O Curso de Estado-Maior Conjunto da Escola Superior de Guerra: a interoperabilidade como essência do ensino

Autor: TC Júlio Cesar

Sexta, 20 Setembro 2024
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A história do ensino militar da doutrina de operações conjuntas nos remete ao ano de 1953, com a criação do Curso de Estado-Maior e Comando das Forças Armadas (CEMCFA) na Escola Superior de Guerra (ESG), tendo por finalidade a habilitação de oficiais das três Forças para as funções de comando, de chefia e de estado-maior de forças combinadas e aliadas, além de cooperar na experimentação e desenvolvimento da doutrina brasileira de comando e estado-maior composto pelas diferentes Forças (BRASIL, 1953).

Ao analisarmos a iniciativa da época, sob um olhar atual, compreendemos a importância da concepção inicial do curso, utilizando ainda o termo “estado-maior combinado” no decreto que instituiu o curso. Nesse contexto, a legislação originária previa 22 (vinte e duas) semanas de duração do curso, tendo inclusive o cuidado de destacar como objetivo do curso, dentre outros, o estudo da doutrina de organização, emprego e logística (BRASIL, 1953).

Dessa forma, ao lermos as legislações anteriores e que compõem o histórico da evolução do Curso de Estado-Maior Conjunto, cabe uma reflexão a respeito de onde viemos e para onde queremos chegar com relação à doutrina, o preparo e o emprego das operações conjuntas.

Após a criação, o curso recebeu diferentes denominações e foi evoluindo ao longo dos anos, de acordo com a dinâmica da doutrina bélica, tendo inclusive a duração ampliada para 1 (um) ano entre os anos 1953 e 1959. Em 2002, recebe o nome de Curso de Estado-Maior de Defesa (CEMD), sob influência do recém-criado Ministério da Defesa (NEGRÃO, 2013).

Em 2007, o CEMD passa a denominar-se Curso de Estado-Maior Combinado, no entanto, influenciado pela Estratégia Nacional de Defesa expedida em 2008, que inovou com o termo “conjunto” em substituição a “combinado”, o curso recebeu a atual denominação de Curso de Estado-Maior Conjunto (CEMC) em 2011, permanecendo até hoje (NEGRÃO, 2013).

Convém um adendo quanto à alternância semântica entre as palavras “combinado” e ‘conjunto”. Atualmente, a significação das 2 (duas) palavras encontra-se bem definida doutrinariamente, sendo o termo “combinado(a)” relacionado a Forças Armadas Multinacionais operando sob um só comando, já a palavra “conjunto(a)”, a ser utilizada com relação a forças compostas por ocasião do emprego de mais de uma Força Armada, sob comando único (BRASIL, 2015).

Além disso, conforme a Doutrina de Operações Conjuntas – MD30-M-01/Volume 2 (2020, p. 22), encontramos a definição de interoperabilidade como sendo a capacidade dos sistemas, unidades ou forças de intercambiarem serviços ou informações ou aceitá-los de outros sistemas, unidades ou Forças, bem como empregá-los, sem o comprometimento de suas funcionalidades.

Cabe destacar a importância do Manual de Doutrina de Operações Conjuntas na uniformização dos conhecimentos das Forças Singulares (FS), sendo uma fonte essencial para o planejamento nível estratégico. Além disso, trata-se de um documento, cuja 1ª edição data de 2011, dividido em 2 (dois) volumes que estabelecem os fundamentos doutrinários orientadores no processo de planejamento, preparo e emprego em Operações Conjuntas (OLIVEIRA, 2022).

Em 2012, o Ministério da Defesa instituiu a Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC), com a finalidade de uniformizar o ensino da doutrina de operações conjuntas nos estabelecimentos de ensino de Altos Estudos Militares e da ESG, estabelecendo uma composição plural, com integrantes das 3 (três) Forças, de maneira a permitir um consenso doutrinário com relação às atividades conjuntas (BRASIL, 2012).

Dessa forma, o CIDOC promove reuniões periódicas e, além da uniformização da doutrina, tem como competências: contribuir com a doutrina de operações conjuntas (DOC), identificar possíveis fontes de conhecimento quanto aos assuntos relativos a DOC, além de servir de elo entre o MD e os estabelecimentos de ensino de Altos Estudos Militares. Dessa forma, o CIDOC transformou-se em centro de estudo da vanguarda doutrinária, à semelhança de outras Forças Armadas protagonistas no atual contexto mundial (BRASIL, 2022).

Atualmente, o CEMC é conduzido pela ESG e tem por objetivo preparar militares das Forças Armadas e das Nações Amigas para atividades que envolvam o planejamento nos níveis político e estratégico, além do emprego estratégico-operacional de forças militares em operações conjuntas ou executadas sob orientação e supervisão do Ministério da Defesa, bem como capacitá-los às atividades de instrutoria (BRASIL, 2023).

Nesse sentido, as atividades do CEMC contam com uma duração de 16 (dezesseis) semanas, permitindo uma sinergia entre as 3 (três) Forças, ocasião na qual o estagiário (termo utilizado na ESG como referência aos discentes) tem a oportunidade de ter contato com diferentes disciplinas essenciais para os trabalhos de um estado-maior conjunto, a exemplo do estudo do Poder Nacional, Fundamentos de Defesa e Planejamento Estratégico. Dessa forma, a ESG tem como escopo preencher uma lacuna relativa ao processo de planejamento conjunto nos níveis político e estratégico.

Ademais, as relações interpessoais durante o curso, aliadas à imersão dos oficiais superiores das diferentes Forças em uma mesma Escola, favorecem a troca de conhecimento e experiências, criando um ambiente de doutrina de operações conjuntas, que não é alcançado com a mesma intensidade quando o assunto operações conjuntas é conduzido isoladamente nas Escolas (NEGRÃO, 2013).

Quanto à oferta de cursos conjuntos, Oliveira (2022, p. 58), ao abordar o pensamento conjunto brasileiro, pontuou que ainda é relativamente pequena para a quantidade de oficiais existentes na três Forças, citando este fato como uma oportunidade de melhoria. Dessa forma, deixo a necessidade de ampliação da quantidade de ofertas de cursos e, inclusive, do incremento de vagas no CEMC como objetos de reflexão para o leitor.

Importante destacar que as operações conjuntas suscitam uma ampla área de debate, em diferentes níveis (político, estratégico, operacional e tático), sobretudo quanto aos graus de interoperabilidade. Nesse sentido, encontramos importantes registros sobre o prejuízo causado pela deficiência em algum grau na interoperabilidade das Forças Armadas, a exemplo de casos emblemáticos como as operações conduzidas por Comandos Conjuntos Americanos, nomeadamente Operação Eagle Claw (Irã - 1980) e Urgent Fury (Granada - 1983), além das Operações Just Case (Panamá - 1989) e Anaconda (Afeganistão - 2002), ocasiões nas quais a falta de integração entre as Forças comprometeu execução das operações (PIFFER, 2014).

Por fim, o ensino da doutrina de operações conjuntas coordenado pelo Ministério da Defesa é um case de sucesso, permitindo a manutenção das Forças Armadas em constante processo de integração. Além disso, é verdadeiro concluir que o sucesso da interoperabilidade passa pela ESG, CIDOC, Escolas de Altos Estudos das Forças Singulares, bem como pelo Curso de Estado-Maior Conjunto.

 

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria AED/VCHEC/CHEC-MD Nº 6.188, de 21 de dezembro de 2023. Aprovou a Diretriz para o Planejamento e a Execução das Atividades de Estudo, Pesquisa, Ensino, Pós-Graduação, Extensão e Processo Seletivo dos Cursos da Escola Superior de Guerra - ESG para o ano de 2024. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 27/12/2023. Edição: 245. Seção: 1. Página: 66.

 

BRASIL. Decreto n° 33.357, de 23 de julho de 1953. Aprova as Instruções para o Funcionamento do Curso de Estado-Maior e Comando das Forças Armadas. Rio de Janeiro, RJ, [1953]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1953/D33357.html. Acesso em: 09 junho 2024.

 

BRASIL, Ministério da Defesa. Portaria Nº 316/MD, de 7 de fevereiro de 2012. Institui no âmbito do Ministério da Defesa, a Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 8/2/2012. Edição:28. Seção: 1. Página: 8.

 

BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria Normativa N° 9/GAP/MD, de 13 de janeiro de 2016. Aprova o Glossário das Forças Armadas – MD35-G-01(5ª Edição/2015). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 21/01/2016. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/legislacao/emcfa/publicacoes/doutrina/md35-G-01-glossario-das-forcas-armadas-5-ed-2015-com-alteracoes.pdf/view. Acesso em: 09 junho 2024.

 

BRASIL, Ministério da Defesa. Portaria Nº 3.779/MD, de 8 de julho de 2022. Institui no âmbito do Ministério da Defesa, a Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 12/7/2022. Edição:130. Seção: 1. Página: 22.

 

BRASIL, Ministério da Defesa. Portaria Nº 84/GM-MD, de 15 de setembro de 2020. Aprova a Doutrina de Operações Conjuntas – MD30-M-01/Volumes 1 e 2 (2ª Edição/2020). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 15/9/2020. Edição:178. Seção: 1. Página: 250.

 

NEGRÃO, Thadeu Luiz Crespo Alves. O Ensino de Operações Conjuntas nas Escolas de Altos Estudos das Forças Armadas. Rio de Janeiro, v. 7, n. 28, p. 47-54, jan./abr. 2013. Disponível em: https://ebrevistas.eb.mil.br/RMM/article/view/239. Acesso em: 9 jun. 2024.

 

OLIVEIRA, Henrique Cesar Theophilo Gaspar de Oliveira. Operações Conjuntas: Análise e Perspectivas. Tese (Doutorado apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas) – Escola de Guerra Naval (EGN). Rio de Janeiro, p. 58. 2022.

 

PIFFER, Marcus Vinícius Pinheiro Dutra. Operações Conjuntas: Desafios à Operação à Integração no Nível Operacional. Dissertação (Mestrado em Ciências Militares) – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Rio de Janeiro, p. 19. 2014.

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A integração da comunicação, sistemas e organizações é essencial para potencializar as operações das Forças Armadas do Brasil. Diante disso, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas desempenha um papel fundamental na formulação de diretrizes estratégicas e do planejamento operacional e logístico, contribuindo para a economia de recursos, combate ao crime organizado, ações subsidiárias diversas e a consecução dos Interesses Nacionais. Parabéns pelo Artigo! 

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