A comunicação estratégica e a guerra do teclar: pura ciência ou arte criativa?

Autor: Coronel R1 Swami de Holanda Fontes

Sexta, 03 Setembro 2021
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Apesar de existir há longa data, a comunicação estratégica ganhou, nos últimos tempos, uma nova envergadura, fruto do ambiente informacional, das novas tecnologias, dos novos meios de comunicação e do ambiente psicossocial do século 21.

Sem retroagir demais no tempo, realizando uma abordagem da temática de maneira superficial e não havendo a pretensão de se aprofundar nas revoluções e na guerra fria, entre outros acontecimentos, é possível, por exemplo, fazer um paralelo com quatro momentos marcantes da história.

A Primeira Guerra Mundial ou a Guerra das Trincheiras teve como característica o emprego de operações defensivas, em que o combate era realizado efetivamente corpo a corpo. Naquela época, os meios de comunicação ainda eram incipientes, quando comparados com os existentes na atualidade. Logo após o conflito, imaginando ter usado uma estratégia exitosa, a França construiu a Linha Maginot, que era um conjunto de fortificações visando à defesa contra a Alemanha e a Itália.

Quebrando paradigmas, a Alemanha iniciou a Segunda Guerra Mundial, conhecida como a Guerra de Extermínio, com algo inesperado, com manobras ofensivas e com a Blitzkrieg ou a guerra-relâmpago. Apesar do termo Blitzkrieg não ser empregado pelas forças armadas nazistas, a palavra foi amplamente usada como propaganda na imprensa. Naquele período, o Ministério da Propaganda, de Joseph Goebbels, assumiu o controle das instalações de radiodifusão dos países conquistados e difundiu suas mensagens para ganhar a confiança dos cidadãos. A comunicação atingiu um novo patamar.

Anos depois, uma superpotência nuclear enfrentou um oponente fraco que adotou uma estratégia antiga a Guerra da Resistência. Na Guerra do Vietnã, os Estados Unidos também perderam o conflito em casa, quando a imprensa mostrou seus filhos retornando para casa em sacos pretos. Sem o controle dos meios de comunicação, o governo perdeu a opinião pública, acelerando sua derrota e consequente saída do continente asiático. Nesse conflito, a comunicação contribuiu para o seu desfecho.

No início da década de 90 do século passado, a Guerra do Golfo, ou a Guerra Cirúrgica, caracterizou-se pelo emprego de mísseis, bombas e foguetes que atingiam seus alvos com precisão, diminuindo os danos colaterais. Nesse conflito, em uma coalizão liderada pelos Estados Unidos contra o Iraque, a comunicação foi evidenciada ao mostrar as linhas de frente ao vivo, com transmissão via satélite, 24 horas por dia.

De uma forma resumida, o que pôde ser visto foi o emprego de estratégias inesperadas e o crescente peso da comunicação no desenrolar dos conflitos.

Mas, o que é estratégia?

Existem vários conceitos, mas de uma forma sintética, pode-se dizer que é o emprego dos diversos meios para se atingir um objetivo político imposto. Não se deve confundi-la com tática, que envolve manobras ou ações menores. Mesmo que se acerte em várias ações táticas empregadas, se a estratégia estiver equivocada, dificilmente o objetivo será alcançado, ou seja, um problema estratégico não se cura com tática.

E o que é comunicação?

É uma ação em que seres humanos e/ou animais partilham diferentes informações entre si. Ocorre quando o receptor entende a ideia do que foi transmitido pelo autor da mensagem. Quando os homens das cavernas deixavam seus desenhos nas paredes, e outros viam as figuras e entendiam o que elas queriam dizer, é possível dizer que, naquele momento, estava ocorrendo a comunicação.
Assim, o que seria a comunicação estratégica?

No meio civil, não há um conceito unânime, mas, se somarmos as duas ideias aqui abordadas, podemos dizer que é o emprego integrado dos diversos meios disponíveis para que a comunicação ocorra com eficácia e com o alcance esperado.

Para o Exército Brasileiro, é a comunicação alinhada, integrada e sincronizada com os Objetivos Estratégicos do Exército, impondo a combinação das práticas tradicionais de Comunicação Social (relações públicas, divulgação institucional e assessoria de imprensa) com as relações institucionais e com o emprego das mídias digitais. Na atualidade, parte dessas ações ocorrem no ciberespaço.

No entanto, há algumas considerações que devem ser levadas em conta: a opinião pública, os meios de comunicação disponíveis (tecnologias, mídias etc), os óbices a serem superados (acesso a informação, desinformação etc), a liberdade de ação e o centro de gravidade.

A opinião pública é fundamental para que se tenha a liberdade de ação, constituindo o centro de gravidade na dimensão informacional. A liberdade de ação se refere às limitações decorrentes de diversas circunstâncias. Dessa forma, em um mundo onde a ética, a verdade, a transparência e os valores morais são postos à prova, a comunicação estratégica deve ser pautada nos princípios da unidade de mensagem, legitimidade, imparcialidade, impessoalidade, continuidade, confiabilidade, proatividade e verdade e ser empregada com oportunidade, transparência e credibilidade. Além disso, deve-se levar em conta a disponibilidade dos recursos financeiros, tecnológicos e humanos.

Qual seria o centro de gravidade em uma comunicação estratégica?

Levando-se em consideração os atores envolvidos, a liberdade de ação, a opinião pública e o objetivo estratégico determinado pela política, é possível que sejam os meios de comunicação, incluindo nesse pacote os jornais, os canais de televisão, as rádios, as mídias sociais etc. Lembremos que o centro de gravidade é o ente que se tivermos o seu controle, facilita a conquista do nosso objetivo, desestruturando o poder do adversário.

Não é à toa que os líderes, normalmente, querem controlar ou até dominar os meios de comunicação, sempre com o intuito de manipular narrativas e, assim, conquistar a opinião pública. Em momentos críticos, a censura atua exatamente nos meios de comunicação. Apesar da guerra das narrativas, das fakenews, das deepfakes e de outras ferramentas de desinformação não possuírem suas origens nos meios de comunicação, já que os autores são normalmente desconhecidos, são nos meios de comunicação que elas circulam.

Na atualidade, estamos vivenciando uma revolução que já se encontra em progresso no campo virtual, isto é, no mundo cibernético. Um simples toque no teclado do computador pode causar mais danos do que o puxar de um gatilho. O ato de teclar pode provocar reflexos imediatos no outro lado do planeta e causar danos inimagináveis. Assim como em uma guerra tradicional ou convencional, a Guerra do Teclar envolve estratégias: objetivo imposto, planejamento, caminho a seguir, conhecimento e disposição dos meios, óbices a serem superados, centro de gravidade a ser considerado, local da ação e nível de liberdade que se tem para agir.

Afinal, a comunicação estratégica é uma ciência ou uma arte?

É uma ciência porque envolve estudo, pesquisa e método, e também uma arte porque necessita da criatividade, do inusitado e da quebra de padrões. Basta lembrar que a Blitzkrieg superou a linha Marginot, e que a resistência venceu as armas nucleares. A reflexão que se deve fazer agora é: “A Guerra do Teclar” já está em andamento, no entanto, o que vai superá-la?

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**Retificando o post anterior Acredito firmemente que o que supera “A Guerra do Teclar” seja a consolidação prática, no mundo real, de acordos e alianças - que coloca em prática, ferramentas e armas físicas e cibernéticas, a maioria já disponível para pronto uso, em prática para o benefício mútuo de todos os atores envolvidos. O famoso conceito win-win (ganha-ganha). Retificando o post anterior, a finalização de tais alianças poder ser atingida simplesmente com a resposta de um email, conversa informal na via para marcar a reunião, marcando uma reunião formal via telefone ou WhatsApp ou Signal, entre atores de alto nível, para discutir os pontos de impasse, sem reservas.
Acredito firmemente que o que supera “A Guerra do Teclar” seja a consolidação prática, no mundo real, de acordos e alianças - que coloca em prática, ferramentas e armas físicas e cibernéticas, a maioria já disponível para pronto uso, em prática para o benefício mútuo de todos os atores envolvidos. O famoso conceito win-win (ganha-ganha).
Sempre haverá uma versão, outra versão e a verdade, que pode ser nenhuma das anteriores, em um Brasil onde o raciocínio muitas vezes limita-se ao que o "fulano" disse ou eu vi na " internet" (que torna-se "a verdade"), a influencia digital incorpora uma manobra, que temos visto na prática, causar "folclores" até mesmo para os agentes que deveriam antes de tudo, conhecer as "Leis" e "Regras" que regulamentam, pelo menos a sua atividade. Vejo que a única maneira de evitarmos isso é com o desenvolvimento do pensamento crítico, mas se formos ser críticos de tudo, procurar o "por que" em todos os assuntos, tenho a impressão que as 24h do dia serão insuficientes, logo hoje estamos em um "jogo" onde tudo que vemos, não necessariamente é aquilo que se apresenta. Temos que estar cientes hoje que a desinformação é maior que a informação, a ética (aquela de SPINOZA) bem como a moral, andam um pouco fora de "moda", o pensar no coletivo cai, em detrimento quando afeta o meu "eu". Concluindo, entendo que temos hoje uma INCOMUNICAÇÃO, uma ferramenta de influencia digital, considerando que quem utilize para um propósito "individualista" acaba por ter vantagens, por não utilizar, principalmente a VERDADE como base para sua produção, e a falta de crítica da massa. Enquanto quem procura o "bem comum" estará sempre em desvantagem pois fazer isso dentro do que é moralmente correto. Parabéns as excelentes produções do Cel.
Ja twnho 45 anos e gostaria de fazer um curso com vcs. Mas nao sei se posso.
Não sei se meu comentário foi enviado à moderação, porque a página travou. Por favor, desconsiderem a repetição, caso haja. O artigo faz-se tão presente como leitura imprescindível em face da atual conjuntura brasileira, quanto há pouco mais de um ano (data de publicação). Ele é realmente esclarecedor, sanando boa parte das minhas dúvidas sobre estratégias e intenções, comprovando o que já suspeitava: a plena capacidade de previsão e inovação estratégica do Exército Brasileiro. Contudo, mesmo convicto de sua primordialidade, não posso afirmar sobre o uso deste meio ou canal como possibilidade de comunicação estratégica - bem como dito no artigo: "Um simples toque no teclado do computador pode causar mais danos do que o puxar de um gatilho." - e, como um simples cidadão, reflito sobre a responsabilidade desta publicação. Por outro lado, apesar de ciente sobre ser-me atribuída tal responsabilidade, não cabe à mim decidir, mas sim à moderação da plataforma. Esta à qual noto presença e sapiência, e confio. Considero-me um lifelong learner, sem especialidades. Um cidadão de inteligência comum, tanto quanto qualquer outro, mediano. Por isso, agradeço por todo o conhecimento aqui adquirido. Estudo Neurociências aplicadas e percebo, agora, que toda ação realizada através da comunicação digital (e interações), por "menor" que pareça, possui uma carga de influência e de responsabilidade. O ato de ser o primeiro a "curtir" uma publicação, por exemplo, por diversos motivos (como a influência pelos neurônios espelho) pode influenciar outros a fazerem o mesmo. Portanto, ponderarei mais e melhor sobre as minhas atitudes. Muitíssimo obrigado.

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