O que é estratégia? Apontamentos sob os prismas militar e acadêmico

Autores: S Ten Julio Cezar Rodrigues Eloi
Segunda, 28 Outubro 2024
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O conceito de estratégia é largamente estudado na Administração e em outras ciências, como a Economia e a Sociologia, mas muitos gestores podem não possuir a noção exata do termo, em especial a sua origem no setor militar. Como forma de contribuir para a discussão no âmbito geral, este artigo discute o conceito, a partir do prisma militar, para o desenvolvimento com base na literatura gerencial/ acadêmica.

O campo de estudo da estratégia é pesquisado de forma consistente desde os anos 1960, justificada pela sua relevância relacionada à sobrevivência das organizações em todo o mundo (de Oliveira & Tatto, 2013). Historicamente, a palavra estratégia tem origem na Grécia Antiga, no termo strategos, que literalmente significa “general” (Rhoden, 2010).

É inegável afastar o conceito de estratégia com o seu vínculo militar. O próprio Manual de Fundamentos – Estratégia, em sua 5ª versão, orienta que o conceito se tornou eminentemente militar na forma da “arte do general”, dada a responsabilidade do estrategos na condução dos exércitos (stratou) em campanhas (Brasil, 2020).

Tais definições estão alinhadas ao que consta no Manual de Fundamentos – Doutrina Militar Terrestre (3ª edição), que focaliza o caráter militar da estratégia em: “a arte e a ciência de prever o emprego, preparar, orientar e aplicar o poder militar durante os conflitos, considerados os óbices existentes ou potenciais, visando à consecução ou manutenção dos objetivos fixados pelo nível político” (Brasil, 2022).

A definição de estratégia militar extraída do Manual de Fundamentos – Doutrina Militar Terrestre (Brasil, 2022) é bem semelhante ao que está grafado no congênere de estratégia (Brasil, 2020), cuja definição é: “a arte e ciência de preparar e aplicar o poder para, superando óbices de toda ordem, alcançar os objetivos fixados pela política” (grifo nosso). Assim, a publicação de 2020 separa os termos arte e ciência para elucidá-los:

  1. Arte, por envolver característica pessoais do seu formulador, como experiência, conhecimento, visão e criatividade; e

  2. Ciência, por se valer de conhecimentos científicos de diferentes áreas.

 

No contexto da administração das empresas, Nedeff, Dalberto, de Toni, Milan e Barcellos (2014) citam Eisenhardt (1999), para definir que a estratégia é um processo de tomada de decisão da empresa, reforçado pela sua intuição coletiva. No aprofundamento do conceito, tais autores recorrem à ideia de Quinn (1980), para explicar que a estratégia é o padrão ou o plano que integra objetivos e metas, políticas e uma sequência de ações coerentes com a estrutura e os recursos da empresa.

Da Silva, Neves, Wanderley e Lima (2019) incorporam o conceito de estratégia no formato da direção para atingir os objetivos, com base nos estudos de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010). Essas pesquisadoras entendem que o campo de estudos da estratégia possui múltiplas definições, e que autores consagrados, como Mintzberg e Quinn (2001) concordam não haver consenso, todavia assegura-se que o termo possui origem militar.

A incorporação dos estudos em estratégia na ciência da Administração ocorreu a partir da década de 1960 com os trabalhos de autores como Chandler (1962), Ansoff (1965) e Andrews (1971), como asseguram da Silva, Neves, Wanderley e Lima (2019). Da Silva et al (2019) utilizam o conceito de estratégia promovido por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010), que pode assumir diversas formas, como:

a) plano: direção, guia ou curso de ação para o futuro;

b) padrão, isto é, coerência em comportamento ao longo do tempo, olhar o comportamento passado;

c) posição: diz respeito a como se está localizado no ambiente ao qual está inserido;

d) perspectiva: maneira de se fazer as coisas, de compreender o mundo; e

e) truque: manobra específica para ludibriar um oponente.

 

Villar, Walter e Braum (2017) se amparam em Whittington (2002), Vizeu e Gonçalves (2010), para reforçar que a abordagem clássica dos estudos no campo a contar de 1960 se vincula ao militarismo, do qual retira sua concepção de estratégia e de como realizá-la: plano sistemático e deliberado do estrategista a ser implementado pelos gerentes. Dessa forma, ao citarem Vizeu e Gonçalves (2010), extrai-se que Chandler teve contato com a cúpula militar dos EUA na Segunda Guerra Mundial (II GM).

De Oliveira e Tatto (2013) acompanham o panorama ilustrado por Kallás (2003), que ressalta que na Antiguidade, o 1º texto de aplicação militar é do General chinês Sun Tzu: um tratado sobre a arte da guerra. No Ocidente, o termo também foi utilizado pelo exército romano, ao passo que no século XVIII, Napoleão Bonaparte, que conhecia a obra de Sun Tzu, tornou-se um dos maiores estrategistas de todos os tempos (de Oliveira & Tatto, 2013).

Na década de 1950, o planejamento estratégico chega às empresas e universidades, sobretudo nos EUA, em que surge o modelo de análise de forças e fraquezas, ameaças e oportunidades, a análise SWOT (de Oliveira & Tatto, 2013). O modelo sintetiza a busca pelas relações entre os pontos Fortes (Strenghts) e Fracos (Weaknesses) da organização com as tendências mais importantes do ambiente, tanto interna quanto externamente, delimitando as Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats), segundo De Oliveira & Tatto (2013).

A análise SWOT foi criada pelo consultor da Universidade de Stanford, Albert Humprey, na década de 1960 (de Melo, Neto & Del Fiaco, 2021). Essa ferramenta é utilizada para a análise do ambiente e serve de base para o planejamento e a gestão de uma organização.

Figura 1 – Análise SWOT ou Matriz FOFA

Fonte: de Paula (2015).

 

De fato, as conceituações atinentes à estratégia são tão diversas quantos os autores que são referidas a ela, conforme entendem de Oliveira e Tatto (2012). Para melhor compreender essa multiplicidade de definições e autores, o Quadro 1 traz uma síntese sobre o conceito, sob a perspectiva gerencial:

Quadro 1 – definições do conceito de estratégia segundo diferentes autores

Chandler (1962)

Estratégia é a determinação dos objetivos básicos de longo prazo de uma empresa e a adoção das ações adequadas e afetação de recursos para atingir esses objetivos.

Ansoff (1965)

Estratégia é um conjunto de regras de tomada de decisão em condições de desconhecimento parcial. As decisões estratégicas dizem respeito à relação entre a empresa e o seu ecossistema.

Andrews (1971)

Estratégia é o modelo de decisão da empresa, na qual estão determinados os objetivos e metas, as normas e planos para alcance dos objetivos buscados. A estratégia é um processo intrinsecamente ligado à cultura, atuação e cultura organizacional. Análise de riscos, ameaças, e oportunidades externas são tão relevantes quanto valores pessoais, aspirações, ideais e aspectos éticos para a escolha dos objetivos.

Steiner e Miner (1977)

Estratégia é o forjar de missões da empresa, estabelecimento de objetivos à luz das forças internas e externas, formulação de políticas específicas e estratégicas para atingir objetivos e assegurar a adequada implantação de forma a que os fins e objetivos sejam atingidos.

Hofer e Schendel (1978)

Estratégia é o estabelecimento dos meios fundamentais para atingir os objetivos, sujeitos a um conjunto de restrições do meio envolvente. É, ainda, a principal ligação entre os fins, objetivos e políticas funcionais de vários setores da empresa e planos operacionais que guiam suas atividades diárias.

Porter (1980)

Estratégia competitiva são ações ofensivas ou defensivas para criar uma posição defensível numa indústria, para enfrentar com sucesso as forças competitivas e, assim, obter maior retorno sobre o investimento. Identificam-se cinco forças estruturais básicas que determinam o conjunto das forças competitivas: ameaça de novos entrantes; o poder de barganha dos fornecedores; ameaça de produtos ou serviços substitutos; o poder de barganha dos compradores; e, rivalidade entre os competidores já estabelecidos.

Quinn (1980)

Estratégia é um modelo ou plano que integra os objetivos, as políticas e a sequência de ações num todo coerente. A estratégia envolve forças, em tão grande número e dimensão de tão vasta combinação de poderes, que ninguém pode prever os acontecimentos em termos probabilísticos.

Mintzberg (1988)

Estratégia é uma força mediadora entre a organização e o seu meio envolvente. Um padrão no processo de tomada de decisões organizacionais para fazer frente ao meio envolvente.

Prahalad e Hamel (1998)

A abordagem enfatiza o foco interno da formação da estratégia e propõe a criação e implantação de uma arquitetura estratégica, que privilegie o compartilhamento de talentos e a identificação das competências essenciais.

Henderson (1998)

A estratégia é a busca deliberada de um plano de ação para desenvolver e ajustar a vantagem competitiva de uma empresa. Analisar o ambiente sem conhecer a natureza dos competidores ao formular uma estratégia pode ser uma decisão arriscada.

Fonte: de Oliveira e Tatto (2012), com base em Nicolau (2001).

 

Por outro lado, para Carvalho, Guedes e Gomes (2021), um número relativamente pequeno de economistas, ao longo dos anos, usou mais ou menos explicitamente a noção ou conceito de estratégia. Além de Alfred Marshall, os exemplos mais conhecidos tendem a ser os de Veblen, Schumpeter, Morgenstern, Myrdal, J. Robinson, Kaldor, Bain, Penrose, Hirschman, Boulding, Caves, Porter, Perroux, Nelson, Freeman, Rosenberg (Carvalho, Guedes & Gomes, 2021).

A literatura gerencial nos últimos anos tem reforçado a relevância dos estudos em estratégia, com diversos periódicos que são especializados no assunto. Autores consagrados, como Porter, célebre pelo seu modelo das cinco forças, e Barney, com a Visão Baseada em Recursos (Resource Based View – RBV), bem como Teece, Pisano e Shuen, com as capacidades dinâmicas (dinamic capabilities), são referenciados largamente no Brasil e no exterior, comprovando a força que o conceito possui para as organizações.

Sendo assim, esta síntese destacou que os estudos no campo de estratégia se iniciaram na seara militar, na Grécia Antiga, além de Sun Tzu na China, Napoleão e Clausewitz na Europa, chegando aos mundos empresarial e acadêmico após a II GM, que a partir de então trouxeram várias definições sobre o termo. Por fim, a importância dos estudos em estratégia se revela nas publicações que são objeto de interesse de diversos profissionais como: administradores, diplomatas, economistas, historiadores, militares e sociólogos.

 

Referências

Brasil. (2020). Portaria nº 187-EME, de 11 de agosto de 2020. Aprova o Manual de Fundamentos - Estratégia (EB20-MF-03.106), 5ª Edição, 2020. Disponível em: http://www.sgex.eb.mil.br/sg8/003_manuais_carater_doutrinario/03_manuais_de_fundamentos/port_n_187_eme_11ago2020.html . Acesso em: 29 ago. 2024.

Brasil. (2022). Portaria – EME/ C Ex nº 927, de 15 de dezembro de 2022. Aprova o Manual de Fundamentos - Doutrina Militar Terrestre (EB20-MF-10.102), 3ª Edição, 2022. Disponível em: http://www.sgex.eb.mil.br/sg8/003_manuais_carater_doutrinario/03_manuais_de_fundamentos/port_n_927_eme_15dez2022.html . Acesso em: 29 ago. 2024.

Carvalho, E. G. D., Guedes, S. N. R., & Gomes, R. (2021). Strategy: notes for an economic and historical approach. Nova Economia31, 511-536. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/6044 . Acesso em: 29 ago. 2024.

da Silva, L. K. S., Neves, R. C. L., Wanderley, L. S. O., & Lima, M. C. (2019). Formação de estratégias em Programa de Pós-Graduação em Administração. Revista Organizações em Contexto15(30). Disponível em: https://revistas.metodista.br/index.php/organizacoesemcontexto/article/view/866/825 . Acesso em: 29 ago. 2024.

de Melo, P. F., Neto, J.J. O., & Del Fiaco, J. L. M. (2021). Apresentação e a aplicabilidade da ferramenta Matriz SWOT. Revista Acadêmica dos Cursos de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Evangélica de Goiás-UniEVANGÉLICA3(1), 39-45. Disponível em: https://anais.unievangelica.edu.br/index.php/racau/article/view/6975 . Acesso em: 29 ago. 2024.

de Oliveira, E. C., & Tatto, L. (2013). Uma leitura sobre a percepção de autores em relação aos conceitos de estratégia. REBRAE6(1), 57-67. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/REBRAE/article/view/13874/13301 . Acesso em: 29 ago. 2024.

de Paula, G. B. (2015). Matriz SWOT ou Matriz FOFA: utilizando a Análise SWOT para conhecer as cartas do jogo e aumentar as chances de vitória de sua empresa! Disponível em: https://www.treasy.com.br/blog/matriz-swot-analise-swot-matriz-fofa/ . Acesso em: 29 ago. 2024.

Milan, G. S., & de Toni, D. (2008). A configuração das imagens dos gestores sobre o conceito de estratégia. RAM. Revista de Administração Mackenzie9, 102-125. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-69712008000600006 . Acesso em: 29 ago. 2024.

Nedeff, M. C., Dalberto, M., de Toni, D., Milan, G. S., & Barcellos, P. F. P. (2014). A percepção de gestores da construção civil acerca do conceito de estratégia organizacional: Um estudo exploratório. Revista de Negócios19(3), 23-40. Disponível em: https://doi.org/10.7867/1980-4431.2014v19n3p23-40 . Acesso em: 29 ago. 2024.

Rhoden, V. N. (2010). Estratégia enquanto prática e os lapsos conceituais. REBRAE3(3), 253-263. Disponível em: https://doi.org/10.7213/rebrae.v3i3.13598 . Acesso em: 29 ago. 2024.

Villar, E. G., Walter, S. A., & Braum, L. M. (2017). Da estratégia clássica à estratégia como prática: uma análise das concepções de estratégia e de estrategistas. Revista Ibero Americana de Estratégia16(1), 8-21. Disponível em: https://doi.org/10.5585/ijsm.v16i1.2409 . Acesso em: 29 ago. 2024.

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artigo informativo e muito bom gostei 👏👏

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