As missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) existem para proteger vidas, restaurar a ordem e garantir os direitos humanos, especialmente de mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade. No entanto, quando surgem casos de exploração, abuso ou assédio sexual (conhecidos pela sigla SEAH, em inglês), a credibilidade das missões pode ser comprometida, e as comunidades que deveriam se sentir seguras acabam ainda mais expostas.
Diante dessa realidade, a ONU deu um passo fundamental em 2000 com a Resolução 1325, que criou a Agenda Mulheres, Paz e Segurança (WPS, na sigla em inglês). Essa agenda não é apenas uma diretriz: é um chamado para transformar a forma como lidamos com conflitos e protegemos pessoas.
Agenda Mulheres, Paz e Segurança: novo paradigma na atuação em conflitos
A Agenda WPS busca garantir que as mulheres estejam presentes nos espaços de decisão, principalmente em contextos de conflitos ou crise. Quando elas participam, as decisões são mais sensíveis, mais justas e mais eficazes. A presença feminina amplia a escuta, cria pontes com as comunidades locais e ajuda a prever riscos que muitas vezes passam despercebidos.
Além disso, essa abordagem permite que as ações militares e humanitárias sejam pensadas com mais cuidado, considerando as diferentes formas como homens, mulheres e crianças são impactados pelos conflitos.
O compromisso do Exército Brasileiro
O Exército Brasileiro vem se destacando ao adotar a Resolução 1325 como referência em suas operações. Os militares que atuam em missões internacionais recebem treinamentos intensivos em temas fundamentais: proteção de civis, igualdade de gênero, cooperação civil-militar, proteção da infância e, especialmente, prevenção ao SEAH.
Esse preparo é oferecido pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), um dos mais respeitados centros de capacitação do mundo. Ali, mais do que treinar táticas, os instrutores cultivam valores, como: dignidade, respeito à diversidade e empatia.
Capacitação pioneira em prevenção ao SEAH
Um dos avanços mais importantes foi a criação, pelo Exército Brasileiro, do primeiro curso internacional dedicado à prevenção do SEAH em operações de paz. O curso combina teoria, aspectos culturais e simulações realistas para preparar os militares para situações desafiadoras que podem surgir no terreno.
Mais do que conteúdo técnico, o curso ensina como agir com ética, profissionalismo e humanidade, características indispensáveis em quem tem a missão de proteger vidas.
A força da presença feminina
Desde 2003, 293 mulheres militares do Exército Brasileiro participaram de missões de paz das Nações Unidas. Algumas dessas profissionais foram desdobradas em mais de uma oportunidade, totalizando 304 desdobramentos. Atualmente, 12 militares brasileiras seguem em atuação em países como Sudão do Sul, Congo, Saara Ocidental, República Centro-Africana e Iémen. Elas trabalham como Observadoras Militares e Oficiais de Estado-Maior, funções que exigem poder de negociação, mediação, empatia e sensibilidade.
Em muitos desses cenários, a presença feminina faz toda a diferença. Elas conseguem abrir canais de diálogo com comunidades que muitas vezes resistem ao contato com homens armados, identificam situações de risco mais facilmente e ajudam a promover ações mais humanas e eficazes.
Avanços dentro da própria Força
Internamente, o Exército também tem desenvolvido estratégias voltadas para a alcançar as metas propostas pela Agenda MPS. Em 2025, foi implementado o alistamento militar voluntário feminino para o serviço inicial, um marco histórico para a inclusão feminina na Força Terrestre. Para 2026, está prevista a promoção da primeira mulher ao posto de Oficial-General, reforçando que competência e mérito não têm gênero.
Além disso, o Exército tem investido na conscientização de seus integrantes. Desde o início da formação, os militares são orientados sobre ética, respeito e integridade. Foram criadas várias cartilhas educativas e instruções específicas sobre o tema. Paralelamente, a Instituição vem aprimorando seus mecanismos de prevenção, denúncia e responsabilização. Casos de SEAH são tratados com tolerância zero.
Transformando a maneira de fazer paz
A inclusão de mulheres, com o foco na proteção dos civis e a prevenção de abusos não representam apenas boas práticas; são elementos essenciais para construir missões de paz duradouras, legítimas e eficazes.
O Exército Brasileiro entende que proteger significa, antes de tudo, respeitar. Cada ação, curso e missão representa um passo firme na construção de operações de paz legítimas e duradouras, alinhadas com os valores da Instituição: dignidade, justiça e igualdade para todos.
Figura 1 - Participação de mulheres militares do Exército nas operações de paz
Fonte: Elaborado pelo autor (2025).
REFERÊNCIAS
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