A Geoinformação e o ensino nas escolas militares da linha bélica

Autor: Major Rodrigo Evangelista Delgado

Segunda, 19 Agosto 2024
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Historicamente, a execução de operações militares bem-sucedidas requer um amplo conhecimento do terreno e tem sido objeto de estudo de estrategistas e pensadores militares ao longo do tempo, desde Sun Tzu (500 a.C.): "Conheça o inimigo e a si mesmo e você obterá a vitória sem qualquer perigo; conheça o terreno e as condições da natureza, e você será sempre vitorioso" (Brasil, 2014).

A Geoinformação tem como proposta, no fator educação de sua doutrina, abordar dois aspectos para de fato ser uma aptidão que proporcione condições ao Exército Brasileiro (EB) em bem cumprir sua missão (Brasil, 2019). O primeiro aspecto é o trabalho clássico e contínuo de conhecer o terreno de forma adequada, enquanto o segundo é a necessidade de atualização de sua metodologia de ensino para acompanhar o dinamismo do contexto tecnológico.

O EB tem orgulho de seu sistema de ensino, que abrange escolas que vão desde a educação básica até os altos estudos militares, incluindo a formação e o aperfeiçoamento de seu pessoal. Esse sistema é um dos principais responsáveis pelo sucesso diante dos desafios enfrentados pela instituição. Diante disso, o Exército considera seu sistema de ensino como o principal vetor de adaptação a uma visão de futuro alinhada com a Era do Conhecimento (DECEx, 2022).

As escolas militares da linha de ensino bélico do EB são complementares entre si no ensino de Emprego Tático e, portanto, podem ser aproveitadas para desenvolver o conhecimento em Geoinformação. Enquanto a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e a Escola de Sargento das Armas (ESA) fornecem aos combatentes noções mais básicas sobre o emprego do terreno, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e a Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA) aprofundam e aprimoram o conhecimento no nível do emprego tático (ESAO, 2024).

Tradicionalmente, o ensino da Geoinformação nessas instituições ocorre focado em meios analógicos, de forma transversal e não estruturada como disciplina. Sob outra perspectiva, faz-se necessário capacitar os militares para utilizar a Geoinformação desde a sua formação. Inicialmente, a introdução de novas ferramentas digitais pode proporcionar um tempo maior, tanto de aprendizado supervisionado, quanto de aplicação do conhecimento de forma prática na tropa pelo recém-egresso. Essa expectativa se dá em virtude dos jovens ingressos pertencerem a gerações cada vez mais digitalizadas.

O ensino de Geoinformação em outros exércitos nacionais fornece um parâmetro relevante para comparação. A Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos da América, referência mundial em formação militar, possui o Departamento de Geografia e Engenharia Ambiental, que inclui o Programa de Ciência da Informação Geoespacial e uma equipe de instrutores dedicados a projetos em SIG. Na Espanha, a Academia Militar Geral possui em sua grade curricular uma cadeira comum e obrigatória para todas as especialidades voltada ao ensino de Informações Geográficas Digitais e Sensoriamento Remoto.

No Brasil, as escolas de formação e aperfeiçoamento na linha de ensino militar bélica estão cada vez mais integradas ao conhecimento de Geoinformação difundido pela Diretoria de Serviço Geográfico (DSG), de forma alinhada ao Departamento de Ensino e Cultura do Exército (DECEx). Recentemente, o DECEx iniciou um processo para inserção da Geoinformação em seus planos de disciplinas. Atualmente, cadeiras eletivas de Geoinformação, com expressiva demanda, são ministradas anualmente na AMAN e na EsAO. Em paralelo, o DECEx estuda implantar na Academia, já para 2026, cadeiras permanentes para os cadetes, garantindo que todos os oficiais ali formados tenham o mesmo nível de conhecimento no assunto. Além disso, outras iniciativas estão em estudo, indicando a possibilidade de capacitações para instrutores e palestras para alunos, também na ESA.

Além de normas técnicas voltadas ao mapeamento sistemático do território nacional, o Serviço Geográfico busca especificar e apresentar sua doutrina, conhecimentos teóricos e práticos no uso de Geoinformação por meio do Manual de Geoinformação e do Caderno de Instrução de Geoinformação (DCT, 2018). Para tanto, as capacitações realizadas descentralizadamente pelos Centros de Geoinformação (CGEO) no âmbito dos Comandos Militares permitem que a DSG promova o uso de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) voltados à elaboração, gestão e disseminação de Produtos Geoespaciais Básicos (PGB) alinhados ao contexto da Era da Informação.

No contexto desses sistemas, o Serviço Geográfico estabelece como prioridade o desenvolvimento de soluções próprias como plugins baseados no software de geoprocessamento multiplataforma, código aberto e altamente customizável QGIS (DCT, 2018). Concernente à disseminação da Geoinformação, a DSG busca a divulgação do Banco de Dados Geográficos do Exército (BDGEx), o sistema oficial de disseminação de seus produtos.

O uso dos recursos digitais permite ao combatente moderno planejar e conduzir exercícios e operações militares que envolvam o terreno de forma mais célere, automatizada e precisa, conferindo ganho de eficiência às suas missões. O aproveitamento de recursos digitais é uma imposição da Era do Conhecimento que não exclui, mas se sobrepõe à utilização de meios analógicos. A justaposição de calcos cede espaço para a utilização de camadas (layers) no SIG, que oferece inúmeras opções analíticas e uma melhor visualização das informações.

No que se refere à demanda da F Ter por conhecimento em Geoinformação, percebe-se que essa necessidade coaduna com o desenvolvimento do ensino por competências, centrado no aluno e implementado pelo DECEx nas escolas militares (DECEX, 2022). Diante desse cenário, a questão mais relevante é quando e de que forma a Geoinformação deve ser ensinada aos combatentes da instituição, visto que a disseminação da Geoinformação trata-se de uma ação estratégica vinculada ao conhecimento do terreno prevista no Planejamento Estratégico do Exército para o ciclo 2024–2027 (Brasil, 2023).

Por fim, os desafios atuais da Era do Conhecimento exigem uma adaptação da Doutrina Militar Terrestre, com foco no desenvolvimento de capacidades e competências. Essa evolução estimula uma transformação no ensino militar, sem que este perca sua consagrada essência e papel de destaque na promoção do EB. Dessa forma, no campo da Geoinformação, uma das metas do Serviço Geográfico é oportunizar, de forma cada vez mais alinhada com o DECEx, um homogêneo e padronizado ensino de conceitos e ferramentas de coleta, análise e visualização de informações do terreno, buscando ampliar capacidades atreladas à consciência situacional.


 

BRASIL. Exército Brasileiro. Departamento de Ciência e Tecnologia. Caderno de Instrução EB80-CI-72.001 Geoinformação. Brasília, DF, 1. ed. 2018.

BRASIL. Exército Brasileiro. Departamento de Educação e Cultura do Exército. Instruções Reguladoras do Ensino por Competências - IREC– EB60-IR-05.008. Brasília, DF, 4. ed. 2022.

BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha: EB20-MC-10.209: Geoinformação. Brasília, DF, 2. ed. 2014.

BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Manual de Fundamentos EB20-MF-10.102 Doutrina Militar Terrestre. Brasília, DF, 2. ed. 2019.

BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Planejamento Estratégico do Exército para o ciclo 2024–2027. Brasília, DF. 2023.

DECEX. Visão do DECEx, 2022. Disponível em: https://www.decex.eb.mil.br/missao. Acesso em: 13 de março de 2024.

ESAO. Missão da EsAO, 2024. Disponível em: https://www.esao.eb.mil.br/missao. Acesso em: 13 de março de 2024.

CATEGORIAS:
Educação

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