As operações de paz, bem como, o restabelecimento, a manutenção e a consolidação da paz consistem em mecanismos com os quais a Organização das Nações Unidas (ONU) fundamenta e reforça o cumprimento dos direitos humanos visando à segurança internacional, por meio das missões de paz. As missões de paz se categorizam em missões tradicionais, estendidas do período pós-Segunda Guerra Mundial até o fim da Guerra Fria, estruturadas em torno de um contingente militar, a fim de garantir o cumprimento do cessar-fogo, além de prevenir incidentes locais que prejudicassem o acordo; e em missões multidimensionais, período pós-guerra Fria, cujos mandatos fundamentam-se nos direitos humanos e na proteção de civis enquanto primícias para as missões de paz.
Com isso, considerando a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA) e da República Democrática do Congo (MONUSCO), ambas, missões francófonas, requerem a expressão em língua francesa. Desta forma, o Brasil ao enviar militares das Forças Armadas, os submete a realizar o Estágio de Preparação para Missões de Paz, organizado pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil - Centro Sérgio Vieira de Mello (CCOPAB), do Exército Brasileiro, visando à capacitação destes profissionais para atuar em determinadas missões.
Este estágio compreende três fases, no qual a segunda consiste na fase do aprendizado de idiomas, sendo eles: inglês e francês. Desta forma, propomos um ensino de língua francesa que integre alguns procedimentos empregados pelos componentes militar e policial pertinentes às operações de paz, bem como, a transmissão de rádio, a realização de patrulhas, a execução de checkpoint, as negociações, as ações cívico-militares, etc., para que o militar possa estar inserido neste contexto das operações de paz, por meio de situações reais de comunicação, fruto do convívio humano e da necessidade de comunicação.
Sendo assim, a concepção do curso de francês para este fim está fundamentada com base nas abordagens do francês para objetivos específicos (doravante FOS) e o ensino por competências implementado no âmbito do Exército Brasileiro, no ano de 2010, por meio do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias (CEP/FDC), na esfera das Linhas de Ensino Militar Bélico, de Saúde e Complementar (cursos de formação; de aperfeiçoamento; de comando e estado-maior; de política, estratégia e alta administração; de especialização; e de extensão), bem como no Ensino Preparatório e Assistencial, relacionado ao Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB).
A abordagem para o desenvolvimento de programas FOS corresponde a demandas precisas e direcionadas aos objetivos da organização requerente, da homogeneidade do público-alvo e das condições materiais de formação. Esta abordagem é implementada em cinco fases, sendo elas: a identificação das necessidades, a definição de objetivos, a delimitação de conteúdos, a seleção ou produção de materiais e a escolha dos métodos de ensino e de aprendizagem usados.
Deste modo, podemos observar que a abordagem é precisa, mas a adaptação é constante. Assim, entendemos a importância desta abordagem para este ensino, que consiste na utilização de documentos autênticos adaptados, na autenticidade de situações comunicativas, em uma aprendizagem significativa em que o aprendiz é o agente central de sua aprendizagem, permitindo que ele atue em diversas situações, visando alcançar os objetivos específicos. No entanto, vale salientar que outra abordagem de ensino semelhante ao FOS consiste no ensino por competências.
Este ensino surgiu nos Estados Unidos, na década de 80; e difundiu-se no Brasil no âmbito da formação profissional devido às transformações do processo produtivo, das demandas do capitalismo avançado, que passou a postular trabalhadores polivalentes. A partir dos anos 90, este ensino já estava presente nos sistemas educacionais brasileiros e de vários países. Nesta conjuntura das transformações e inovações ocorridas no ensino, o Exército Brasileiro, representado pelo DECEx, em 2010, iniciou a implantação da abordagem do ensino por competências em todo o seu âmbito de preparação e formação dos militares.
Para compreendermos esta abordagem, cabe ressaltar que o ensino por competências constitui-se em uma abordagem didático-pedagógica de matriz construtivista, centrada na utilização de situações-problemas disciplinares e interdisciplinares, instrumentalizadoras da contextualização dos conteúdos escolares e da simulação da realidade profissional. Neste enfoque, desenvolvem-se os conhecimentos, as habilidades, as atitudes, os valores e as experiências (Instruções Reguladoras do Ensino por Competências: Currículo e Avaliação, 2017).
Neste sentido, o processo de ensino/aprendizagem de língua francesa compreende situações comunicativas correspondentes desde a rotina pessoal, tal como, a chegada no aeroporto, a locação de um imóvel, até mesmo alguns procedimentos realizados em uma célula, tal como a planificação de patrulhas, o uso do assistente de linguagem, abertura de diálogos com a comunidade local, além de outros pontos; desenvolvendo noções de língua francesa para que o militar desempenhe, na prática, determinadas circunstâncias nesta língua.
Este desempenho prático consiste em uma perspectiva acional (aprendizagem ação), que se constitui fundamentalmente na execução de uma tarefa. Esta tarefa é uma proposta pedagógica entornada principalmente pelas atividades necessárias para a comunicação, para a interação entre os indivíduos envolvidos e considera os fatores sociais, culturais, interculturais, contextuais, estratégicos e linguísticos; conforme os apontamentos de Guedes (2018, apud JANOWSKA, 2014). Deste modo, vê-se que a tarefa simboliza uma atividade de comunicação, implicando a utilização da língua em situações reais, visando à elucidação de um problema.
Considerando os componentes de uma possível abordagem acional, pautado no Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR), Beacco (2007) propõe uma sequência de ensino com quatro aspectos principais: a) exposição dos aprendizes aos componentes discursivos da língua alvo com a ativação das capacidades de antecipação e estratégias para a compreensão discursiva etnolinguística; b) atividades de sistematização baseadas em estratégias cognitivas para a identificação do composto discursivo; c) atividades de sistematização sobre as competências formais; e d) realização, sob forma de tarefas, de resolução de problemas, simulações capazes de mobilizar todas as competências.
Sendo assim, de acordo com estes aspectos, elaboramos um plano de aula, utilizado em uma das aulas de francês, cujo tema proposto foi a negociação. Em um primeiro momento, os militares foram expostos a uma das cenas do documentário Sérgio, diplomata da ONU, um dos grandes negociadores. Em seguida, foram trabalhados alguns conectores e expressões do processo argumentativo com atividades de sistematização para o uso adequado e, por fim, os militares organizados em grupos de trabalho precisariam mediar e/ou negociar uma reunião de consonância entre líderes locais, visando, assim, à prática e à resolução de uma situação-problema.
Por tudo isto, acreditamos que o processo de ensino/aprendizagem deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (DELORS, J. 2003).
Sendo assim, podemos concluir que em um curto espaço de tempo, este curso visa à aprendizagem do aprender a fazer, para que o aprendiz seja capaz de exercer o procedimento adequado, utilizando a ferramenta (língua francesa) de forma correta. Cabe ressaltar que o ensino de língua francesa ocorre de forma híbrida, ou seja, através de um ecletismo de metodologias, abordagens e documentos, visando práticas de ensino oportunas, lúdicas e coerentes para tal objetivo. Em vista disso, entendemos que os enfoques do FOS e o ensino por competências muito contribuem, norteando a prática docente e favorecendo o desenvolvimento do ensino/aprendizagem de francês, direcionado aos futuros boinas azul, na medida em que ambas as abordagens priorizam os objetivos de aprendizagem, partem sempre de uma situação real ou próxima da realidade do aprendiz, de forma contextualizada, com o propósito de levar aos aprendizes a conhecer e compreender um tema, a resolver um problema, entre outros.
Referências:
BEACCO, J.C. L’approche par compétences dans l’enseignement des langues. Paris: Didier, 2007.
BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Portaria Nº 144, de 18 de agosto de 2015. Glossário de Termos e Expressões de Educação e de Cultura do Exército - Edição 2015 (EB60-G-05.001).
_________. Portaria Nº 114, de 31 de maio de 2017. Aprova as Instruções Reguladoras do Ensino por Competências: Currículo e Avaliação - 3ª Edição (IREC- EB60-IR-05.008). Rio de Janeiro: DECEx, 2017.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
GUEDES, A.P. A perspectiva acional e o ensino de francês língua estrangeira. In: Anais eletrônicos do Colóquio Brasil e França: Laços literários, Universidade Estadual de Londrina, 2018.
JANOWSKA, I. Um conceito-chave da perspectiva acional. In: Dossiê especial: didática sem fronteiras (orgs.) CHEREM, RAMMÉ, PEDRA & OLMO. Revista X, vol.2, p. 59-77, 2014.
MANGIANTE,Jean-Marc; PARPETTE, Chantal. Le Français sur Objectif Spécifique: de l’analyse des besoins à l’élaboration d’un cours.Paris: Hachette, 2004.
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