A dronização sob a perspectiva da guerra moderna

Autor: 1º Ten Vinícius

Segunda, 08 Julho 2024
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No Brasil, os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) são amplamente conhecidos como drones (do inglês, zangão) ou Aeronave Remotamente Pilotada (ARP). ARP é um veículo aéreo em que o operador não está a bordo (não tripulado), sendo controlado a distância, a partir de uma estação remota de pilotagem, para a execução de determinada atividade ou tarefa (COTER, 2023).

Outro termo comumente conhecido é SARP (Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas), definido como o conjunto de meios necessários ao cumprimento de determinada tarefa com emprego de ARPs, englobando, além da plataforma aérea, a carga paga (payload), a estação de controle de solo, o terminal de transmissão de dados, o terminal de enlace de dados, a infraestrutura de apoio e os recursos humanos (COTER, 2023).

De acordo com a ANAC (2017), as ARPs são divididas em três classes, de acordo com o peso máximo de decolagem, no qual devem ser considerados os pesos da bateria ou combustível do equipamento e de carga eventualmente transportada, quais sejam: Classe 1 – Peso máximo de decolagem maior que 150 kg, Classe 2 – Peso máximo de decolagem maior que 25 kg e até 150 kg, e Classe 3 – Aeromodelos ou ARP com peso máximo de decolagem de até 250 g. Todavia, no âmbito do Exército Brasileiro (EB), de acordo com a Portaria COTER/C Ex Nº 333, de 26 de setembro de 2023 (COTER, 2023), os SARP são classificados em cinco níveis de categoria e três níveis de emprego, conforme se observa na Figura 1.

Figura 1. Classificação dos SARP no âmbito EB


 

Quanto ao número de hélices, os drones são classificados em asa fixa, rotor único ou multirotores (tricópteros, quadricópteros, hexacóptero e octocópteros). Ou seja, conforme as classificações acima, há uma gama de possibilidades de aplicação dual de drones.

No campo militar, o uso de drones representa um fenômeno complexo e multifacetado que está redefinindo a natureza da guerra moderna. No cenário internacional, pesquisadores e militares têm utilizado o termo dronização como referência à proliferação de drones ou guerra dos drones.

Nos últimos anos, testemunhamos uma revolução silenciosa e tecnológica nos conflitos do mundo oriental, a exemplo da Ucrânia, Rússia e Israel. O General Sun Tzu, em sua obra A Arte da Guerra, destaca a importância do conhecimento, da surpresa e da adaptabilidade no campo de batalha, ou seja, tais princípios são igualmente relevantes para o uso de tecnologias militares.

Os drones com câmaras acopladas em sua estrutura têm se revelado úteis no contexto da guerra psicológica e informativa travada em paralelo com o combate. A ameaça constante dos drones desestabiliza profundamente o moral das tropas, criando um clima de terror. Do lado informativo, as imagens captadas permitem uma comunicação descentralizada e amplamente difundida nas redes sociais. Por meio das imagens captadas, os governos ucraniano e russo desenvolveram amplas campanhas de desinformação (JANCOWSKI, 2023).

A Ucrânia, imersa em um conflito prolongado com separatistas pró-Rússia no leste do país, tem utilizado drones de forma significativa em suas operações militares. Um dos equipamentos notáveis é o modelo Bayraktar TB2, fabricado pela empresa turca Baykar, com o custo de US$ 5 milhões. Com uma carga útil de 150 kg, opera continuamente por 27 horas, a uma velocidade média de 200 km/h e altitude de 7.600 metros (BAYKAR, 2024).

O uso da tecnologia dual tem sido evidenciado na Ucrânia. Os drones civis octocópteros (oito motores), devido ao seu baixo custo, propiciou o aumento significativo das capacidades das Forças Armadas (FA) ucranianas. Com o uso de impressoras 3D, os programadores ucranianos desenvolveram métodos para contornar os mecanismos russos de rastreamento com sinais de rádio. O drone Punisher, de asa fixa, com uma velocidade média de 72 km/h, pode ser operado a uma distância de 48 km do seu ponto de controle, e a uma altitude de 400 metros. Caracteriza-se por ser silencioso e indetectável por radares. Equipado com câmeras, ao se posicionar sobre o alvo, lança sua única bomba de seis quilos, com uma precisão de 3,5 metros. Se comparado com os preços de outras ARPs, o custo é relativamente baixo, cerca de US$ 196 mil (RODRIGUES, 2022).

A Rússia também tem investido massivamente em tecnologias de drones. O modelo Forpost-R, desenvolvido pela Ural Civil Aviation Plant (UZGA), tem autonomia de voo de 18 horas, alcance de 400 km, peso máximo de decolagem de 500 kg e teto operacional de 6.000 metros. Em 13 de março de 2022, as FA russas utilizaram o Forpost-R com mísseis guiados, com a finalidade de destruir um sistema de lançamento múltiplo de foguetes do exército ucraniano a uma altitude de 3.000 metros (ARMY RECOGNITION, 2022).

Enquanto isso, em Israel, o desenvolvimento e o uso de drones têm sido parte integrante da estratégia de defesa do país, com destaque para o drone Hermes 900. Com uma autonomia de mais de 30 horas, pode voar a 9.100 metros de altitude, com capacidade de carga útil de 300 kg. No Brasil, em dezembro de 2021, a Força Aérea Brasileira (FAB) oficializou com a AEL Sistemas a encomenda de dois drones Hermes 900.

No ano de 2022, O EB recebeu a ARP modelo Nauru 1000C, adquirida da XMobots, uma Empresa Estratégica de Defesa, sediada no município de São Carlos (SP). O drone tem o peso máximo de decolagem de 150 kg, velocidade de 110 km/h e autonomia de 10 horas, com capacidade para operações diurnas e noturnas. O drone é octocóptero e utiliza baterias independentes, permitindo a realização de decolagens e aterrissagens em ambientes críticos e confinados. Em março de 2024, o 1° Batalhão de Aviação do Exército (1° BavEx), em parceria com o Centro de Avaliações do Exército (CAEx), deu início à avaliação operacional do NAURU 1000C.

A tendência é que o Nauru 1000C seja empregado nas diversas regiões do País, todavia cabe destacar que a região Amazônica possui um ambiente operacional caracterizado por densas florestas e condições climáticas adversas, como chuvas repentinas, intensas e de alta intensidade, além de uma vasta extensão geográfica. Tais fatores exigirão a realização de uma série de testes, a fim de que sua capacidade de voo, coleta e transmissão de dados sejam realizados de forma consistente.

Figura 2. Drone Nauru 1000C


 

Ainda, no ano de 2022, o Comando da Aviação do Exército recebeu 34 unidades de ARPs, sendo 30 do modelo DJI Mavic 2 e quatro do modelo Matrice 300 RT, com capacidade para detectar alvos com baixa luminosidade, câmeras com capacidade de zoom de 32 a 200 vezes, autonomia de 30 a 50 minutos de voo, e alcance de 10 a 15 quilômetros, respectivamente. (TECNODEFESA, 2022).

No mês de julho de 2023, a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW) lançou um Request for Information (RFI) para a aquisição de Loitering Munition (munições vagantes), conhecidos como drones kamikazes. Esses modelos são autodestrutíveis, pois são empregados como munição. As ARPs deverão ter alcance de até 10 km (Categoria 1) e de até 40 km (Categoria 2). A compra inclui fornecimento de simuladores de controle e lançamento, cargas de explosivo, além da capacitação no Brasil, aos militares que operarão os equipamentos (MERGULHÃO; ASSAD, 2023). Os potenciais fornecedores mundiais e os respectivos modelos de Loitering Munition que podem ser adquiridos pelo EB são: Skystriker, da Elbit Systems (Israel); Switchblade, da AeroVironment (EUA); CH-901, da Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (China), e Hero, da UVision (Israel) (MERGULHÃO; ASSAD, 2023a).

A despeito das vantagens observadas, a dronização tem levantado uma série de preocupações éticas e legais pelos organismos internacionais, pois a capacidade de realizar ataques precisos e cirúrgicos pode ser obscurecida pela possibilidade de causar danos colaterais à população civil. Além disso, o anonimato e a distância relativa dos operadores de drones podem reduzir a responsabilidade e aumentar o risco de abusos e violações dos direitos humanos.

Por fim, cabe destacar que o uso de drones tanto por civis quanto militares permite que atores não-estatais e grupos paramilitares possam adquirir capacidades de ataque e defesa, o que antes eram exclusivas das FA. Isso cria uma relativa assimetria de poder, pois grupos insurgentes, terroristas e milícias podem desafiar e ameaçar Estados-nação e as forças de defesa e segurança convencionais. Desse modo, em particular, os Pelotões Especiais de Fronteira, localizados à margem de países vizinhos, podem ser alvos de missões de reconhecimento e vigilância, sendo necessária a implantação de sistemas anti-drones, assim como em outros pontos sensíveis e áreas de interesse estratégico na Amazônia.

REFERÊNCIAS

ANAC. Classe de Drones, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/drones/classes-de-drones. Acesso em: 04 abr. 2024.

ARMY RECOGNITION. Russia uses Forpost-R armed drone with guided missile to destroy rocket launcher of Ukrainian army. Disponível em: https://armyrecognition.com/. Acesso em: 05 abr. 2024.

BAYKAR. Baykar TB2. Disponível em: https://baykartech.com/en/uav/bayraktar-tb2/. Acesso em: 06 abr. 2024.

COTER. Portaria COTER/C Ex Nº 333, de 26 de setembro de 2023. Aprova a Norma Operacional de Emprego dos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas-SARP e das ARP não SMEM (EB70-N-13.001), 1ª edição, 2023 e dá outras providências.

JANKOWSKI, T. The Proliferation of Militarized Civilian Drones in Ukraine: a lesson from the war for western military staffs. Network for Strategy Analysis, 2023. Disponível em: https://ras-nsa.ca/the-proliferation-of-militarized-civilian-drones-in-ukraine-a-lesson-from-the-war-for-western-military-staffs/. Acesso em: 05 abr. 2024.

MERGULHÃO, A.; ASSAD. P. Exército brasileiro lança cotação internacional para compra de drones kamikazes. O GLOBO, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/19/exercito-brasileiro-lanca-cotacao-internacional-para-compra-de-drones-kamikazes.ghtml. Acesso em: 06 abr. 2024.

MERGULHÃO, A.; ASSAD. P. Conheça modelos de 'drones kamikazes' que podem ser comprados pelo Exército Brasileiro. O GLOBO, Rio de Janeiro, 2023a. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/20/drones-kamikaze-veja-modelos-que-podem-ser-comprados-pelo-exercito-brasileiro.ghtml. Acesso em: 06 abr. 2024.

RODRIGUES, H. Conheça o drone “tosco” da Ucrânia que virou o terror dos russos. Revista Forum, 2022. Disponível em: https://revistaforum.com.br/global/2022/3/11/conhea-drone-tosco-da-ucrnia-que-virou-terror-dos-russos-111390.html. Acesso em: 05 abr. 2024.

TECNODEFESA. Aviação do Exército recebe novos drones. Disponível em: https://tecnodefesa.com.br/aviacao-do-exercito-aumenta-a-capacidade-de-combate-e-defesa-com-novos-drones/. Acesso em: 06 abr. 2024.

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