Francês Técnico para as Missões de Paz da ONU: adaptando o conteúdo às necessidades operacionais no terreno

Autores: 1º Ten Milena Fonseca Santos de Oliveira
Quarta, 17 Dezembro 2025
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O domínio de uma língua estrangeira é uma habilidade cada vez mais crucial para as forças armadas modernas. Em um cenário globalizado, onde as operações militares frequentemente ocorrem em contextos de coalizão e em nações estrangeiras, a comunicação eficaz pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma missão. Para as forças armadas brasileiras, a capacidade de se comunicar em francês pode ser particularmente relevante em missões de paz ou operações conjuntas em países francófonos na África. Pois, cabe ressaltar que o francês é uma das seis línguas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) e, junto com o inglês, atua como língua de trabalho em diversas agências e operações de manutenção da paz (peacekeeping).

Nas missões de paz da ONU, a escolha de um idioma operacional depende do contexto geopolítico e da realidade linguística do país anfitrião. Em várias zonas de atuação, como na África Ocidental e Central (Mali, República Centro-Africana e República Democrática do Congo), o francês é a língua predominante para a comunicação com autoridades locais, civis e forças armadas de países francófonos. No entanto, o ensino de francês para militares não pode seguir o mesmo modelo de um curso de idiomas tradicional. É preciso um enfoque específico que adapte o conteúdo às necessidades operacionais no terreno, já que um curso de francês geral, focado em conversação cotidiana, gramática complexa e literatura, não atende às demandas urgentes do ambiente militar.

Desta forma, um soldado ou um oficial em missão precisa de vocabulário e estruturas frasais que sejam imediatamente aplicáveis em situações de alto estresse. A prioridade do processo de ensino-aprendizagem em língua francesa neste contexto de missão de paz não é discutir arte ou política, mas sim o fato de comandar e ser comandado para entender e dar ordens claras e concisas; tais como implicações sobre a questão da segurança, dos primeiros socorros a fim de comunicar os perigos, implica também pedir ajuda e prestar assistência médica básica, inclui o desenvolvimento da interação com a população local para estabelecer confiança, coletar informações e fornecer instruções, facilitando, assim, no decorrer da comunicação tática visando à utilização de termos específicos para armas, equipamentos, posições e manobras.

Por tudo isso, este ensino se fundamenta na linguística funcional (Michael Halliday), que se fundamenta na relação entre a estrutura gramatical das línguas e os contextos comunicativos em que elas são usadas, tendo como principais características o foco na função da linguagem, ênfase no uso da língua, rejeição da autonomia da gramática e a importância do contexto, já que as aulas são focadas em situações práticas, visando à capacidade de usar a linguagem para atingir objetivos específicos, como pedir algo, expressar necessidades, relatar incidentes, negociar, resolver conflitos, etc; assim algumas estratégias incluem:

- vocabulário específico: criar glossários e lista de termos que são diretamente relevantes para as operações. Isso inclui a identificação de armas, veículos, postos e graduações militares, termos de navegação e localização e primeiros socorros. A ênfase deve ser em palavras e frases de uso frequente, eliminando o que é prescindível;

- simulações e role-playing: a teoria por si só não é suficiente. Os militares devem ser colocados em cenários simulados que replicam as situações que encontrarão no terreno. Isso pode incluir a simulação de um posto de controle (checkpoint), uma patrulha em área urbana ou a interação com uma autoridade local. O objetivo é que a comunicação se torne um reflexo, mesmo sob pressão;

- foco na audição e na pronúncia correta: em uma situação de combate ou crise, a capacidade de entender ordens e informações rapidamente é vital. O treinamento deve incluir a audição de comunicações de rádio, sotaques variados (já que o francês é falado em diversos países) e a prática de pronúncia para garantir que as mensagens sejam compreendidas sem ambiguidades;

-aspecto cultural: é preciso levar em consideração que mais do que um simples instrumento de comunicação, o francês é um elo multicultural que conecta povos de diferentes etnias e línguas maternas. Este elo reforça que a francofonia africana é plural, dinâmica e criativa, marcada por uma identidade própria, ressaltando, assim, a pertinência dos aspectos culturais de cada missão, já que cada uma possui suas especificidades;

-treinamento com conteúdos específicos: o ensino pode ser dividido em módulos ou conteúdos temáticos, como “Operações de paz”, “Ajuda Humanitária”, “Relação com a mídia”, etc. Isso permite que o treinamento seja ajustado às necessidades específicas de cada missão ou ramo das forças armadas;

-conteúdo autêntico: o uso de materiais autênticos como notícias, vídeos e áudios de rádio em francês, especialmente aqueles relacionados a contextos militares ou de segurança, ajuda a familiarizar os alunos com o ritmo, o sotaque e o vocabulário fidedigno do idioma. Isso torna o treinamento mais relevante e prático;

- conformidade ao CPTM: O Core Pre-Deployment Training Materials (CPTM) ou le Matériel de Formation Pré-deploiement (PDT) é um material elaborado pela ONU para que os países contribuintes de tropa ou missão individual orientem e instruam seus militares com conteúdos distribuídos em três módulos, a saber: módulo 1: visão geral das operações de manutenção da paz da ONU, módulo 2: mandatos e prioridades e o módulo 3: capacete azul em missão individual, a fim de que ocorra uma homogeneização, isto é, um nivelamento básico de conhecimentos dos militares a serem desdobrados em uma missão de paz das Nações Unidas. Por isso, a necessidade do estudo deste material atrelado às expressões semânticas em língua francesa para o uso adequado nas situações comunicativas e nas missões de paz;e

-missões linguísticas: atividades nas quais os militares devem completar uma tarefa (como negociar acesso a uma área, elaborar um relatório, conduzir um briefing, etc) usando apenas o francês. Com isso, determinados conteúdos, tais como les grades, des équipements, les chiffres, les indicateurs géographiques et climatiques, des protocoles de sécurités, les premiers soins, des faits au passé, l’aide humanitaire, etc; constituem não apenas uma ferramenta de comunicação, mas um multiplicador de eficácia e segurança nas missões de paz da ONU. Ao dominar esta língua em contexto de missão de paz, os militares brasileiros podem atuar de forma mais integrada, profissional e respeitosa, fortalecendo a imagem do Brasil como parceiro confiável nas operações internacionais. Como disse o ex-Comandante da MONUSCO, General Carlos Alberto dos Santos Cruz: “A comunicação é tão importante quanto a estratégia. Sem entender, não se comanda”.

Bibliografia:

MANGIANTE & PARPETTE, Jean-Marc & Chantal. Le Français sur Objectif Spécifique: de l’analyse des besoins à l´élaboration d’un cours. Hachette; 2004.

MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de Linguística. Contexto, São Paulo; 2008. https://peacekeepingresourcehub.un.org/en/training/pre-deployment/cptm/

https://minusca.unmissions.org/sites/default/files/resolution_2759_2024_0_0.pdf file:///C:/Users/USU%C3%81RIO/Downloads/S_RES_2765_(2024)-FR.pdf

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