A emissão de ordens com base na intenção do comandante e na finalidade da missão

Autores: Gen Bda André Dias
Segunda, 08 Setembro 2025
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A efetividade no cumprimento das missões militares está fortemente relacionada à convergência existente entre a emissão de ordens e a sua correta compreensão. O papel do Exército Brasileiro, como parte integrante das Forças Armadas do País, assenta-se, prioritariamente, em colaborar para a manutenção da soberania nacional, da integridade territorial, da proteção da população e da salvaguarda dos interesses nacionais. Considerando as diferentes circunstâncias em que isso pode ocorrer, é fundamental estar atento aos prováveis cenários de atuação, bem como recordar alguns ensinamentos de Clausewitz sobre a natureza dos conflitos, ainda que de maneira sintética.

Para o pensador prussiano, a guerra é comparada a um “verdadeiro camaleão”, que se adaptando às circunstâncias do momento, jamais perde a essência. Assim, em qualquer situação, estarão presentes os elementos de sua “trindade paradoxal”. O primeiro deles, de caráter irracional, é “a violência, o ódio e a inimizade primordiais”, vistos como uma força natural cega que rege o comportamento dos contendores. O segundo, de viés racional, afirma que a política, percebida em seu sentido lato, condiciona tudo o que ocorre na guerra. O terceiro, consubstanciado “no jogo do acaso e da probabilidade”, dá contornos finais ao panorama, enfatizando o espírito criativo que cada oponente possui e o faz agir livremente, de acordo com sua própria vontade.

É nesse contexto imprevisível, fluido e complexo que as ordens serão emitidas e as missões, cumpridas. Então, como deve o líder proceder, para mitigar as naturais dificuldades inerentes à natureza da guerra? Como decidir e comandar ante essa desafiadora dinâmica, dissipando a “névoa do combate” e fazendo-se compreender pelos subordinados?

Uma resposta reluz de imediato, ao atentarmos para os ensinamentos históricos e dos conflitos modernos, bem como para as práticas adotadas pelos exércitos de referência no cenário mundial, com base em suas experiências pregressas e recentes. A transmissão de ordens por meio de diretrizes surge, desta feita, como uma opção bastante eficaz. Estruturada em dois fortes pilares – a intenção do comandante e o cumprimento de missões pela finalidade –, tem se apresentado como uma solução viável a esses questionamentos.

A intenção do comandante representa a expressão da finalidade da operação e do estado final desejado. É definida como aquilo que o comandante pretende alcançar com a operação. Assim, constitui o cerne da ordem, sendo elemento essencial para a execução consciente da missão. É também um fator decisivo em combate, pois orienta as ações dos subordinados mesmo diante de obstáculos imprevistos ou de mudanças no campo de batalha, fomentando o exercício da iniciativa responsável. Por sua vez, a finalidade da missão transcende a tarefa imediata, fornecendo o propósito mais amplo pelo qual determinada ação deve ser executada. Essa compreensão permite ao militar adaptar-se às alterações do ambiente operacional, mantendo o foco nos resultados a serem alcançados e não apenas nos meios disponíveis.

A emissão de ordens, com base na intenção e na finalidade, proporciona maior flexibilidade na execução das ações em todos os níveis. Exige treinamento constante, o uso de uma linguagem adequada a cada situação e uma resistência constante à tentação do microgerenciamento. Contempla os princípios da simplicidade e da objetividade, promovendo o desenvolvimento da iniciativa e do senso de responsabilidade. Reduz a necessidade de ordens complementares e contribui para a agilidade decisória, sendo fundamental para a otimização do tempo. Colabora diretamente para a manutenção da liberdade de ação em combate e consolida um modelo de descentralização controlada, no qual os subordinados detêm autonomia relativa para agir com foco no resultado. Fortalece, enfim, o engajamento, a capacidade adaptativa, a flexibilidade do raciocínio e o amadurecimento profissional.

A clareza na comunicação é fator indispensável. Ordens imprecisas ou ambíguas podem comprometer a credibilidade da autoridade que a emite, a unidade de esforço, a confiança e a fé na missão. Além disso, a autonomia excessiva, sem os devidos critérios de preparo e supervisão, levam fatalmente a decisões desalinhadas, comprometendo a coesão e a eficácia. A resistência à delegação de responsabilidades, reflexo de interpretações talvez equivocadas da arte de comandar, constitui um obstáculo relevante a ser superado.

A implementação dessa metodologia, portanto, não ocorrerá de forma automática ou isenta de riscos. Ela exigirá profundas mudanças na cultura organizacional, implicando maior tolerância ao erro, fortalecimento da confiança mútua e critério apurado na delegação da autoridade. Tais transformações requerem um treinamento desde o início da formação militar, seja de oficiais ou de praças. Devem ser desenvolvidas de forma gradual e praticadas diariamente, em todos os níveis de comando, desde o tempo de paz e em quaisquer circunstâncias. Dessa forma, entende-se que o uso dessa consagrada filosofia contribuirá para o desenvolvimento progressivo do senso de julgamento, discernimento e capacidade de decidir com rapidez e acerto, mesmo sob pressão e em situações adversas.

Por fim, cabe ressaltar que a emissão de ordens por diretrizes é totalmente aplicável no Exército Brasileiro. O conceito traz consigo outros fatores atrelados, que amalgamados entre si, formam um todo indivisível e sinérgico: o conhecimento e a confiança mútua; o autoaperfeiçoamento técnico-profissional; o nível de adestramento e a experiência adquirida; o risco calculado; a tolerância ao erro do subordinado; o gosto por assumir responsabilidades; e o desenvolvimento de atributos como a coragem, a iniciativa, a adaptabilidade, a flexibilidade e a autoconfiança. Essa filosofia representa, em síntese, uma maneira sui generis de compreender e praticar a Liderança Militar, que testada em combate e em diferentes épocas, mostrou-se comprovadamente exitosa ao longo da história.

CATEGORIAS:
Recursos Humanos

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