CAPITÃO ATRATINO E 1º TENENTE PINTO DUARTE, HERÓIS DA BATALHA DE COLLE

Autores: Cel André Dias
Quarta, 11 Dezembro 2024
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A conquista de Camaiore pelo Capitão Ernani Ayrosa1 possibilitou a tomada do Monte Prana pelo Destacamento Força Expedicionária Brasileira (Dst FEB), encerrando a 1ª Fase das Operações na Bacia do Serchio. Na etapa seguinte, o objetivo passou a ser a cidade de Castelnuovo de Garfagnana, importante nó rodoferroviário, localizado às margens do rio Serchio, mais ao norte.

O rápido e exitoso avanço nas ações pregressas do Dst FEB havia produzido, tanto nos altos escalões de comando como na tropa, a ideia distorcida acerca do valor combativo das forças do Eixo e de sua determinação para prosseguir lutando. Em consequência, o planejamento e a conquista das elevações, que por sul dominavam Garfagnana, confiado ao I Batalhão do 6º Regimento de Infantaria, foram concebidos e executados em meio a um perigoso excesso de confiança por parte de todos.

E sob o efeito dessa chamada “névoa do combate”2, tão bem explicada por Clausewitz em sua obra “Da Guerra”, do século XIX, não foi percebida pelos planejadores norte-americanos e brasileiros uma verdadeira mudança de atitude por parte das forças do Eixo, dentro do escopo de suas operações defensivas. O retardamento basicamente conduzido até então, desde a estreia em combate dos brasileiros a 15 de setembro de 1944, dava lugar a uma aguerrida defesa, inclusive com a previsão do desencadeamento de potentes contra-ataques para o restabelecimento de posições perdidas, que visava a todo custo manter um ponto de valor capital para os nazifascistas, encrustado na “Linha Gótica3”: a cidade de Castelnuovo de Garfagnana.

Nesse contexto, entre tantos outros exemplos de coragem e abnegação, é dever destacar os feitos do 1º Tenente José Maria Pinto Duarte, Comandante do Pelotão de Metralhadoras4, e do Capitão Atratino Cortês Coutinho, seu comandante à frente da Companhia de Petrechos Pesados (CPP I)5. O primeiro, desportista destacado e com um imponente porte físico, liderava pelo exemplo. Já o segundo, sempre muito atento e cuidadoso com os seus subordinados, havia desenvolvido um elevado grau de coesão e espírito de corpo no âmbito de sua subunidade.

Iniciado o ataque do I Batalhão, todos os objetivos assinalados foram prontamente conquistados, conforme o planejado, sem que o inimigo apresentasse muita resistência. A frente ocupada pelos pracinhas, muito mais larga do que a doutrina previa, fez com que a comunicação entre os pelotões ficasse prejudicada, assim como as ligações entre essas frações e os seus respectivos Postos de Comando (PC) de companhia, fazendo surgir perigosas rotas de infiltração inimiga.

O efeito combinado do clima adverso com a fadiga da tropa, o pouco tempo disponível e uma natural inobservância de princípios doutrinários por parte dos combatentes, fruto do clima de excessiva autoconfiança reinante, tornaram extremamente difíceis as medidas necessárias à correta consolidação do terreno recém-conquistado. Não foi prevista reserva para a operação e a quantidade de munição de posse dos expedicionários era insuficiente para a manutenção das posições. Para piorar, o ressuprimento desse importante item não foi possível, por falhas no planejamento logístico, agravadas pela ação do inimigo e pelos efeitos do terreno e das condições meteorológicas.

O PC da CPP I, desdobrado de forma improvisada junto ao da 3ª Companhia (3ª Cia), estava localizado na contraencosta de uma elevação denominada Colle. Ele ocupava um casarão de três pavimentos, bastante típico daquela região rural italiana, que possuía uma das paredes de pedras, contígua a um barranco, facilitando sobremaneira o acesso de pessoas pelo telhado. Colle era defendida por um pelotão da 3ª Cia, aproximadamente no centro do dispositivo defensivo daquela subunidade.

Na madrugada fria e escura de 31 de outubro, entre 2 e 3h, o contra-ataque ítalo-germânico caiu como um raio sobre as posições do I Batalhão e foi justamente sobre os pontos mais fracos da defesa brasileira que as ações inimigas primeiro incidiram. A força oponente, muito bem liderada e adestrada, agiu com rapidez, precisão, violência e sincronismo. O pelotão que defendia Battosi foi o primeiro a cair. Na sequência, foi reconquistada a posição mais a leste de San Quirino, o que provocou o surgimento de uma perigosa brecha no sistema defensivo febiano. Em seguida, o pelotão de Colle retraiu, após resistir até o esgotamento de sua munição.

Ao amanhecer do dia 31 de outubro, as posições defensivas das 7ª e 3ª Companhias estavam completamente comprometidas, em meio ao caos instaurado. Foi a partir desse momento que o casarão da contraencosta de Colle começou a ser assediado e cercado. Os alemães lograram êxito ao acessar a instalação pelo telhado e tomaram o último andar. Na iminência da captura ou morte, os Capitães Aldenor (3ª Cia) e Atratino (CPP I) decidiram que todos deveriam abandonar de imediato o local (Figura 1).


 

A única opção possível para a fuga era uma janela no primeiro piso. Ficou acertado que as praças sairiam primeiro e os oficiais, depois. Pinto Duarte e Atratino ficaram por último, cobrindo a retirada dos demais. Todos saíram com êxito, exceto Pinto Duarte que, ao pular a janela, foi atingido por uma rajada de metralhadora que quase decepou a sua perna. Ao perceber o amigo gravemente ferido, Atratino o socorreu, contando com a ajuda de outros camaradas. Arrastaram-no, em seguida, por uma distância de 80 metros, sob vistas e fogos inimigos, até encontrarem uma dobra segura do terreno, onde permaneceram abrigados.

Com a artéria femoral perfurada, Pinto Duarte perdia muito sangue. Pressentindo o fim, pediu ao seu comandante de companhia que não deixasse faltar nada à filha recém-nascida e à esposa. As fortes dores e o receio de comprometer a segurança dos camaradas, uma vez que os alemães patrulhavam a área, fizeram com que Pinto Duarte, em um momento de desespero, pedisse que o sacrificassem. Ao contrário, Atratino permaneceu ao lado do irmão por escolha até o seu último suspiro. Não podendo ser recolhido de imediato, o corpo de Pinto Duarte permaneceu insepulto no campo de batalha. Ainda naquela mesma noite, Atratino organizou patrulhas para pessoalmente resgatar o corpo do amigo, mas não obteve sucesso.

Na manhã de 1º de novembro, todas as posições previamente conquistadas pelo I Batalhão estavam outra vez sob a posse do inimigo. Não houve perseguição às forças brasileiras e os combatentes do Eixo se deram por satisfeitos com a nova situação. Terminadas as operações no Serchio, os febianos foram transferidos para o Vale do Reno, o Destacamento FEB desfeito e a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária, agora completa e sob o Comando do General Mascarenhas de Moraes, passou a dar prosseguimento à saga dos pracinhas na Itália. A derrota em Castelnuovo de Garfagnana foi dolorosa, mas gerou importantes lições aprendidas, que acompanharam e pautaram a atuação da FEB até a vitória final.

Com a rendição do Eixo na Itália, em 2 de maio de 1945, o Capitão Atratino pôde, enfim, cumprir o propósito que lhe perseguiu durante toda a campanha: resgatar o corpo do amigo e proporcionar-lhe um funeral digno. Com o auxílio de habitantes locais e outros pracinhas, o corpo de Pinto Duarte foi encontrado exatamente onde havia sido deixado na noite de 31 de outubro de 1944, incrivelmente conservado pela ação da neve que caiu logo em seguida à sua morte e o cobriu por completo. Sepultado em um primeiro momento no Cemitério Militar Brasileiro de Pistóia, seus restos mortais hoje repousam ao lado dos de outros tantos camaradas, heróis brasileiros das três Forças Armadas, no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, sua cidade natal.

A bravura e o sacrifício de Pinto Duarte lhe renderam as Medalhas “Cruz de Combate de 1ª Classe” e “Sangue do Brasil”, além da promoção post-mortem a capitão. O Capitão Atratino, por sua vez, recebeu a “Cruz de Combate de 2ª Classe” e chegou ao posto de oficial-general do Exército Brasileiro. Como integrantes da FEB, ambos fizeram jus às Medalhas “de Campanha da FEB” e “de “Guerra”. Hoje, Atratino e Pinto Duarte dão nome a ruas e escolas pelo País, prova cabal do orgulho e da gratidão da sociedade brasileira às figuras de dois de seus distintos soldados que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Pinto Duarte, em particular, foi homenageado também com o nome de um pavilhão de subunidade no atual 13º Batalhão de Infantaria Blindado, antigo 13º Regimento de Infantaria, com sede em Ponta Grossa (PR), unidade na qual serviu antes de se juntar voluntariamente à FEB.

1 Foi o primeiro oficial da FEB a efetivamente conquistar uma cidade de maior porte (Camaiore) e a ser agraciado com uma medalha estrangeira por bravura, no caso a “Silver Star”, do Exército dos Estado Unidos da América, também como resultado desse grande feito.

2 Muito afeito às metáforas, sobretudo as relacionadas aos fenômenos físicos e químicos, Clausewitz explicava, em síntese, que a incerteza do combate, como parte inerente à própria natureza da guerra, é como uma “névoa” a ofuscar a visão dos planejadores e dos executores das ações, afastando-os, em certa medida, da realidade, seja em razão do livre arbítrio do inimigo, que desenvolve suas atitudes conforme sua própria vontade, seja pelas condições de tempo e espaço em permanente mudança, agindo continuamente sob às percepções das pessoas.

3 Posição defensiva do Eixo, apoiada na cadeia montanhosa dos Apeninos, em muitas partes fortificada com concreto, que cortava horizontalmente a península italiana de costa a costa, com quase 300 Km de extensão.

4 Composto por duas Seções de Metralhadoras, cada uma com duas metralhadoras calibre .30 polegadas, perfazendo um total de quatro peças por pelotão.

5 Cada Batalhão de Infantaria possuía uma CPP. Essa subunidade, por sua vez, estava composta por dois Pelotões de Metralhadoras (quatro metralhadoras .30 em cada fração, com um total de oito peças) e um Pelotão de Morteiros de 81 mm, composto por seis peças, duas por cada uma das três Seções de Morteiros. Havia, ainda, uma peça de metralhadora calibre .50 polegadas junto à Seção de Comando da companhia, bem como dois lançadores de rojões M1 anticarro por Seção de Comando de pelotão, totalizando seis.

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Excepcional texto Cel, cuja narrativa não apenas detalha de forma vívida e precisa os eventos históricos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial, mas também presta uma homenagem comovente aos heróis que lutaram com coragem e sacrifício. A clareza e a profundidade que abordaram os feitos do Capitão Atratino Cortês Coutinho e do 1º Tenente José Maria Pinto Duarte, em especial, nos permitem entender não apenas as dificuldades enfrentadas no campo de batalha, mas também o espírito de camaradagem e bravura que os caracterizou. Este relato nos lembra da importância de preservar e honrar a memória daqueles que, com seu sangue e suor, garantiram um legado de valor e heroísmo para as futuras gerações. Parabéns mais uma vez!

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