SEGURANÇA PÚBLICA FRENTE À INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Autores: 2º Sgt Wendel
Segunda, 31 Março 2025
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O cenário da segurança pública no Rio de Janeiro tem se mostrado complexo e desafiador, especialmente nas últimas décadas. A crescente criminalidade, a presença de organizações criminosas treinadas e fortemente armadas, bem como o domínio territorial por facções transformaram a cidade em um microcosmo dos problemas de segurança enfrentados pelo Brasil. Dentro desse contexto, as Forças Armadas foram convocadas em diferentes ocasiões para intervir em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), destacando-se as operações nos anos de 2010, 2014 e 2018. Esses episódios trazem à tona reflexões sobre o preparo das tropas, os desafios operacionais e a eficácia desse tipo de operação para lidar com problemas que, em essência, são de segurança pública.

A atuação das Forças Armadas, em 2010, no Complexo do Alemão e na Penha, marcou um ponto de inflexão na abordagem do Estado, frente às organizações criminosas no Rio de Janeiro. Com o objetivo de retomar territórios dominados por facções criminosas, as Forças Armadas atuaram em uma operação de grande envergadura, que envolveu o uso de equipamentos militares e táticas de combate. A operação evidenciou a capacidade logística e operacional das tropas, mas também expôs limitações, como a falta de preparo específico para lidar com a dinâmica das comunidades e com a criminalidade urbana. Essa intervenção trouxe à tona a necessidade de um treinamento mais direcionado para ações em ambientes urbanos densamente povoados e de uma melhor articulação com as forças policiais locais, essenciais para a manutenção da ordem após a ocupação inicial.

Em 2014, a Operação São Francisco, realizada no Complexo da Maré, representou mais um esforço para enfrentar o domínio territorial de facções criminosas. Assim como na intervenção anterior, as Forças Armadas foram chamadas a ocupar um espaço urbano caracterizado pela violência e pela ausência do Estado em sua plenitude. A operação buscava preparar o terreno para a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas novamente revelou desafios recorrentes. O longo período de permanência das tropas na região, necessário para consolidar os avanços obtidos, gerou críticas tanto pela dificuldade de transição para as forças policiais quanto pelo impacto sobre o moral e a prontidão das tropas. A necessidade de equilibrar as missões militares tradicionais com as demandas das operações de GLO tornou-se uma preocupação central, levantando questões sobre o papel das Forças Armadas em situações que extrapolam suas funções típicas de defesa nacional.

Por sua vez, a intervenção federal de 2018 trouxe um novo capítulo para o envolvimento das Forças Armadas na segurança pública do Rio de Janeiro. Diferentemente das operações anteriores, esta intervenção foi caracterizada pela assunção direta do controle da segurança pública pelo Exército, com a nomeação de um interventor militar. Essa mudança de abordagem evidenciou o caráter excepcional e emergencial da medida, bem como os limites da atuação estatal na contenção da violência. A intervenção foi acompanhada por ações de inteligência e por esforços para integrar as diferentes forças de segurança.

Os três episódios supracitados destacam a importância do preparo das tropas para operações de GLO e a necessidade de uma definição clara dos papéis das Forças Armadas e das forças de segurança pública. Embora as intervenções tenham demonstrado a capacidade das tropas de atuar em situações de alta complexidade, elas também expuseram as limitações de uma abordagem predominantemente militar para lidar com problemas que têm raízes profundas no tecido social e na gestão pública.

Os ensinamentos de Sun Tzu, em A Arte da Guerra, oferecem lições valiosas para as operações de GLO no Rio de Janeiro. O estrategista chinês afirmava que “a suprema arte da guerra é subjugar o inimigo sem lutar”. Essa máxima destaca a importância de estratégias que minimizem confrontos diretos e priorizem a dissuasão, a inteligência e operações psicológicas. No contexto do Rio de Janeiro, isso se traduz na necessidade de uma atuação que combine força com medidas de inteligência, buscando desestruturar as organizações criminosas por meio da supressão de suas fontes de poder – como o controle territorial, o tráfico de drogas e os fluxos financeiros ilícitos – sem recorrer a confrontos extensivos que possam gerar desgaste das tropas e danos colaterais à população civil. Sun Tzu também ensinava que “a guerra se baseia no engano” e que “aquele que se prepara para todas as eventualidades permanecerá vitorioso”. Esses princípios reforçam a importância do preparo contínuo e do planejamento estratégico. As organizações criminosas no Rio de Janeiro, com seu uso crescente de tecnologia, como sistemas de comunicação avançados e drones para transporte de drogas e monitoramento, obrigam os Órgãos de Segurança Pública (OSP) e, eventualmente, as Forças Armadas, a estarem constantemente preparadas para lidar com táticas inovadoras. O desenvolvimento de capacidades cibernéticas, guerra eletrônica, sistemas antidrones e inteligência artificial e ferramentas de análise de dados torna-se essencial para antecipar movimentos e responder de maneira eficaz às ameaças, aumentando significativamente a eficácia das operações. Além disso, o chinês enfatizava que “conheça o inimigo e conheça a si mesmo e em cem batalhas nunca estará em perigo”. Essa lição ressalta a importância do conhecimento profundo das dinâmicas sociais, culturais e territoriais do Rio de Janeiro para o sucesso das operações de GLO. Isso inclui compreender as motivações e a estrutura das organizações criminosas, bem como os anseios e necessidades da população local, que muitas vezes se vê no meio do fogo cruzado.

Complementando essa perspectiva, Carl Von Clausewitz, argumenta o conceito de "centro de gravidade", descrito como o ponto decisivo que, se neutralizado, enfraquece significativamente o inimigo. No caso das organizações criminosas do Rio de Janeiro, os centros de gravidade podem ser identificados em suas lideranças, nos fluxos financeiros ilícitos que sustentam suas operações, e no controle territorial que lhes garante poder sobre as comunidades. Focar estrategicamente nesses pontos pode aumentar a eficácia das operações de GLO e minimizar os custos humanos e materiais. O teórico prussiano também enfatiza a importância do "esforço concentrado". Em vez de dispersar recursos em múltiplas frentes, ele argumenta que é mais eficiente concentrar forças em objetivos prioritários. Esse princípio pode ser aplicado às operações de GLO, onde as Forças Armadas devem priorizar áreas críticas, como aquelas de maior controle territorial por facções criminosas, para maximizar o impacto de suas ações. Finalmente, Clausewitz alerta contra a "guerra prolongada". Ele reconhece que conflitos longos desgastam recursos e moral, podendo enfraquecer tanto as Forças Armadas quanto o apoio público. No contexto do Rio de Janeiro, isso destaca a importância de que as operações de GLO sejam planejadas para alcançar resultados claros e em prazos definidos, evitando que se transformem em intervenções de longa duração com resultados limitados.

Em última análise, geopolíticos brasileiros, a exemplo de Golbery do Couto e Silva e Therezinha de Castro, ressaltam a relevância da integração e da soberania territorial. Golbery destacava a necessidade de cooperação entre forças militares e civis, enquanto Therezinha chamava atenção para o impacto do domínio territorial por facções na soberania do Estado. Essas reflexões reforçam a importância de abordar a segurança pública no Rio de Janeiro como uma questão estratégica nacional.

Neste contexto, é mister evitar a banalização do emprego das Forças Armadas em operações de GLO, devendo ser reservado a situações excepcionais e bem planejadas. Esta premissa evita desgastes desnecessários, mantendo a força e a prontidão da tropa para ações referentes a sua vocação precípua ligadas à defesa do território, da soberania e para conflitos de alta intensidade. A atuação federal em combate à criminalidade doméstica gera demandas por treinamento especializado em ambientes urbanos, incluindo aspectos como interação com a população local, respeito aos direitos humanos e uso proporcional da força. Outro aspecto relevante é a sustentabilidade dessas intervenções a longo prazo. Sem o fortalecimento das instituições de segurança pública e a implementação de políticas públicas integradas, as operações de GLO tendem a ter um impacto limitado. A criminalidade no Rio de Janeiro reflete questões estruturais, como desigualdade social, corrupção e ausência do Estado em áreas vulneráveis. Assim, o papel das Forças Armadas, embora importante em momentos críticos, deve ser complementado por esforços abrangentes que envolvam todos os níveis de governo e a sociedade civil.

Ao mesmo tempo, as Forças Armadas precisam estar permanentemente preparadas para atuar em operações dessa natureza. Isso demanda treinamentos conjuntos entre Exército, Marinha e Aeronáutica, além de uma interoperabilidade aprimorada com as forças policiais estaduais e federais. Exercícios simulados em ambientes urbanos, que repliquem os desafios reais das operações de GLO, são cruciais para garantir eficácia e minimizar riscos. A padronização de protocolos de operação e comunicação também é imprescindível para uma ação integrada e eficiente.

Conclui-se, portanto, que as operações de GLO realizadas pelas Forças Armadas no Rio de Janeiro em 2010, 2014 e 2018 trouxeram importantes lições sobre o preparo das tropas e os desafios de sua atuação em contextos urbanos. Em que pese os avanços pontuais, os resultados mostram que a intervenção militar, por si só, não é suficiente para resolver problemas de segurança pública. É essencial investir em treinamento específico para operações urbanas, na integração das forças de segurança e na construção de políticas públicas sustentáveis. Apenas assim será possível transformar os avanços temporários obtidos pelas operações de GLO em mudanças estruturais duradouras, que efetivamente promovam a segurança e o bem-estar da população.

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Operações

Comentarios

Comentarios

Excelente reflexão nobre irmão! 

Excelente artigo, camarada! ´Parabéns pelo trabalho!

Éxcelente artigo. Uma verdadeira aula para todos aqueles que acha queas Forças Armadas devem ser usadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem de forma corriqueira.

Excelente, muito bom o artigo.

Excelente artigo. Parabéns!

Excelente narrativa, rica em detalhes e conhecimento de causa. Que sejamos contemplados com mais artigos assim. Parabéns ao autor pela contribuição para a segurança pública do nosso Estado carente e flagelado no quesito em tela.

Excelente o artigo produzido. Com extrema objetividade e senso crítico o autor discorreu de maneira clara e concisa a dinâmica que envolve as operações de GLO ocorridas no RJ, bem como suas causas e consequências.

Parabéns! 

Excelente texto meu amigo Wendel Santos! Prossiga na missão!

Excelente artigo!  Nos faz refletir sobre um tema tão relevante para a segurança pública e o papel das Forças Armadas.

Parabens! 

Excelente artigo, muito obrigado pelo conhecimento passado!

Wendel, parabéns pela produção do artigo que analisou com conhecimento de causa a participação das FA nas Op GLO no estado do Rio de Janeiro.

Parabéns pelo texto! Bastante equilibrado, com ótimas referências. Estamos em 2025 e a violência do nosso estado / capital continua na ordem do dia e sem precedentes. Talvez seja necessária uma nova GLO em território estratégicos, visando desidratar os diversos poderes paralelos existentes.

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