A AMAN e a manutenção dos valores militares

Autores: Coronel da Reserva Mario Hecksher Neto
Segunda, 23 Outubro 2017
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Nas últimas décadas, devido à série de fatores que não serão comentados neste texto, a sociedade brasileira foi se modificando e, pouco a pouco, a população foi deixando de cultivar valores importantes, anteriormente reconhecidos como necessários ao aperfeiçoamento do indivíduo e ao convívio social harmônico, seja no exercício das diversas profissões, seja no relacionamento interpessoal. Para o Exército Brasileiro, que recebe seu pessoal dessa sociedade, as citadas mudanças tornaram-se grave problema a ser enfrentado, uma vez que vêm causando a progressiva deterioração de valores militares fundamentais, como patriotismo, espírito de corpo, disciplina e respeito às leis, à hierarquia, aos camaradas e às pessoas em geral.

No caminho da depreciação dos valores militares, vê-se, como consequência, a progressiva destruição das tradições castrenses, pois cidadãos que têm valores diferentes não podem ter as mesmas tradições. Estas são os elos da corrente de coesão que une o passado ao presente e que permitem o entendimento entre as antigas e as novas gerações de profissionais militares. Além disso, são o estabelecimento de laços de liderança entre os diversos níveis da hierarquia. Sem sólidas tradições, prejudica-se o bom funcionamento da Instituição.

Por isso, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), escola formadora dos oficiais combatentes do Exército Brasileiro, é preciso executar um trabalho proficiente, que sustente a formação correta dos cadetes que, dentro em pouco, integrarão a coluna vertebral da Instituição. É fundamental formar oficiais motivados e compromissados, capazes de fornecer aos seus futuros subordinados exemplos pessoais ligados aos valores militares que o Exército precisa manter.

A seguir, será mostrado o core de valores fundamentais que precisam ser internalizados por aqueles que comandarão outros militares e que administrarão os meios coercitivos mais poderosos de que o Estado dispõe. Internalizar ou interiorizar um valor é o processo pelo qual a pessoa, inconscientemente, incorpora ao seu caráter um valor, que foi para ela identificado por outro indivíduo ou por um grupo social.

Do ponto de vista filosófico, o termo "valor" refere-se a uma propriedade das coisas ou do comportamento individual pelo qual é satisfeito um determinado fim, julgado relevante por um grupo. A lealdade, por exemplo, é valor essencial para quem precisa trabalhar em grupo, como é o caso dos militares.

Imagine-se um grupo militar no qual os integrantes sejam desleais. Nessa situação, as pessoas não confiarão umas nas outras. Isto será trágico, porque, em tal equipe, não haverá cooperação, camaradagem e coesão, o que impossibilita o trabalho com unidade de propósitos, em busca do cumprimento das missões.

É relevante destacar que cada conjunto humano costuma ter os seus próprios valores e que o grupo militar tem os seus muito bem identificados. Os valores militares delimitam a cultura grupal, auxiliam na construção do caráter de seus integrantes e, em consequência, balizam as suas atitudes. No Exército, isso ainda acontece porque a maioria de seus integrantes internalizou os valores grupais.

Os valores, quando incorporados, tornam-se características individuais ou atributos da área afetiva, que levam a pessoa a agir de uma determinada maneira. Conforme um antigo glossário do Centro de Estudos de Pessoal (CEP), um atributo da área afetiva pode ser definido como uma característica relativamente consistente do indivíduo para responder, de uma determinada maneira, às situações que se apresentam.

Na AMAN, o discente deverá identificar e internalizar valores imprescindíveis à formação de seu caráter, para que possa, no futuro, comandar grupos militares, tornando-se, com suas atitudes, exemplo vivo desses valores. Desse modo, se um cadete internalizou o valor "lealdade", pode-se inferir que esse militar tenderá a agir de maneira leal com superiores, pares e subordinados. Se um dia falhar, tanto o grupo, quanto a própria consciência o acusarão.

Mas, o que vem a ser "caráter"?

No sentido geral, é o conjunto das características individuais e das condições fundamentais de inteligência, de sensibilidade e de vontade que distinguem uma pessoa das demais. Sob o aspecto moral, é a energia da vontade e a firmeza de princípios e propósitos que conferem ao indivíduo uma diretriz bem definida em sua conduta. Essas são as características da chamada "pessoa de caráter", isto é, daquela que possui o "senso moral" corretamente orientado.

No estudo da personalidade, podem ser considerados dois aspectos:
- o hereditário (temperamental); e
- o psicossocial / ambiental (caracterológico).

Assim, a base hereditária da personalidade expressa-se por meio do "temperamento", enquanto que o "caráter" representa a face ambiental.

Não é tarefa simples obter modificações no temperamento ou no caráter de alguém. Segundo Daniel Goleman, em seu livro Inteligência Emocional (1995), para se modificar, o indivíduo deverá adquirir consciência das próprias emoções, aptidão indispensável e sobre a qual se fundam outras, como o equilíbrio emocional, base da autodisciplina, que era citada por Aristóteles como princípio fundamental do caráter.

O caráter consolida-se conforme o ser humano internaliza valores nos cinco níveis taxonômicos do domínio afetivo: receptividade, resposta, valorização, organização e caracterização. Na AMAN, procura-se obter a adequação do caráter dos discentes. O que se deseja é desenvolver nesses jovens um caráter compatível com as exigências da cidadania e com as necessidades da vida militar, particularmente, aquelas impostas pelas situações de combate, dando aos discentes instrumentos que os capacitem a comandar, com proficiência, na paz e na guerra.

Considera-se que obter a internalização dos valores militares pelos cadetes é a parte mais difícil e complexa da formação.

Mas, por que motivo essa internalização de valores deve ser obtida?

Ocorre que, no futuro, os cadetes terão não só que comandar seus subordinados de forma correta - chefiando, administrando e liderando -, mas também que ser "administradores da violência", uma vez que o Estado colocará nas mãos desses militares os meios coercitivos mais poderosos, para que sejam empregados na defesa dos legítimos interesses da Nação. Portanto, o futuro oficial deve possuir caráter bem formado, a fim de utilizar corretamente esses recursos.

Para que isso aconteça, quais são, no mínimo, os valores que precisam ser internalizados pelos cadetes?

Para que se tenha um bom entendimento da questão, os valores serão divididos em três grupos. No primeiro, estão relacionados os valores ligados à integridade de caráter: disciplina, honra, honestidade, lealdade, senso de justiça e respeito. Eles são fundamentais, pois constituem alicerces do bom caráter, além de ser importantes tanto para os militares, quanto para as pessoas de bem.

No segundo grupo, estão os valores chamados cívico - profissionais: patriotismo/civismo, espírito de corpo e camaradagem. Eles se referem, respectivamente, à Pátria, ao Exército e aos Irmãos de Armas.

Para os militares, são valores básicos e devem fazer parte do caráter do soldado, em todos os postos e graduações.

No terceiro, estão os valores impostos pelas necessidades profissionais, os quais, quando internalizados, ajudam a moldar o caráter do soldado eficiente e, principalmente, do bom comandante que, por intermédio da confiança que inspira com suas atitudes, consegue influenciar os subordinados, liderando-os. São eles: adaptabilidade, autoconfiança, comunicabilidade, coerência, cooperação, coragem, criatividade, decisão, dedicação, direção, entusiasmo, equilíbrio emocional, iniciativa, persistência, responsabilidade, autoridade, empatia, paciência e tato.

Esses quatro últimos valores dizem respeito à melhor maneira para se corrigir os subordinados, que devem ser orientados pelo comandante com "sereno rigor", o que significa emprego simultâneo de firme autoridade, conjugada com empatia, paciência e tato.

É esse o core dos valores militares que, num primeiro passo, precisam ser identificados para os Cadetes de Caxias, permitindo que venham a internalizá-los.

Por fim, pode-se afirmar que, enquanto os cadetes, futuros comandantes da Força, internalizarem os valores acima identificados, o Exército, certamente, permanecerá disciplinado, coeso e motivado, sempre em busca da capacidade operacional necessária para cumprir suas missões constitucionais.

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Comentarios

Comentarios
Parabéns, Cel Hecksher, pelo texto: claro, preciso e conciso, expressou, de forma brilhante, a alma do militar.
Texto muito bem explanado. Já logo no início o acerto nas causas da mudança de comportamento da sociedade para pior é marcante. Penso que os valores e referências patrióticas do Brasil parecem estar sendo sucumbidos de maneira deliberada por motivos e interesses ainda não decifráveis. O grande pacificador e patrono do exército brasileiro parece estar esquecido nos nossos livros de história atuais. Um indivíduo disse há tempos atrás em entrevista a uma rádio gaúcha que o patrono do exército brasileiro deveria ser Che Guevara e ainda disse coisas depreciativas sobre o nosso respeitável Duque de Caxias o eterno patrono verde-oliva. Isso aos ouvidos de jovens sem esclarecimentos mínimos serve de incentivo aos interesses antipatrióticos haja vista o enorme número de vestimentas com estampas do rosto desse improvável herói dos pobres. Os anos que antecederam a intervenção civil/militar de 1964 foram marcados por graves acontecimentos principalmente pelo contágio do golpe de estado em Cuba por Fidel e Che. Os anos 1950 e 1960 foram marcados por um intenso debate sobre a educação brasileira. O Brasil era considerado uma pátria “mal-educada”, com índices de analfabetismo alarmantes. Esse quadro de penúria favoreceu em muito a difusão do comunismo no Brasil como forma de cura para todos os males. A guerra fria entre a URSS e os EUA servia de combustível para a degradação geral. Em 17 de dezembro de 1961, ocorreu o espetáculo mais triste do Brasil. Mais de 500 pessoas, sendo 70% crianças, morreram após o fogo se alastrar pelo Gran Circo Norte-Americano. A perícia deu como ação criminosa, pois os praticantes do crime foram identificados e confessaram o feito. Embora houvesse insinuações de que fora ação comunista por ser um circo norte americano, o que prevaleceu foi mesmo uma vingança dos três trabalhadores demitidos dias antes dessa tragédia. De uma forma ou de outra fica bem claro como andava instinto humano brasileiro devido ao estado de coisas que cada vez mais inflava o balão de ensaio da discórdia que viria pouco tempo depois. Antes, porém dessa tragédia horrível, em 25 de agosto de 1961, o presidente da Repúbica Jânio quadros havia renunciado alegando que forças terríveis o obrigavam a fazê-lo. Com a ascensão de Jango ao poder as coisas desandaram de vez. Um país desacreditado, sem autoridade, cheio de aventuras arriscadas, falido e sem perspectiva nenhuma nem em médio prazo. O povo em sua maioria absoluta aclamava pelo resgate de nossos valores tradicionais e o lema era: “Deus, Pátria e Família”. Atendendo ao clamor popular, as FFAA intervieram. Com a volta do civil ao poder, as coisas ainda não se firmaram e as mesmas assombrações, rondam histéricas com a finalidade única de promoverem um caos e afanarem de vez a nossa Pátria querida. O argumento nojento que veicula hoje em dia pelos derrotados inconformados e invejosos, é que a culpa do Brasil estar mal até hoje é única e exclusivamente dos militares. Mas estes apátridas são capazes de culpar os nossos militares até mesmo se um cataclismo atingir o Brasil, isso faz parte da formação pérfida desses falsos heróis do povo. É mister que as três forças armadas sempre coesas estejam sempre atentas quanto ao rumo da nação e se por ventura ela for envolvida pelo inimigo, a história se repetirá, mas dessa vez não deverá sobrar nenhum dos opositores para contar suas versões mentirosas no futuro.
A bandidagem tomou conta de nossa amada Pátria, estão pintando e bordando. Se apoderaram também de grande parte da alta corte, que vai soltando os bandidos corruptos. Salvem nossa nação. Senhores Generais. INTERVENÇÃO MILITAR URGENTE.....
Ao Cel Hechsher, meu antigo Chefe, parabéns pelo texto elucidativo e claro. Impecável!
Errata desconsiderar o comentário anterior por favor. Quando ouço dizer que o regime militar é o culpado dessa vergonha atual, me dá uma vontade...deixa pra lá. Olha que nem militar sou. https://www.youtube.com/watch?v=ggp1imcSDYY
Texto de irrepreensível, Cel Hecksher. Com o Sr muito aprendi, quer como cadete, quer como oficial. Foi um privilégio ter servido com o Sr na nossa querida AMAN. Desejo ao Sr, INFANTE primeiríssima qualidade, muitos anos de vida para que possa continuar transmitindo aos nossos cadetes relevantes ensinamentos.Forte abraço.
Parabéns ao grande líder, Cel Hecksher, que tive a honra de conhecer como CMT CC nos anos de 1993 a 1995. Os valores que faltam ao nosso povo decorrem da deseducação ou falta de educação que os direcione ao caminho correto, bem como à falta de postura punitiva adequada por parte do poder estatal, de modo a reprimir os intransigentes.
Enquanto existirem a AMAN e os seus cadetes, o Brasil pode ficar tranquilo.

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