A crise ambiental na Amazônia como desafio geopolítico: por um retorno à estratégia

Autor: Prof. Dr. Augusto W. M. Teixeira Júnior

Quinta, 19 Dezembro 2019
Compartilhar

Recentemente, o Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) organizou um Workshop para discutir os desafios e as oportunidades de uma possível geopolítica da Amazônia. O ensaio a seguir sintetiza os principais pontos da palestra desse pesquisador – vinculado à área de Geopolítica e Estratégias Militares do Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP) – o qual proferiu uma apresentação sobre o tema em apreço sob o enfoque da “Crise Ambiental, Desafios Diplomáticos e ‘Novas’ Ameaças”.

As questões afeitas às queimadas na Amazônia brasileira, no presente ano, se conectam fortemente com três fenômenos que não são novos no âmbito da geopolítica e da segurança internacional. Em primeiro lugar, desde o despertar para a emergência climática nos anos 1970, e mais precisamente com a pauta do aquecimento global, as questões do clima e do meio ambiente vêm, paulatinamente, sendo transformadas em problemas de segurança internacional. Em segundo lugar, pelos atributos naturais da geografia física e de seus fenômenos, os quais não respeitam traçados, limites e fronteiras de nossa tradição westfaliana, as questões climáticas contemporâneas são percebidas à luz da interdependência de segurança. Por fim, os fatores supramencionados se processam no contexto da retomada mais intensa da competição geopolítica entre as grandes potências, fenômeno este atrelado à conformação da multipolaridade em curso.

Ambos os fatores mencionados acima contribuem para compreender como uma crise doméstica, ocasionada no Brasil em virtude de queimadas, foi convertida em uma crise político-diplomática internacional, com repercussões significativas para a segurança e soberania nacionais. Uma chave explicativa importante para lançar luz a esse problema é a metáfora da “tragédia dos [bens] comuns” pensada por Hardin em 1968[1]. Com base na ideia de que a ação racional individual pode provocar resultados negativos – e até catastróficos – para uma coletividade, observa-se que a crise ambiental na qual o Brasil é pivô é representativa de um enquadramento intelectual que vê a Amazônia como um manancial de recursos que, embora afirmado pelo Brasil como seu (soberania), possui desdobramentos e externalidades negativas globais (aquecimento climático).

Com isso em mente, se faz relevante compreender a repercussão internacional e escalada da crise em tela. Enquanto atores do governo brasileiro sustentam uma narrativa calcada nos pilares da soberania e da autoridade do Estado, representantes da opinião pública internacional, organizações e países interpretam o mesmo quadro à luz da Amazônia como bem público global. Em outras palavras, a Amazônia e a sua alegada função para regulação climática e reservatório de biodiversidade sairiam da seara da soberania do estado brasileiro (ator racional individual) para o campo de um bem público do qual dependeria o bem-estar da coletividade global (bem público global).

Por esta razão é que é importante para analistas, mais ainda para os estrategistas políticos, buscarem empatia com os países, organizações e indivíduos que antagonizam com a posição do governo brasileiro a respeito da Amazônia e de temas como soberania e intervenção. A alteridade, fundamental para entender a identidade e a cultura estratégica do outro, a exemplo da França no contexto atual, é fundamental para compreender que para além do discurso da Amazônia como bem público à luz da metáfora da “tragédia dos comuns”, a narrativa antagonista ao discurso oficial brasileiro é calcada numa mudança mais profunda no conceito de segurança [internacional]. Enquanto que a narrativa ofertada por Brasília lê a Amazônia e a crise em tela como questões de segurança nacional e de soberania (perspectiva westfaliana), a narrativa representada por atores como o presidente Macron concebe o meio ambiente como um setor de segurança em si, no qual o referente de segurança transcende e muito o Estado e os pilares westfalianos nos quais se sustenta a narrativa do Brasil.

É nesse enquadramento intelectual e discursivo que questões como “Intervenção ecológica”[2], “Intervenção Ecológica-Humanitária” e “Defesa Ecológica”[3] emergem em debates acadêmicos e, mais recentemente, voltam à seara do debate público e da política internacional. Por essa razão, matérias como “Deathwatch for the Amazon” da prestigiada The Economist[4] e mais precisamente o artigo de Stephen Walt[5] “Who Will Save the Amazon (and How)” na Foreign Policy são tão importantes para entender como fora do Brasil a questão climática, na qual a Amazônia desempenha um papel crucial, é cada vez mais percebida como um problema de segurança internacional, cujas respostas são multilaterais e que ensejam no horizonte futuro, cada vez mais, o uso da força militar como uma opção possível.

Como conclusão calcada nas lições que a crise em curso ensina, recomenda-se relembrar o preceito clausewitziano da ponte estratégica, da qual se deriva para o Brasil, como objetivos, a manutenção e a defesa da Amazônia como patrimônio soberano, a clareza quanto aos nossos meios disponíveis à luz das expressões do poder nacional e, mais importante, o reconhecimento das nossas vulnerabilidades no tocante a atores externos e ao cenário internacional adverso. Por último, cabe lembrar que uma estratégia nacional ou militar que mereça esse nome tem como requisitos essenciais a capacidade de empatia para com o opositor, o que possibilita comunicar as suas intenções corretamente [comunicação estratégica]. Por essa razão, as ameaças presentes na crise amazônica constituem também uma oportunidade para que retomemos o caminho da Estratégia, sem o qual uma geopolítica para a Amazônia não será possível.

[1] HARDIN, Garret. “The Tragedy of the Commons”, Science, 13 Dec 1968. https://science.sciencemag.org/content/162/3859/1243.

[2] ECKERSLEY, Robyn. “Ecological Intervention: prospects and limits”. Ethics & International Affairs.Vol 21, Issue 3. Fall 2007.https://www.cambridge.org/core/journals/ethics-and-international-affairs/article/ecological-intervention-prospects-and-limits/531A76D72C43A7CC72829096298CF483.

[3] WOODS, Mark. “Some Worries about Ecological-Humanitarian Intervention and Ecological Defense”.Ethics & International Affairs. Vol. 21.3, Fall 2007. https://www.carnegiecouncil.org/publications/journal/21_3/feature_and_symposium/005.

[4]Disponível em: https://www.economist.com/leaders/2019/08/01/deathwatch-for-the-amazon.

[5] WALT, Stephen. “Who Will Save the Amazon (and How)”. Foreign Policy. Aug 5, 2019. https://foreignpolicy.com/2019/08/05/who-will-invade-brazil-to-save-the-amazon/

Comentarios

Comentarios
As per my paper writer, the causes of human might be smoking or BBQ in the forest or using fire cleaning up the land for using in agriculture. For the Amazon rainforest fires, some environmentalists and NGOs believe that excessive forest deforestation is the main cause of the record number of Amazon fires this year. Thanks a ton for sharing such a helpful article.

Navegação de Categorias

Artigos Relacionados