Os projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) para a área da Defesa necessitam de ferramentas e técnicas robustas de gestão. Tais projetos possuem características específicas como:
O tempo e o custo da solução são de importância secundária: o desenvolvimento de soluções tecnológicas para a Defesa é mais focado na eficácia e na capacidade operacional do que em escalas de tempo e orçamento (KUCHTA; SKOWRON, 2016).
Os objetivos são ambíguos: isto é, especialmente comum em projetos grandes que surgem de requisitos gerais e ao longo do tempo devem ser definidos de forma mais restritiva (KUCHTA; SKOWRON, 2016; FERNANDES et al, 2018).
Os requisitos são voláteis: tecnologias em constante evolução e ameaças imprevisíveis exigem adaptação constante (ALAM; TOPPUR, 2019; FERNANDES et al, 2018; HUCHZERMEIER; LOCH, 2001).
Os financiamentos são públicos e devem obedecer aos procedimentos formais (KUCHTA; SKOWRON, 2016), como:
Um modelo reconhecido em etapas que ajuda a manter uma abordagem disciplinada e controlada durante as fases de desenvolvimento.
Um processo de tomada de decisão rigorosamente controlado, que exige avaliações rigorosas antes de entrar em uma nova fase.
Métodos sistemáticos que estimulem, simultaneamente, a criatividade e o pragmatismo.
Essas características ressaltam a complexidade dos projetos de PD&I na área da Defesa e evidenciam a necessidade de uma gestão que integre rigor técnico com flexibilidade para lidar com mudanças e incertezas.
A Abordagem Híbrida para Gestão de Projetos
Com base nessas particularidades, deve-se superar a resistência ao planejamento de forma tradicional, que preconiza em detalhar inicialmente todas as etapas de um projeto (ALAM; TOPPUR, 2019; PMI, 2017). Uma técnica criada pelo General dos Estados Unidos Collin Powell orienta que a tomada de decisão deve ser feita quando se tem entre 40 e 70% das informações necessárias, pois esperar por 100% dos dados pode resultar em decisões tardias e oportunidades perdidas.
Dessa forma, conclui-se que uma abordagem de gestão híbrida, que reúne o tradicionalismo e a mentalidade ágil, possui maior correlação para lidar com os desafios inerentes aos projetos de PD&I na área da Defesa. Essa combinação permite equilibrar o rigor imposto pelos processos formais com a flexibilidade necessária para abordar as incertezas e o dinamismo típicos desses projetos.
A Engenharia de Sistemas possui mecanismos para gerenciar e integrar soluções complexas. Ela oferece uma perspectiva holística do projeto, cobrindo todas as fases do seu ciclo de vida e assegurando que os requisitos funcionais e técnicos sejam plenamente considerados (FREITAS; OLIVEIRA, 2008).
Métodos Ágeis, adicionalmente, privilegiam ciclos curtos de desenvolvimento, feedbacks contínuos e rápidas adaptações às mudanças (DIKERT et al, 2016). Essa abordagem iterativa possibilita que as equipes identifiquem e respondam com agilidade às mudanças conforme elas são identificadas durante as atividades do projeto. O que alivia os efeitos dos requisitos incertos e aumenta a qualidade das soluções finais.
A Figura 1 é um exemplo de uma integração entre a engenharia de sistemas e práticas ágeis. Cada equipe, seja de hardware, firmware ou software, possui sua particularidade no que diz respeito a prazos e custos. Tais particularidades influenciam na cadência para gerar incrementos físicos, bem como épicos de firmwares e softwares (INCOSE, 2023).
Figura 1: Ilustração que retrata os processos de iteração e de incremento assíncronos utilizando engenharia de sistemas em sinergia com as práticas ágeis. (Fonte: INCOSE, 2023)
A abordagem híbrida para a gestão de projetos de PD&I na área da Defesa traz ganhos significativos, como:
a) Fornece uma abordagem prática com a metodologia formal de Engenharia de Sistemas: que torna nossos engenheiros disciplinados e atentos em cada etapa do desenvolvimento, garantindo que o resultado final seja robusto e confiável.
b) Adaptabilidade: as metodologias ágeis permitem que as equipes respondam efetivamente as incertezas e se adaptem aos novos cenários e requisitos, à medida que o projeto se desenvolve.
Capacitação - a primeira etapa para alcançar o objetivo
Para que esse método integrado funcione de forma efetiva, é crucial que o Exército Brasileiro continue investindo na capacitação de seus recursos humanos. Devido à complexidade, aos desafios e à velocidade de mudança cada vez maior dos artefatos tecnológicos presentes nos campos de batalha, possuir profissionais especializados em gerir projetos tecnológicos do planejamento até a conclusão se torna não mais um mero requinte, mas, sim, uma necessidade pujante.
Por intermédio do treinamento e da capacitação de militares e civis, a equipe possuirá, além de um arcabouço teórico fundamentado nas melhores práticas internacionais de gestão de projetos, o conhecimento prático necessário para enfrentar os objetivos complexos e de natureza inovadora dos projetos de PD&I na área da Defesa. Essa preparação não apenas fortalece a capacidade técnica do Exército, mas também contribui para a disseminação do conhecimento científico e tecnológico no Brasil.
Influência no Exército e na Sociedade Brasileira
Com impactos positivos além do escopo do Exército Brasileiro, investir em Engenharia de Sistemas, Gestão de Projetos e em abordagens adaptativas também é uma estratégia poderosa. Essas abordagens estimulam a indústria nacional, fortalecem a soberania tecnológica e contribuem para o crescimento econômico e social do país, impulsionando a inovação e o avanço tecnológico.
O Exército Brasileiro gera conhecimento, qualifica mão de obra e amplia a Base Industrial de Defesa (BID) ao treinar profissionais e ao conduzir projetos de forma integrada. Formar uma estrutura que é capaz de resolver problemas tecnocientíficos futuros garantirá, não só a soberania nacional, mas, também, impulsionará o desenvolvimento do País. Assim, é imprescindível que o Exército Brasileiro continue aprimorando seus recursos humanos em Engenharia de Sistemas, Gestão de Projetos e métodos ágeis para fortalecer sua capacidade de inovação e de resposta aos desafios emergentes.
Referências
ALAM. M. P.; TOPPUR, B. Hybrid Agile Project Management Model for New Product Development in Aerospace. International Journal of Operations and Quantitative, v. 25, n. 1, p. 59-73, 2019.
DIKERT, K.; PAASIVAARA, M.; LASSENIUS, C. Challenges and success factors for large-scale agile transformations: A systematic literature review. The Journal of Systems and Software, 2016
FERNANDES, G.; MOREIRA, S.; ARAÚJO, M.; PINTO, E. B.; MACHADO, R. J. Project Management Practices for Collaborative University-Industry R&D: A Hybrid Approach. Procedia Computer Science, v. 138, p. 805-814, 2018.
FREITAS, J. E. F.; OLIVEIRA, L. G. The systems engineering and cops theory as management tools for information technology complex projects. Journal of Information Systems and Technology Management, v. 5, n. 1, p 15-36, 2008.
HUCHZERMEIER, A.; LOCH, C. H. Project Management Under Risk: Using the Real Options Approach to Evaluate Flexibility in R&D. Management Science, v. 47, n. 1, p. 85-101, 2001.
INCOSE, Systems Engineering Handbook: a guide for system life cycle processes and activities. 5th ed. San Diego: Wiley, 2023.
KUCHTA, D.; SKOWRON, D. Classification of R&D projects and selection of R&D project management concept. R&D Management, v. 46, n. 5, p. 831–841, 2016.
LINK, C. P.; SILVA, G.; BARICHELLO, R. MAGRO, C. B. D. Fatores Críticos no Gerenciamento de Projetos Públicos Sustentáveis. Revista de Gestão de Projetos, v. 11, n. 2, p 87-109, 2020.
PMI. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos. Guia PMBOK, 6a. ed. – EUA: Project Management Institute, 2017.
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