sempre foram as lideranças republicanas, como Oribe e Lavalleja, que o tinham como um aliado do Império Brasileiro e um perigo para os Cisplatinos. Por diversas vezes esteve em inferioridade militar mas evitou o embate, logrando evitar o combate direto com seus opositores, utilizando sua capacidade de negociar com autoridades. 
Durante o mês de maio, as três colunas de Rivera se movimentaram na área dos Sete Povos das Missões, sempre informando novas incorporações e sequestros de material bélico. Relatando seus feitos, o presidente Manuel Dorrego da Argentina, já não duvidando do patriotismo de Rivera, reforçou-o com armamento e pessoal. Dom Rivera montou seu quartel-general em Itaqui, permanecendo até fins de 1828, quando as negociações de paz entre argentinos e brasileiros chegaram a bom termo.
Por ocasião do final da guerra, foi definido que a área das Missões Jesuíticas à Leste do rio Uruguai se manteriam brasileiras. Vigorando o Tratado Preliminar de Paz celebrado em 27 de agosto de 1828, entre o Brasil e Argentina, Rivera se dirigiu a São Francisco de Assis atual, para ali escolher o gado existente nas estâncias do Império do Brasil. Decidiu dirigir-se ao Uruguai, agora a sua pátria, e não à Argentina, com as presas de guerra que havia feito nas Missões.
Coube a Dom Rivera empreender uma marcha para o Sul, negociando com as forças presentes a troca de prisioneiros e evitando mais mortes. Com as forças brasileiras, compôs o acordo de Irebe-Asubá, na região de Touro-Passo. 
Uma extensa coluna do “Exército do Norte", com quase 100 carretas, mais de 50 mil cabeças de gado, cerca de 6 mil indígenas e soldados, dirigiu-se para as terras entre o rio Quaraí e Irapeí, até então terras do Império. Nesse local, estabeleceram-se as forças de Rivera, a salvo dos adversários, já como uma nova força política da jovem nação que surgia, o Uruguai.
Sinos de igrejas, grandes quantidades de gado e outras riquezas das missões foram transferidas para regiões argentinas e uruguaias (em pagamento do apoio realizado). Áreas estas que estavam, desde 1820, em permanentes conflitos internos e assistiam lutas entre caudilhos locais, indígenas e os poderes do Rio de Janeiro e Buenos Aires. 
A invasão reforçou os laços de parentesco e as semelhanças entre os povos das barrancas do rio Uruguai, desenvolvendo também ódios e disputas que moldaram os gaúchos dos dois lados do afluente do rio, moldando a fala, vestimentas e costumes. 
Os problemas fronteiriços seguiram nas décadas seguintes, agravados pelo roubo de gado e pela ausência de forças estatais que garantissem estabilidade para a região. Cinco anos após a paz, iniciava a revolução Farroupilha, aumentando  a desordem e a porosidade da fronteira, em uma área longínqua e de história rica e complexa, um amálgama de culturas, que hoje é bem representada pelos gaúchos.


 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALDRICH, J. Amadeo. História de la Guerra del Brasil. Buenos Aires, La Harlem, 1905.
BENTO, Cláudio Moreira, GIORGIS, Luiz Ernani Caminha et FONTTES, Carlos. História da 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada– Brigada José Luiz Menna Barreto. Barra Mansa: Editora e Gráfica Irmãos Drumond, 2010.
GÓMEZ, Hernán F. Corrientes em la Guerra com Brasil. Corrientes, imprenta del Estado., 1928.
LEMOS, Juvencio Saldanha. A Saga do Prata. Rio de Janeiro. Bibliex 2015.
OSORIO, Fernando Luis. História do General Osório. Rio de Janeiro, Leuzinger e filhos. 1894.
PALOMEQUE, Alberto. El General Rivera y la campaña de Misiones (1828). Buenos Aires, Arturo E. Lopes, 1914.
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