HISTÓRICO
No dia 15 de maio de 2005, há exatos 20 anos, 21 militares do Exército Brasileiro iniciavam seus desdobramentos na Missão das Nações Unidas no Sudão (UNMIS). Conhecida no ambiente das Nações Unidas como “UNMIS single S”, esta missão foi estabelecida pela Resolução Nr 1590 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 24 de março de 2005, e em menos de 2 meses o Exército Brasileiro se fez presente e ativo nos esforços pela paz na região.
A “UNMIS Single S” tinha por grande objetivo apoiar e fiscalizar o acordo de paz assinado em 9 de janeiro de 2005, Comprehensive Peace Agreement – 2005 (CPA/2005), entre o Governo do Sudão e o Movimento/Exército Popular de Libertação do Sudão (Sudan People’s Liberation Movement/Army – SPLA/M), que pôs fim, a mais de 20 anos de Guerra Civil entre o Sul e o Norte do Sudão. Essa guerra vitimou cerca de 2 milhões de pessoas, o que a faz ser considerada um dos mais danosos conflitos da história.
Os desafios enfrentados pelos Peacekeepers brasileiros desdobrados em 2005 nos permitem dimensionar as dificuldades vividas pela população do Sudão do Sul. À época, nossos Observadores Militares foram desdobrados em localidades sem água potável e energia elétrica, entre outros recursos básicos que, sequer faziam parte do imaginário da população local. A precariedade também se estendia ao campo das comunicações, limitando severamente o contato entre os militares brasileiros e seus familiares.
Monitoramento da Situação de Segurança – 2005 |
Team Site WAU – 2005 |
No prosseguimento do CPA-2005, em meados de 2011, foi realizado um referendo em que 99% da população do Sudão do Sul foi a favor da independência. Esse passo foi o marco inicial do processo que seria oficialmente encerrado com a declaração de autonomia em 9 de julho de 2011, sendo reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) neste mesmo dia.
O amplo apoio da ONU à independência do Sudão do Sul foi materializado pela Resolução Nr 1996 do seu Conselho de Segurança, que resolveu criar a Missão das Nações Unidas no Sudão Sul (UNMISS) em 8 de julho de 2011, um dia antes da declaração de independência desta que até hoje é a mais jovem nação do Sistema Internacional, desdobrando em curto prazo cerca de 8.000 militares para garantir a manutenção da paz na região. Merece destaque, que por ocasião da criação da UNMISS, ocorreu o aproveitamento imediato dos efetivos até então desdobrados na UNMIS, incluindo militares brasileiros que ocuparam posição de destaque na então recém-criada Missão da ONU.
Após a independência, o Sudão do Sul não foi exceção à difícil realidade dos países africanos, sendo acometido por disputas internas pelo poder que impulsionaram uma triste Guerra Civil entre 2013 e 2020, na qual os dois maiores grupos étnicos lutaram pelo poder, vitimando cerca de 400.000 pessoas. Durante este período, a despeito do risco elevado, o Exército Brasileiro manteve o apoio à paz na região, enviando observadores e oficiais de Estado-Maior que em muito contribuíram com os trabalhos da UNMISS.
Finalmente, em meados de 2020, um novo acordo de paz foi assinado entre as partes e a paz foi relativamente restabelecida na região. Este instrumento, estabeleceu uma nova formatação de Governo de Transição que deverá conduzir os destinos do país, até a realização das primeiras eleições democráticas, atualmente previstas para dezembro de 2026.
A ATUAL SITUAÇÃO DO SUDÃO DO SUL E A CONTRIBUIÇÃO DA UNMISS
Após cerca de 14 anos de independência, o Sudão do Sul ainda enfrenta desafios vultuosos que dificilmente serão superados sem o apoio da Comunidade Internacional.
Segundo dados oficiais, cerca de 9 milhões de pessoas, o equivalente a 75% da população do Sudão do Sul, encontram-se abaixo da linha da pobreza em cenário de significativa insegurança alimentar. O país lidera ainda o ranking mundial de analfabetismo, com cerca de 73% de analfabetos em sua população. Além disso, o país possui cerca de 1,8 milhões de deslocados internos, que foram obrigados a abandonar suas residências por conta de conflitos locais e/ou pela deterioração das condições humanitárias, a grande maioria dessas pessoas vivem em campos de deslocados recebendo apoio das Nações Unidas.
O ambiente político ainda reflete a tradicional disputa étnica entre os dois maiores grupos (DINKA x NUER), dificultando ao máximo a implementação de política de Estado para reversão do quadro de extremo subdesenvolvimento. Como exemplo, em meados de março do corrente ano, o 1º Vice-Presidente do Sudão do Sul, RIEK MACHAR, líder do grupo étnico NUER foi colocado em prisão domiciliar, dando início a mais uma crise institucional com elevado potencial para dissolver o acordo de paz assinado em 2020.
Além disso, a Guerra Civil no SUDÃO, iniciada em 2023, estabeleceu relevante fluxo de refugiados que agrava a situação de crise humanitária no Sudão do Sul. Atualmente, estima-se que cerca de 500 mil sudaneses buscam refúgio permanente ou temporário na região. O referido conflito impactou a exportação de petróleo do Sudão do Sul, impactando o Produto Interno Bruto (PIB) em cerca de 90%, o que tem causado severos atrasos em pagamentos de salários aos funcionários públicos e às Forças de Segurança, causando um aumento significativo na criminalidade no país.
Diante deste desafiador cenário, a UNMISS exerce relevante papel no apoio ao desenvolvimento e à manutenção da paz no Sudão do Sul. Cerca de 20 mil pessoas, entre militares, civis estrangeiros e cidadãos do país atuam nos diversos setores da missão em busca de ajudar na solução dos inúmeros problemas do país.
No que tange à Componente Militar, sob liderança do Lieutenent General MOHAN SUBRAMANIAN, Force Commander, oriundo da República da Índia, a UNMISS representa uma Divisão de Exército, composta por 6 Brigadas responsáveis pelos setores da missão. Ao todo, um efetivo de 14.800 militares integra o braço forte da Missão da ONU no Sudão do Sul, sendo responsável pela garantia do ambiente seguro e estável para atuação dos demais componentes da missão.
A ATUAL PARTICIPAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO NA UNMISS
Ao longo de 20 anos de apoio, o Exército Brasileiro desdobrou 223 militares na região que em muito contribuíram com o esforço das Nações Unidas para manutenção da paz do Sudão do Sul.
Atualmente, o Exército Brasileiro apoia a busca pela paz com 4 (quatro) oficiais de Estado-Maior e 3 Observadores Militares que integram a Componente Militar da Missão.
Os oficiais de Estado-Maior brasileiros atuam nas áreas de Inteligência, Planejamento de Operações, Capacitação/Treinamento, Gestão/Planejamento Administrativo e Controle/Inspeção de Material, projetando a imagem da nossa Força Terrestre em ambiente multinacional.
Controle e Inspeção de Material |
Capacitação de Pessoal |
Engajamento de Líderes Comunitários |
Monitoramento da Situação de Segurança |
Gestão e Planejamento Administrativo |
Inteligência e Planejamento de Operações |
Os Observadores Militares encontram-se desdobrados em Team Sites e na Célula de Coordenação Geral, sendo responsáveis pelo monitoramento e acompanhamento da situação humanitária e de segurança nos estados de EQUATORIA CENTRAL e EQUATORIA ORIENTAL.
OS FUTUROS DESAFIOS À MANUTENÇÃO DA PAZ NO SUDÃO DO SUL
O atual mandato da UNMISS, renovado em 8 de maio do corrente pela Resolução Nr 2779 do Conselho de Segurança, amparado pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas, está estruturado em 4 (quatro) grandes pilares:
a) Proteção de Civis;
b) Criação das condições necessárias para Assistência Humanitária;
c) Suporte à implementação do Acordo de Paz Revitalizado; e
d) Monitoramento, Investigação e Denúncia de Violações do Direito Humanitário e dos Direitos Humanos.
A despeito da amplitude do seu arcabouço legal, as dificuldades vividas em campo aumentam a complexidade das tarefas propostas. O longo tempo de desdobramento na região gera desgastes significativos junto à liderança do país, impactando a dinâmica operacional da missão.
Consoante ao seu mandato, cabe à UNMISS reportar toda e qualquer violação aos direitos humanos. Neste sentido, anualmente os relatórios da missão causam certo embaraço no ambiente político do Sudão do Sul, dificultando as relações institucionais entre a Missão da ONU e o Governo do Sudão do Sul.
Além disso, a medida em que as Forças de Segurança do Sudão do Sul prosseguem em seu lento processo de maturação institucional, observa-se um aumento da restrição de movimento às tropas da UNMISS. Aparentemente, a presença de uma Força Multinacional Estrangeira causa desconforto às Forças de Segurança do Sudão do Sul que, recorrentemente, sentem-se “invadidas” em sua esfera de competência.
No ambiente político, a tradicional disputa entre as lideranças dos principais grupos étnicos DINKA e NUER gera dúvidas quanto à capacidade do país em realizar as primeiras eleições democráticas em dezembro de 2026, importante passo que consolidaria o processo de independência iniciado em 2005. A despeito dos esforços da UNMISS para desenvolvimento da estrutura necessária, a realização do pleito ainda é incerta no contexto atual.
No campo econômico, a dependência da estrutura de oleodutos no SUDÃO é outro fator com grande capacidade de se tornar óbice de relevo, em virtude do prosseguimento da Guerra Civil no referido país e a recorrência de danos a esta estrutura vital para economia do SUDÃO DO SUL. Ainda neste campo, o recrudescimento do nacionalismo nas principais nações contribuintes da ONU e das Agências Humanitárias poderá impactar severamente a assistência à vulnerável população da região, à medida que orçamentos poderão ser reduzidos para tal tarefa.
As supracitadas dificuldades e desafios exigirão adaptabilidade e assertividade nas futuras ações da UNMISS, evitando o crescimento do indesejado sentimento “Anti-UN" conforme observado em outras missões, o que poderia vir a subdimensionar a relevante contribuição na ONU e da Comunidade Internacional para a paz no Sudão do Sul.
CONCLUSÃO
Os 20 anos de contribuição do Exército Brasileiro para a paz do Sudão do Sul materializa a contribuição nacional com o esforço cooperativo proposto pela Organização das Nações Unidas.
A despeito do não desdobramento de tropa constituída no referido período, a qualidade dos oficiais de Estado-Maior e dos Observadores Militares ressaltam a capacidade da Força Terrestre Brasileira em Operações de Paz, o que pode ser verificado por ocasião das condecorações e entrega de comendas da Componente Militar.
A despeito do ainda longo e desafiador caminho a ser percorrido pela nação amiga do Sudão do Sul, a contribuição do Brasil e do Exército Brasileiro será um dos sustentáculos para o êxito desejado.
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