A atuação da Unidade Militar de Emergência da Espanha: um modelo inspirador para o Brasil

Autores: Cel Raphael Alves
Quarta, 09 Julho 2025
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A intensificação dos desastres naturais no Brasil, notadamente inundações, incêndios florestais e deslizamentos de terra, exige a revisão contínua das estruturas estatais de resposta e mitigação. Nesse contexto, a experiência espanhola com a criação da Unidade Militar de Emergência (UME) apresenta-se como uma referência relevante de organização, eficiência e integração entre defesa e proteção civil. As Forças Armadas do Brasil possuem condições favoráveis para refletir sobre a adoção de um modelo semelhante.

A UME, criada em 2005 pelo governo espanhol, constitui uma força militar especializada em atuar em situações de catástrofe. Organizada de forma permanente, com cadeia de comando própria e treinamento específico, sua atuação é pautada na rapidez de mobilização, na articulação com órgãos civis e no foco em salvaguardar vidas e bens. Desde sua criação, participou de operações de alto impacto, como as inundações em Valência, onde seu desempenho foi decisivo para a contenção dos danos e para a recuperação da normalidade em curto prazo.

No Brasil, o apoio das Forças Armadas à Defesa Civil ocorre, em geral, por meio de solicitações específicas, com atuação eventual. Embora as Forças possuam notável capacidade de mobilização, transporte, engenharia e logística, sua contribuição em desastres está condicionada a acionamentos pontuais, o que pode limitar a agilidade necessária em certos contextos. A inexistência, até o momento, de uma estrutura militar específica voltada exclusivamente à resposta a desastres naturais representa uma oportunidade estratégica de aprimoramento.

A proposta de criação de uma Unidade Militar brasileira com perfil semelhante ao da UME não pressupõe a militarização da Defesa Civil, mas sim a construção de uma ponte entre a expertise das Forças Armadas e as necessidades de resposta civil emergencial. Trata-se de refletir sobre um modelo permanente, articulado, treinado e disponível em tempo integral, com protocolos claros de atuação em parceria com os entes federativos e órgãos de proteção e defesa civil.

Tudo isso implica reconhecer que a resposta a desastres não pode depender apenas da boa vontade momentânea ou da improvisação. Exige planejamento, presença institucional e clareza de responsabilidades. A UME da Espanha representa justamente essa lógica: uma força que está pronta antes da crise, que atua durante com precisão e que permanece depois para reconstrução e apoio logístico.

No contexto brasileiro, a criação de uma Unidade Militar de Emergência poderia preencher lacunas históricas na atuação em catástrofes. A articulação entre Defesa e Proteção Civil ganharia em institucionalidade, previsibilidade e alcance nacional. Estados com maior vulnerabilidade climática, como os da região Norte e Nordeste, seriam especialmente beneficiados por uma estrutura federal capaz de atuar de forma rápida e integrada, sem depender exclusivamente da mobilização local.

Além disso, uma estrutura militar permanente voltada à gestão de riscos e desastres pode atuar de forma preventiva, em campanhas educativas, mapeamento de áreas de risco, simulações e treinamentos com comunidades e agentes civis. Ou seja, não se trata apenas de reagir, mas de construir uma cultura de prevenção, alinhada aos princípios da Defesa Civil moderna.

É natural que a eventual implementação de uma Unidade Militar de Emergência no Brasil demande análises legislativas, orçamentárias e doutrinárias. No entanto, experiências recentes, como as ocorridas em Brumadinho, nas enchentes em Petrópolis, no Amapá, no Rio Grande do Sul, entre outros eventos, evidenciam desafios significativos enfrentados pelo Estado nas ações de resposta. Tais episódios reforçam a importância de se considerar avanços estruturais que complementem os esforços operacionais já em curso, com foco no planejamento integrado e na atuação coordenada entre os diversos órgãos envolvidos.

O modelo espanhol é bem-sucedido, não porque a Espanha enfrente menos desafios climáticos que o Brasil, mas porque compreendeu que a gestão de desastres é uma questão de segurança nacional e de bem-estar da população. O Brasil, com sua dimensão continental e sua complexa diversidade socioambiental, possui razões adicionais para refletir sobre o investimento em uma resposta militar estruturada, profissional e em parceria com a Defesa Civil.

A proposta de uma Unidade Militar de Emergência nacional insere-se em um contexto mais amplo de fortalecimento das políticas de gestão de riscos e resposta a desastres. Isso representa o reconhecimento de que é necessário superar práticas baseadas na improvisação, valorizando a preparação e a prontidão das instituições diante da responsabilidade que envolve a preservação de vidas humanas.

Diante do agravamento dos desastres naturais, torna-se oportuno refletir sobre decisões estruturantes que fortaleçam a capacidade de resposta nacional. Olhar para experiências exitosas no exterior, como a da UME, pode representar um passo importante para construir um modelo eficiente, ágil e comprometido com a preservação da vida.

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Muito bom saber que existem militares que pensam sobre a criação de uma Unidade Militar de Emergência no Brasil com base nos modelos exteriores, apesar das nossas nuances e tamanho contneltal. A capilaridade das Forças Armadas com a expertise da Defesa Civil é uma excelente parceria para melhor enfrentar os desastres naturais, como enchentes, rompimentos de barragens e incêndios. A ideia  de fomentar esse tipo de unidade é fundamental para o planejamento e atuaçãonas regiões mais vulneráveis, ajudandando, inclusive, na prevenir problemas, garantindo a segurança das pessoas. Seguir os modelos apreentados pode ser um passo importante para melhorar a proteção da população diante dos desastres, que sabemos, estão aumentando cada vez mais!

Interessante a proposta. No entanto acredito que o conceito de força tarefa, onde a constituição do efetivo e os equipamentos sejam rapidamente agrupados para responder a qualquer tipo de eventualidade, seja mais adequado. Talvez a expertise espanhola possa ser estudada no que se refere ao adestramento e equipamentos. Parabéns pelo artigo e tomara que este estudo possa evoluir para aprimoramento da Força terrestre.

O artigo trata de tema relevante e atual. De fato, a experiência da UME espanhola oferece aprendizados valiosos. No entanto, discordo da proposta de criar uma estrutura semelhante no Brasil, por razões de gestão, financeiras, legais, estruturais, doutrinárias e operacionais.

Me graduei no “Curso de Gestión de Catástrofes”, na própria UME - Madrid, no início de 2025, e atesto a excelência técnica e profissional do modelo espanhol e daqueles militares. Todavia, as realidades geográfica, institucional e geopolítica da Espanha e do Brasil são diametralmente distintas. Importar tal estrutura resultaria em baixa efetividade, baixa prontidão, custos elevados e risco de desvio de função para as Forças Armadas, especialmente diante das restrições orçamentárias da Defesa.

No Brasil, a atuação militar em apoio à Proteção e Defesa Civil deve continuar episódica e temporária, ancorada nas capacidades já existentes: mobilidade, logística, transposição de obstáculos, hospitais de campanha, emprego de helicópteros, transporte aéreo logístico, Evacuações Aeromédicas, lançamento de abrigos temporários e Comando e Controle. O protagonismo institucional e na gestão, por sua vez, é do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), não do Ministério da Defesa.

A crítica de que o Brasil não dispõe de estrutura militar voltada à resposta a desastres não procede. Enquanto a Espanha carece de Corpos de Bombeiros Militares, o Brasil os possui em todos os estados. Minas Gerais, estado pouco maior que a Espanha, por exemplo, tem cerca de 5.800 bombeiros militares — quase o dobro do efetivo total da UME (3.100). O desafio brasileiro está na articulação interestadual, não na criação de uma nova estrutura.

As Forças Armadas já contribuem decisivamente por meio de Comandos Conjuntos temporários, com vocação interagências, supervisão do MD, por meio da CHOC e articulação direta com a SEDEC. Esses comandos têm demonstrado elevada eficácia em eventos recentes. É possível aprimorá-los, mas não há evidência de que uma estrutura militar permanente seria mais eficiente ou eficaz.

Também considero arriscada a sugestão de que uma força militar atue em ações preventivas — como mapeamento de riscos ou campanhas educativas. Tais responsabilidades são civis e estão previstas no SINPDEC. A criação de estruturas paralelas poderia gerar redundâncias, conflitos institucionais e desresponsabilização dos entes federativos.

Em síntese: o modelo espanhol é exemplar e útil como referência técnica. Devemos sim intensificar os intercâmbios com a UME e fortalecer os mecanismos de resposta, com profissionalismo e planejamento. As Forças Armadas têm papel relevante, mas dentro dos limites da Defesa Nacional. As quatro fases do processo de P&DC (prevenção, mitigação, preparação e resposta) devem permanecer sob liderança do MIDR, com apoio militar subsidiário, coordenado e pontual. A solução para a falta de profissionais na fase de resposta está na valorização dos Bombeiros Militares e nas articulação interestadual com supervisão federal.

Cordialmente

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