Se o mês de novembro deste ano de 2024 trouxe a triste recordação do centésimo sexagésimo aniversário do início da Guerra do Paraguai1, dezembro assinala os 160 anos do início dos combates.
Aprisionado o Marques de Olinda por ordem de Solano López em 13 de novembro de 1864, declarada guerra um mês depois, no dia seguinte, 14 de dezembro, o Paraguai invadiu o Brasil, dando início à Campanha do Mato Grosso, tendo como objetivo inicial a tomada do Forte Coimbra.
Guardadas as devidas proporções, o Forte Coimbra era para o Império Brasileiro, o que a Fortaleza de Humaitá era para o inimigo: a porta de entrada no território.
Estacado na margem direita do rio Paraguai em 13 de setembro de 1775, situava-se numa barranca, quase em frente a uma ilha, dominando um braço do rio, conhecido como estreito de São Francisco Xavier, passagem obrigatória de embarcações de médio e grande calado. O local só podia ser atacado por um lado e possuía espessas e altas muralhas, guarnecidas por canhões.
Seu valor defensivo já havia sido provado em 1801, quando o governador da Intendência do Paraguai tentou se apossar deste, sendo repelido pela guarnição, comandada pelo então Tenente-Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra2.
A coluna invasora se dividia em duas expedições, uma fluvial e outra terrestre.
O componente terrestre, comandado pelo Coronel Francisco Isidoro Resquín, compunha-se de cerca de cinco mil homens e seis peças de artilharia.3
A força naval constituía-se dos navios Taquari, Paraguari, Igurei, Rio Blanco, Iporã, Aquidabã, Independência, Rosário, Salto, Rio Apa e Marquês de Olinda e duas baterias flutuantes.
Embarcados, encontravam-se quatro batalhões de infantaria de oitocentos homens, doze peças raiadas de artilharia a cavalo e foguetes à Congreve4 de 24.
A esse contingente inicial, se juntariam mais mil homens, vindos de Concepción, situada a 400 km da capital paraguaia.
Comandava a expedição o Coronel Vicente Barrios, cunhado de López.
Foi essa força que se apresentou diante do Forte Coimbra na manhã de 27 de dezembro de 1864.
Constituíam a guarnição do Forte cento e cinquenta e cinco homens, entre militares, civis e indígenas. Havia ainda as mulheres e crianças.
Ancorada em frente à fortificação encontrava-se a canhoneira Anhambaí, da Marinha do Brasil.
O Forte encontrava-se sob inspeção do Comandante do Distrito Militar do Baixo-Paraguai, Tenente-Coronel Hermenegildo Portocarrero que prontamente assumiu a direção da defesa.
Barrios enviou um ultimatum a Portocarrero, exigindo a entrega da fortificação, tendo recebido como resposta que esta, só se daria por ordens superiores.5
Logo a seguir iniciaram-se os combates.
Assim que ficou clara a rota de ataque paraguaia, a canhoneira brasileira levantou âncoras e passou a atirar sobre ela.
A posição privilegiada do forte, trancando a navegação no rio Paraguai, inibia a aproximação das belonaves inimigas, o que deu liberdade a Anhambaí, para apoiar, sem grandes riscos, a defesa da posição.
Por volta das dezenove horas e trinta minutos, o comandante paraguaio deu ordem de retirada. Findara o primeiro dia de luta.
Com a retirada do inimigo, contabilizou-se a munição de infantaria: dos doze mil cartuchos existentes no início da batalha, restavam apenas dois mil e quinhentos.
Lideradas por Dona Ludovina de Albuquerque, esposa do Tenente-Coronel Portocarrero, as mulheres recolhidas ao forte, trabalharam a noite toda na fabricação de cerca de seis mil novos cartuchos.
No dia seguinte, por volta das sete horas, o combate recomeçou mais violento que no dia anterior. Após um bombardeio de sete horas, iniciou-se o assalto à posição.
O 6° e o 7º Batalhões paraguaios, com setecentos homens, investiram contra as seteiras6 do Forte. Em uma das muitas arremetidas, oito paraguaios conseguiram penetrar no recinto do Forte: sete foram mortos e um capturado.
Durante a contenda, um gesto de religiosidade: a já citada Dona Ludovina, chama de lado um dos subordinados do marido e lhe pede que tomasse nos braços a imagem de Nossa Senhora do Carmo, existente na capela do Forte, subisse com ela para cima da muralha, e, em ali chegando, a expusesse, bem alto, aos olhos dos atacantes.
O subordinado, assim o faz e o resultado foi impressionante: por algum tempo o combate cessou, os projéteis foram trocados por vivas entusiásticos à santa, de ambas as partes.
Afinal, o soldado desceu com a imagem, sem dano algum, tendo com seu gesto arrefecido o ânimo belicoso dos atacantes
Às sete da noite, retirou-se o inimigo. Ato contínuo, o Tenente-Coronel Portocarrero lançou patrulhas de reconhecimento ao redor do Forte que trouxeram ao mesmo dezoito feridos do inimigo e contabilizaram pelo menos cem mortos.
A despeito das vitórias parciais, o comandante do bastião compreendeu a gravidade da situação: tropa esgotada, munição em falta, inimigo forte e tenaz.
Convocado o conselho de guerra, composto pelos oficiais do Exército e da Marinha, presentes, decidiu-se pelo abandono da posição.
O embarque de todos os defensores na canhoneira Anhambaí, num total de 250 pessoas, deu-se naquela mesma noite, de 28 para 29 de dezembro, na maior disciplina de luzes e ruídos.
Pela manhã, os paraguaios ocuparam o forte.
O Tenente-Coronel Portocarrero, pelo seu desempenho frente ao inimigo, foi agraciado com o título de Barão de Forte Coimbra.
Em reconhecimento à bravura dos defensores, o Governo Imperial instituiu uma medalha de mérito com a legenda Valor e Lealdade.7
Passar-se-iam quatro anos, até que bandeira auriverde voltasse a tremular naquele sítio.
REFERÊNCIAS
CAMERINO, J. J. UM SOLDADO DO PASSADO. A Defesa Nacional, v. 30, n. 349, 14 abr. 2020.
REIS DAMACENO, F. O ATAQUE AO FORTE DE COIMBRA. A Defesa Nacional, v. 52, n. 606, 16 jun. 2020.
SILVEIRA DE MELLO, R. O PRÓXIMO CENTENÁRIO DO ATAQUE AO FORTE DE COIMBRA E A INCOLUMIDADE DOS SEUS DEFENSORES. A Defesa Nacional, v. 50, n. 584, 2 jun. 2020.
SALGUEIRO DE FREITAS, A.; PEREIRA DE OLIVEIRA, DEFESA DO FORTE DE COIMBRA. A Defesa Nacional, v. 47, n. 548, 26 maio 2020.
1Iniciada com o apressamento do navio brasileiro Marques de Olinda em 13 de novembro de 1864.
2 Patrono do Quadro de Engenheiros Militares do Exército Brasileiro.
3 SALGUEIRO DE FREITAS, A.; PEREIRA DE OLIVEIRA, Defesa do Forte de Coimbra. A Defesa Nacional, v. 47, n. 548, P.115-116, 26 maio 2020.
4Foi uma arma de artilharia, projetada e desenvolvida por William Congreve em 1804, daí sua denominação.
5 REIS DAMACENO, F. O ataque ao Forte de Coimbra. A Defesa Nacional, v. 52, n. 606, p. 85-86, 16 jun. 2020.
6 REIS DAMACENO, F. O ataque ao Forte de Coimbra. A Defesa Nacional, v. 52, n. 606, p. 87, 16 jun. 2020.
7 SALGUEIRO DE FREITAS, A.; PEREIRA DE OLIVEIRA, Defesa do Forte de Coimbra. A Defesa Nacional, v. 47, n. 548, P.115-116, 26 maio 2020
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