Há 80 anos, mais precisamente no dia 29 de abril de 1945, próximo à localidade de Fornovo di Taro, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) inscreveu seu nome na história da II Guerra Mundial: foi a única tropa aliada a capturar uma divisão inimiga inteira na Campanha da Itália.
Este ensaio busca resgatar os principais acontecimentos que precederam aquele evento.
De Montese a Vignola
12 (doze) dias antes a FEB havia sangrado na tomada de Montese: 426 (quatrocentas e seis) baixas foram computadas na conquista da vila.
Com a queda das fortificações da Linha Gótica e da Linha Gengis Khan, sistemas defensivos do Eixo na Itália, as divisões alemãs e as forças remanescentes da efêmera República Social Italiana1 iniciaram uma desesperada retirada rumo ao norte, na esperança de atingirem a fronteira com a Áustria, então parte do Reich.
Entre os dias 19 e 22 de abril, a FEB consolidou a conquista do Médio Panaro2, se deslocando cerca de 19 km ao norte de Montese até a vila de Zocca primeiramente, onde entrou em 21 de abril e a seguir, realizando novo deslocamento, 24 km mais a tramontana, alcançando a localidade de Vignola em 22 de abril.
Durante todo o percurso, pôde-se observar os sinais da débâcle inimiga: o número de prisioneiros aumentou significativamente, assim como a quantidade de material bélico abandonado.
Em Vignola, o comandante brasileiro teve conhecimento que sua divisão seria a única a não participar da perseguição das forças do Eixo, sendo-lhe determinado não operar ao norte da estrada número 9.
Caberia à FEB atuar na direção noroeste, no sentido Piacenza-Turim, passando antes por Sassuolo, Montecchio Emília, Collechio, tendo como escopo cortar a rota de fuga de qualquer grupo desgarrado de inimigos.
De Vignola a Collechio
Dando prioridade à perseguição das forças do Eixo em retirada, o comandante do IV Corpo de Exército3 requisitou da tropa brasileira os seus principais meios de transporte, os caminhões GMC CCKW de 2,5 toneladas.
Diante disso, o General Mascarenhas4 reuniu seus comandantes da Infantaria5 e Artilharia6 Divisionárias em 23 de abril e expôs a necessidade de utilizar os veículos da segunda em proveito da mobilidade da primeira, obtendo imediata adesão.
Os informes falavam em 2 mil homens na região. A realidade acrescentaria milhares àquele número.
Para cumprir a missão, o General Mascarenhas determinou ao 1º Regimento de Infantaria (Regimento Sampaio) seguir a cavaleiro da citada estrada número 9, ao 6º Regimento de Infantaria (Regimento Ipiranga) atuar mais ao sul na maior parte da zona de ação dividido em 2 (dois) grupamentos, tendo o Esquadrão de Reconhecimento comandado pelo Capitão Pitaluga7, com seus blindados M8 Greyhound como ponta de lança e ao 11º Regimento de Infantaria (Regimento Tiradentes), bloqueando os eixos de deslocamento procedentes do sul da região, em especial a estrada número 63.
Com esse dispositivo, a FEB atingiu San Polo, às margens do Rio Enza, distante 58 km de Vignola em 24 de abril, no mesmo dia em que avançou seu QG para a segunda localidade.
No dia seguinte, novo deslocamento do QG, agora para Montechio Emilia.
No dia 26, após rearrumação do dispositivo, a marcha foi reiniciada em direção ao Rio Taro a cerca de 30km mais a oeste, atingida no mesmo dia a cidade de Collechio, onde o inimigo fez oposição ao citado esquadrão.
Naquela oportunidade, os informes que antes falavam em elementos da 232ª Divisão de Granadeiros (Infantaria), comandada pelo General Barão Eccart von Gablenz, passaram a falar de uma divisão inteira, provavelmente a 148ª Divisão de Infantaria que operava no setor costeiro de La Spezia e se encontrava desaparecida.
Mesmo em desvantagem, o Capitão Pitaluga engajou-se no combate e informou a situação pelo rádio, pedindo reforços.
O General Mascarenhas, em pessoa, empenhou-se em enviar os reforços que chegariam à cidade por volta das 21 horas, montados nos Shermans do 760º Batalhão de Tanques estadunidenses.
Ao longo da noite, mais tropas brasileiras se apresentaram para o combate que teve a direção do comandante do 2º batalhão do Regimento Tiradentes, o então Major Ramagem.
Ao termo de 3 (três) horas de combate, os brasileiros se apossaram da cidade, onde aprisionaram 588 (quinhentos e oitenta e oito) alemães e capturaram grande quantidade de material de emprego militar, assim como transformaram os informes em informação: tratava-se da 148ª Divisão de Infantaria, em franco movimento em direção ao norte pela estrada 62, acossada pelos partigiani8 e comandada pelo General Otto Fretter Pico.
No dia seguinte, os brasileiros consolidaram a conquista da cidade, dominando a região ao sul desta, entre os rios Taro e Baganza.
Diante dos acontecimentos, o General Mascarenhas decidiu:
- articular para o combate, na bacia do Taro, o Regimento Ipiranga, apoiado por artilharia, engenharia, carros de combate norte-americanos e o Esquadrão de Reconhecimento;
- os demais regimentos, Sampaio e Tiradentes em missões de vigilância, segurança e prosseguimento do avanço na direção noroeste.
Estava concluída a marcha para o combate.9
Com esse dispositivo, a FEB se preparou para sua última batalha: Fornovo di Taro.
REFERÊNCIAS
D. MCCANN, F. A FEB na Campanha da Itália. A Defesa Nacional, v. 76, n. 763, 29 mar. 2021.
MASCARENHAS DE MORAES, J.B. A FEB pelo seu comandante. 2ª Edição. Rio de Janeiro. BIBLIEx 2005.
MASCARENHAS DE MORAES, J.B. Memórias. 2ª Edição. Rio de Janeiro. BIBLIEx 2014
SOARES CASTELAR, H. A FEB na itália. A Defesa Nacional, v. 57, n. 641, 6 out. 2021.
1 Foi um estado-fantoche nazista com reconhecimento diplomático limitado que foi criado durante o final da Segunda Guerra Mundial, que existiu desde o início da ocupação alemã da Itália em setembro de 1943 até a rendição das tropas alemãs na Itália em maio de 1945.
2 Região do Rio Panaro compreendida entre a vila de Montespecchio e a vila de Vignola.
3 Willis Dale Crittenberger.
4 João Baptista Mascarenhas de Moraes ,comandante da FEB.
5 Euclides Zenóbio da Costa.
6 Oswaldo Cordeiro de Farias
7 Plínio Pitaluga (Cuiabá-MT, 13 de janeiro de 1910 - Rio de Janeiro-RJ, 17 de dezembro de 2002)
8 Grupos de resistência italiana que lutaram contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial.
9 É uma operação ofensiva militar que consiste em uma marcha tática em direção ao inimigo. O objetivo é estabelecer contato com o inimigo ou obter vantagens que facilitem operações futuras
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