160 ANOS DA RENDIÇÃO DE URUGUAIANA

Autores: Coronel R1 Carlos Mário de Souza Santos Rosa
Quarta, 17 Setembro 2025
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Uruguaiana, 18 de setembro de 1865, por volta das 15h.

O Ministro da Guerra do Império do Brasil, o conselheiro Ferraz1, conduz o comandante paraguaio que acaba de se render à presença do Imperador D. Pedro II. “O coronel Estigarribia, chefe oficial da divisão, trazia quepe e uniforme azul-escuro com gola e canhões encarnados, sem galões nem ornamentos metálicos. Figurava ter 35 anos; seu rosto impassível indicava muito pouca inteligência. Contentou-se com uma só frase, dita em voz baixa, para recomendar-se à generosidade do imperador”.2 Dito isso foi recolhido à barraca do barão do Jacuí.3

Logo a seguir, o frade Duarte foi apresentado ao soberano brasileiro. “O padre, que era ao que parece, a verdadeira cabeça dirigente da expedição, chamava-se Duarte; poderia ter 40 anos; vestia batina e chapéu redondo. É à sua iniciativa que todas as testemunhas atribuem as atrocidades cometidas em São Borja e em Itaqui, e confesso que a cínica expressão de seu rosto inteiramente justificava esta suposição, também confirmada pelo terror que dele se apoderou ao ver-se no meio dos soldados brasileiros. Não quis deixar o braço do general Cabral enquanto não chegou à presença do imperador e foi com voz trêmula que fez uma pequena fala que terminou por pedir ao imperador proteccion para mi y la libertad de mi patria.”4

Consumava-se a Rendição da coluna paraguaia que ocupava Uruguaiana.

A invasão do Rio Grande do Sul

Desde abril do ano anterior, quando a intervenção brasileira no Uruguai se delineava, Solano López determinou ao Major Pedro Duarte que arregimentasse e treinasse 10 mil homens, das 3 armas, na vila de Encarnación/Itapúa, na margem direita do rio Paraná, bem como organizasse depósitos de madeira para a construção de embarcações.

A ação do Império contra o governo de Atanásio Aguirre, 5a partir de 12 de outubro daquele ano, foi respondida como apressamento do vapor Marquês de Olinda em 12 de novembro e, com a invasão do Mato Grosso em 14 de dezembro.

No ano seguinte, López voltou suas vistas para o sul.

Em janeiro daquele ano, pediu ao então presidente argentino, Bartolomeu Mitre, trânsito livre para suas tropas se deslocarem para o Brasil, primeira etapa para apoiar os seus aliados uruguaios.

Diante da negativa portenha, López invadiu a província de Corrientes em 14 de abril, ocupando a cidade de mesmo nome, com forças comandadas pelo General Wenceslau Robles.

Em 27 do mesmo mês, o Major Duarte entregou o comando das tropas que organizara, aproximadamente 12 mil homens, ao Tenente-Coronel Antonio de la Cruz Estigarribia.

Diante da invasão paraguaia e da aliança entre López e o Partido Blanco, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança em 1º de maio.

No dia 5, uma força de 400 homens, entre infantes e cavalarianos, sob o comando do citado Major Duarte, partia da base paraguaia em ação de reconhecimento e ocupação da localidade argentina de São Tomé, às margens do Rio Uruguai, em frente a São Borja.

26 dias depois, o restante da força paraguaia, sob o comando de Estigarribia seguia em direção a São Tomé. Em 10 de junho, aquela força atravessava o Rio Uruguai: iniciava-se a invasão do Rio Grande.

Junto aos paraguaios, integrantes do Partido Blanco engrossavam as colunas de marcha, desejosos de reverter a situação política do seu país.

A tropa guarani dividiu-se em duas colunas. A principal, sob o comando de Estigarribia, após ocupar e saquear São Borja, se dirigiu para a vila de Itaqui, seguida, na outra margem do Rio Uruguai pela comandada por Duarte.

No dia 7 de julho, Estigarribia entrou em Itaqui e, 11 dias depois, cruzou o Rio Ibicuí. A 28 daquele mês, recebeu ordem de ocupar Uruguaiana e a seguir rumar para Alegrete.

Em 5 de agosto, com pouca oposição brasileira, os paraguaios entravam em Uruguaiana, abandonada às pressas pela população.

A ocupação

O que seria um trampolim tornou-se uma ratoeira.

Um dia após a invasão do Rio Grande do Sul, a Armada Brasileira destroçou sua congênere paraguaia na foz do Riachuelo, 120 km ao sul de Corriente, cortando qualquer possibilidade de apoio naval a Estigarribia.

A partir de 31 de julho, com a chegada do rebocador Uruguai e dos lanchões São João e Garibaldi, comandados pelo então 1º Tenente de Artilharia Floriano Peixoto, a ligação entre as duas colunas invasoras foi interrompida.

No dia 17 de agosto, a coluna do Major Duarte deixa de existir: trava-se o combate de Yatay, onde brasileiros e uruguaios batem os paraguaios, ao saldo de 1.700 mortos da coluna invasora, 300 feridos e 1.200 prisioneiros, inclusive o comandante.

As tropas brasileiras, que até então apenas fustigavam a coluna Estigarribia, reforçadas por argentinos e uruguaios, bem como voluntários, passaram a cercar Uruguaiana por terra.

No dia 19 de agosto, a tentativa paraguaia de romper o cerco, restou infrutífera. No dia seguinte, o Tenente-General Barão de Porto Alegre6chegou à localidade e assumiu o comando como chefe do exército.

Em 21 de agosto, uma esquadrilha sob o comando de Tamandaré, composta de quatro vapores e alguns lanchões, e trazendo o corpo de zuavos7, e mais 1.500 praças de desembarque apresentou-se em frente de Uruguaiana: fechara-se o cerco.

Diante da localidade, 17.0388 aliados esperavam a ordem de ataque, enquanto no seu interior, cerca de 7.000 paraguaios a temiam.

A partir de então, a queda da praça se tornou uma questão de tempo. Quase que diariamente paraguaios desertavam das forças de Estigarribia.

Por várias vezes, foram feitas tentativas de se chegar a um acordo que evitasse derramamento de sangue desnecessário, todas frustradas pela ação do citado frade Duarte.

Em 11 de setembro, o próprio Imperador D. Pedro II chegava a Uruguaiana e juntava-se aos presidentes Mitre da Argentina e Flores do Uruguai.

No dia 17, decidiu-se que o ataque se daria no dia seguinte.

A rendição

No dia 18, por volta do meio dia, o Barão de Porto Alegre, em nome dos aliados, se dirigiu ao inimigo instando-o a se render mais uma vez, lhe dando duas horas para responder.

Dessa vez a resposta veio diferente. O comandante da força invasora aceitava a proposta aliada, mas estabelecia condições, na maior parte aceitas, mas que demandaram mais tempo de negociações e um novo prazo.

Durante aquele interregno, deu-se um evento insólito: soldados brasileiros que acompanhavam as negociações confraternizaram-se com os invasores.

Os nossos soldados convidaram os paraguaios a os acompanhar a nosso acampamento. Muitos aceitaram o convite, largaram as armas no parapeito das trincheiras e se engaruparam com aqueles que os queriam conduzir, e por esta forma mais de mil soldados paraguaios se entregaram antes que Estigarribia desse sua resposta definitiva”.9

Findo o prazo final, a força invasora apresentou-se à discrição dos aliados, sendo lhe concedido tratamento humanitário aos 5.545 homens, sendo 59 oficiais.

O espólio de guerra rendeu seis bocas de fogo, 540 espadas com talins, 850 lanças, 34 clavinas, 110 pistolas, 3.690 espingardas de adarme 17, 3.700 cinturões com patronas, 231.000 cartuchos, sete bandeiras, 19 carretas, uma carretilha.10

Terminava de forma melancólica a tentativa de Solano López de ser árbitro do Prata.

Seriam necessários mais 5 anos para que as quatro nações voltassem à fraternidade entre si.

REFERÊNCIAS:

GAY, João Pedro. Invasão paraguaia na fronteira brasileira do Uruguai Comentada e aditada pelo major Sousa Docca. v.177. Brasília. Senado Federal. 2014.

MOREIRA BENTO, C. Evocação da Guerra do Paraguai. A Defesa Nacional, v. 56, n. 632, 25 nov. 2021.

REIS BOÍTEUX, N. A Guerra do Paraguai em Números. A Defesa Nacional, v. 86, n. 788, 28 jul. 2020.

SORIANO NETO, M. Guerra do Paraguai Aspectos Sumários. A Defesa Nacional, v. 87, n. 791, 29 jul. 2020.

1 Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Barão de Uruguaiana (1812-1867).

2 d'Orléans, Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston. Viagem Militar ao Rio Grande do Sul, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 139, p. 223 apud GAY, João Pedro. Invasão paraguaia na fronteira brasileira do Uruguai Comentada e aditada pelo major Sousa Docca, 2014, p 173.

3 Francisco Pedro Brusque de Abreu (1811-1891).

4 d'Orléans, Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston. (Obra cit., 223, 224.) apud GAY, João Pedro. (Obra cit.174).

5 Chefe do Partido Blanco, apoiado por Solano Lopez.

6 Manuel Marques de Sousa (1804-1875).

7 Oriundo dos Voluntários da Pátria, era unidade composta só de homens negros. O nome foi tomado das tropas coloniais francesas na Argélia

8 GAY, João Pedro. Invasão paraguaia na fronteira brasileira do Uruguai Comentada e aditada pelo major Sousa Docca. Senado Federal. 2014, p 155.

9 GAY, João Pedro. (Obra cit.,172-173)

10 GAY, João Pedro. (Obra cit.,175).

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História

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Parabéns Cel Carlos Mário! Belíssimo é instrutivo artigo! Excelente conteúdo e estilo agradável! Parabéns 🇧🇷 🇧🇷 🇧🇷 🇧🇷 

Excelente história do nosso glorioso passado do EB. Parabéns ao historiador Cel Carlos Mário!

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