A Diplomacia Militar e sua contribuição para o estado de prontidão e atualização das capacidades militares

Autor: Maj Vinícius Lemos da Silva

Quarta, 03 Abril 2024
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A diplomacia militar é conceituada como o emprego das Forças Armadas e seus meios, de forma cooperativa e em tempos de paz, como instrumentos das políticas externa e de segurança (COTTEY; FORSTER, 2004). Ela se difere da diplomacia de defesa por não englobar os recursos do Ministério da Defesa, restringindo-se às Forças Singulares (SILVA, 2018).

O reconhecido teórico das Relações Internacionais, Joseph Nye, argumenta que “o uso não-coercitivo e benigno de recursos militares pode ser uma importante fonte de comportamento de soft power no enquadramento de agendas, persuasão e atração na política mundial” (NYE, 2011, p.39).

Um dos primeiros estudiosos da conduta de militares nas relações exteriores, Alfredo Vagts apontou que, entre as principais motivações para o emprego dos militares em funções diplomáticas, está a prioridade elevada da defesa na política externa (VAGTS, 1956). O mesmo autor afirma, ainda, que os adidos militares podem ser utilizados quando os canais diplomáticos tradicionais não são suficientes (VAGTS, 1967).

A mais reconhecida e tradicional função de diplomacia militar é a exercida pelos adidos militares. Entretanto, diversas outras atividades fazem parte desse campo, como os acordos de cooperação em defesa, os intercâmbios de pessoal militar, desdobramento de equipes de treinamento, exercícios bilaterais e multilaterais e provisão de equipamento e ajuda militar (COTTEY; FORSTER, 2004).

A Política Nacional de Defesa (PND), ainda que não mencione diretamente a diplomacia militar, traz, entre seus Objetivos Nacionais de Defesa (OND), o de “incrementar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais” (BRASIL, 2020b). Na Estratégia Nacional de Defesa (END), há, entre as ações estratégicas previstas para atingir esse OND, “intensificar a realização de operações internacionais, unilateralmente ou em arranjos plurilaterais, e de iniciativas de cooperação em áreas de interesse da defesa” (BRASIL, 2020a).

No âmbito do Exército Brasileiro (EB), alinhado com a PND e a END, o Plano Estratégico do Exército (PEEx) apresenta o Objetivo Estratégico 2, “ampliar a projeção do Exército no cenário internacional” (BRASIL, 2019). Para isso, tem como uma de suas estratégias o “incremento da atuação da Diplomacia Militar” (BRASIL, 2019), a qual é avaliada anualmente por meio de indicadores específicos no Relatório de Gestão do Comando do Exército (BRASIL, 2022).

Desde 2013, a Diretriz para as Atividades do Exército Brasileiro na Área Internacional (DAEBAI) já teve três versões. A mais recente, de 2020, traz algumas condicionantes para a atuação da Força, como as ideias-forças que direcionam as ações do Exército em cada região do planeta. Assim, por exemplo, nos EUA, no Canadá e na Europa as atividades do EB estão orientadas para a capacitação e integração de seus militares com os dessas nações. Para a América do Sul o enfoque está na cooperação e integração (BRASIL, 2020c).

No presente ano, a diplomacia militar adquiriu um novo alcance em sua aplicação pelo Exército, com a publicação do novo Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040 (EB20-MF-07.101). O referido manual diz que a Diplomacia Militar Terrestre pode ser empregada como uma ferramenta capaz de moldar o ambiente de segurança no âmbito do entorno estratégico do país (BRASIL, 2023). Observa-se, assim, que a diplomacia militar passou a constar não somente nos documentos de mais alto nível do Ministério da Defesa (MD) e do Exército, mas agora, também, de manuais operacionais.

O novo conceito operacional também contempla a diplomacia militar como uma linha de esforço, com atividades que estão alinhadas àquelas listadas por Cottey e Forster (2004). Como exemplo, podem ser citadas as operações e adestramentos combinados, os intercâmbios doutrinários, o intercâmbio tecnológico e compensação comercial e o apoio a processos de aquisição de SMEM (BRASIL, 2023). Todas essas medidas estão diretamente relacionadas à melhoria das capacidades militares terrestres e contribuem para o estado de prontidão das tropas brasileiras.

Um exemplo de tais incrementos operacionais pode ser verificado em exercícios combinados entre Brasil e Estados Unidos da América. Em janeiro de 2021, 203 militares do EB e 20 da Força Aérea Brasileira participaram da Operação Culminating com 5000 militares e civis norte-americanos em Fort Polk, na Louisiana. Em dezembro do mesmo ano, foi a vez dos estadunidenses virem ao Brasil na Operação CORE (Combined Operation and Rotation Exercise), ocorrida no Vale do Paraíba, na região entre Lorena e Resende. No corrente ano, novamente a CORE está sendo sediada no Brasil, dessa vez, no ambiente operacional amazônico. O lema da operação, “combinando diplomacia com interoperabilidade”, sintetiza os ganhos obtidos com esse adestramento, como o fortalecimento da confiança mútua e o intercâmbio de conhecimentos doutrinários e procedimentos táticos entre as tropas brasileiras e norte-americanas.

Nesse mesmo escopo, as Operações Arandu e Paraná, realizadas de forma combinada com a Argentina e Paraguai, respectivamente, também têm contribuído para o estado de prontidão e o aperfeiçoamento das capacidades do EB. A Operação Arandu é voltada para o combate convencional, tendo executado em 2023, em Monte Caseros na Argentina, o lançamento de tropas paraquedistas, assalto aeromóvel, aproveitamento do êxito e junção. A Operação Paraná, por sua vez, tem como ênfase as ações de ajuda humanitária e contou, na edição deste ano, com a participação de 13 nações amigas, dentro do contexto da Conferência dos Exércitos Americanos, cuja presidência no biênio 2022-2023 esteve a cargo do Brasil.

Por fim, pode-se inferir que a diplomacia militar tem sido reconhecida cada vez mais como um instrumento importante e eficaz para o atingimento de objetivos estratégicos do Exército. Uma vez que os documentos de alto nível do MD e do EB contemplam a necessidade de participar da política exterior brasileira, ampliando a projeção internacional do Brasil, tal demanda pode ser aproveitada para a obtenção de significativos ganhos operacionais para a Força, por meio de operações combinadas e intercâmbios.

REFERÊNCIAS

- BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa (END). Brasília, 2020a.

- BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa (PND). Brasília, 2020b.

- BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Manual de Fundamentos: Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040. Brasília, 2023.

- BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Diretriz para as Atividades do Exército Brasileiro na Área Internacional (DAEBAI). Brasília, 2020c.

- BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Plano Estratégico do Exército (PEEx). Brasília, 2019.

- BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Relatório de Gestão do Comando do Exército (RGCE). Brasília, 2022.

- COTTEY, Andrew; FOSTER, Anthony. Reshaping defense diplomacy: new roles for military cooperation and assistance. Adelphy Papers n. 365. Oxford: Oxford University Press, 2004.

- NYE, Joseph S. The Future of Power. New York: Public Affairs, 2011.

- SILVA, Antonio Ruy de Almeida. A Diplomacia de Defesa na Política Internacional. Porto Alegre: Palmarinca/Rio de Janeiro: ESG, 2018.

- VAGTS, Alfred. Defense and Diplomacy: The Soldier and the Conduct of Foreign Relations. New York: King’s Crown Press, 1956.

- VAGTS, Alfred. The Military Attaché. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1967

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