“Com o sacrifício da própria vida” ... Quando render-se não é uma opção

Autor: Coronel R1 Carlos Daróz

Quarta, 24 Março 2021
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Todas as sociedades são constituídas por diferentes corporações profissionais que, não raro, reúnem homens e mulheres extremamente dedicados a seus ofícios, trabalhando com competência e de forma destacada. Existe, no entanto, uma profissão diferenciada, na qual seus integrantes, ao nela ingressarem, comprometem-se voluntariamente a doar, se necessário for, seu bem jurídico tutelado mais valioso: a própria vida. Apenas por esse aspecto singular, a profissão militar revela-se diferente de todas as demais. Ao serem incorporados às fileiras do Exército Brasileiro (EB), todos os homens e mulheres – soldados, sargentos e oficiais – prestam o compromisso de defender a Pátria “com o sacrifício da própria vida”.

No curso da história militar, não é difícil encontrar exemplos em que tal conceito foi provado no calor da batalha. No distante ano de 480 a.C., cerca de 300 guerreiros espartanos, sob as ordens de Leônidas, resistiram até a morte diante de uma investida persa no desfiladeiro das Termópilas. Em 1836, pouco mais de 200 norte-americanos permaneceram lutando até o fim no Forte Álamo, Texas, ao serem atacados por 1.800 soldados mexicanos. Menos de dez defensores da fortificação sobreviveram. Durante a Segunda Guerra Mundial, por ocasião da blitzkrieg alemã contra a França, em 1940, a 13ª Brigada britânica decidiu “ficar para trás”, a fim de cobrir e possibilitar a retirada em Dunquerque, mesmo sabendo que o destino seria a morte ou a captura.

Em nossa história militar, soldados brasileiros também foram levados até esse limite, no qual a rendição não era uma opção a ser considerada. Em dezembro de 1864, nos primeiros movimentos da Guerra da Tríplice Aliança, uma coluna paraguaia, com aproximadamente 300 homens, sob o comando do Coronel Vicente Barrios, investiu contra o Mato Grosso, tomando a direção da Colônia Militar de Dourados, um diminuto posto avançado do Exército Imperial liderado pelo Tenente de Cavalaria Antônio João Ribeiro. Ciente da notícia da aproximação de tropa inimiga de valor incontestavelmente superior, o oficial brasileiro providenciou para que a população civil da colônia fosse evacuada para um local seguro e decidiu resistir, ainda que a vitória fosse impossível. Liderando sua guarnição, não se renderia ao inimigo.

Instado à capitulação pelo Major paraguaio Martin Urbieta, Antônio João comunicou-lhe sua disposição em defender aquela longínqua porção do território de sua Pátria e enviou-lhe a resposta que entraria para a história:

- Sei que morro, mas o meu sangue e o de meus companheiros servirá como solene protesto contra a invasão do solo de minha Pátria.

Não se renderam. O Tenente Antônio João e sua guarnição não foram poupados pelos paraguaios. Em 1870, o conflito terminaria com a vitória da Tríplice Aliança. Quase 120 anos mais tarde, em 1980, Antônio João foi escolhido pelo EB como patrono do Quadro Auxiliar de Oficiais (QAO).

No entanto, extrapolando o universo dos integrantes do QAO, na verdade, o Tenente de Cavalaria Antônio João representa o compromisso perene e o espírito de sacrifício do soldado do Exército de Caxias, pronto para, se necessário for, entregar seu bem maior – a vida – na defesa da Pátria.

Não se rendeu... entrou para a história com “o sacrifício da própria vida”.

Comentarios

Comentarios
Gostei da narração sobre o tenente de cavalaria Antonio João Ribeiro .
Eu sou da cidade aonde aconteceu essa historia que foi fundada com seu nome antonio joão
Tive a oportunidade de servir como 1° Sgt junto ao então Cap Art Daroz, na memorável AMAN, nos idos de 2005 a 2007. Belo texto que retrata não só o valor de bravos brasileiros que deram a vida em prol da defesa de nossa Pátria, mas também o valor do Patrono dos Oficiais QAO do nosso glorioso Exército, que assentou praça (Sd) e galgou todos os postos e graduações até tenente por meritocracia. Este fato ocorrido com o Ten Antonio João só dignifica o valor de nossos militares.
Belo texto para mostrar uma das características da profissão das armas, servir de lembrança do que fizeram alguns dos que nos precederam e de exemplo aos que herdarão nossa nação.
O Tenente Antônio João é um grande exemplo!!! Me sinto honrado em fazer parte da Reserva Pró-Ativa, sempre pronto para servir. Conte comigo EB, estou 24 h à disposição!!!
Honroso pertencer a este Exército onde temos cidadãos q realmente tem orgulho do q fazem e conviccao da sua escolha!!!
Na realidade, Antônio João não proferiu a frase conforme citada pelo Cel Daroz, o que não diminui de modo algum a grandeza de sua atitude. A frase "Sei que morro..." teria sido criada a posteriori, supostamente pelo visconde de Taunay, e teria sido escrita por Antônio João a lápis em um pretenso bilhete enviado a Cuiabá, do qual nunca se soube. A própria eloquência da frase sugere autoria de alguém dotado de educação mais refinada que Antônio João, um homem simples da fronteira, que frequentara o curso da Escola Militar na condição de ouvinte. O que se sabe ao certo, com base na parte de combate do Maj Urbieta, o comandante da coluna paraguaia, é que, instado a render-se, Antônio João teria perguntado a seu atacante se ele trazia ordens do Império para que o fizesse, na falta da qual não se renderia. Antônio João foi morto nos primeiros tiros disparados, mas nem todos os seus subordinados tiveram o mesmo destino; alguns conseguiram fugir.
Fico feliz em constatar que os integrantes do Exército dos dias atuais continuam com o mesmo espírito Patriótico que encontrei durante todo o tempo em que servi ao meu Exército e a minha PÁTRIA. SELVA!!!
Sem desmerecer o brilhantismo e a oportunidade do texto em prol de um ideal que deve estar no peito de cada Brasileiro - "jamais render-se à adversidade", a Brigada britânica que resistiu aos ataques "panzer" em Calais era a 30ª Brigada de Infantaria, parte da 10ª Divisão de Infantaria (Irlandesa). Em três dias de sítio, 19 oficiais e 185 suboficiais, cabos e soldados morreram para que 300.000 fossem evacuados em Dunquerque. Cumpre notar os três pracinhas que morreram defendendo os companheiros detidos em um campo minado, nos movimentos de aproximação a Montese. "Drei brasilianische helden". Até o último cartucho!
Complementando o comentário anterior, cabe salientar que o grosso do esforço para retardar o avanço alemão e possibilitar o salvamento da maior parte da Força Expedicionária Britânica foi realizado pelas tropas francesas que ainda lutavam, das quais relativamente poucas puderam ser evacuadas para a Inglaterra. Os britânicos são excelentes no engrandecimento dos próprios feitos, por isso os conhecemos tão bem, mas é conveniente lembrarmo-nos também dos esforços dos outros.
Com certeza, é importante reconhecer e lembrar dos esforços das tropas francesas durante a evacuação de Dunkirk. A colaboração entre os dois países foi fundamental para o sucesso da operação. Não desmerecendo nossos compatriotas FB

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