Escuta ativa: o diferencial dos grandes líderes

Autores: Cap R1 Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante
Segunda, 04 Novembro 2024
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É usualmente aceita a ideia de que as autoridades decisoras não dispõem de muito tempo, visto que precisam se dedicar a resoluções de problemas mais urgentes, prioritários. Certamente, com base nesse senso comum é que os despachos não devem levar mais de 20 minutos; as reuniões, estourando 60 minutos; os documentos para leitura, precisam ser sintetizados em UPM (Uma Página no Máximo) e assim se vai fomentando o perigoso desenvolvimento da “Síndrome do Pensamento Acelerado” (SPA), com incidência muito danosa não só para as inter-relações líderes-liderados, mas, especialmente, para o constructo cognitivo, ao ratificar o paradigma do “já saber” quando não se sabe ainda por completo ou do “saber pela metade”, porque foi construído apressadamente.

Dentro desse contexto, constata-se facilmente que, a cada dia, o mundo definido pelo antropólogo americano Jamais Cascio, a partir do acrônimo “BANI” (Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible), cuja tradução livre é: Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível, tem demonstrado apetite para a adição de novas letras significativas, por exemplo, mais um “N” (BANIN), assumindo uma nova conotação semântica: Frágil, Ansioso, Não-linear, Incompreensível e Narcisista, reprogramando a percepção individual e coletiva do modo de ser e estar no mundo.

A reflexão ora apresentada é um recorte ao entendimento da necessidade de o líder contemporâneo, especialmente o militar, praticar a escuta ativa em todos os níveis de interlocução, independentemente do grau de importância que se atribui ao assunto tratado, simplesmente porque esta não é a única variável relevante no decorrer do diálogo, senão, a via que proporciona a captação de tantas outras nem sempre explicitadas na ação verbal, mas que podem ser desveladas na observação comportamental do falante durante o discurso.

Naturalmente, é mais fácil o liderado perceber quando não está sendo escutado com cuidado, respeito e empatia (ativamente) pelo líder do que o reverso, sobretudo nos espaços hierarquizados onde os momentos de fala seguem um viés estruturante muito próprio – no caso militar, em particular, de acordo com a precedência ou do mais antigo para o mais moderno – estabelecendo um grau de atenção às vezes escalonado. Nesse sentido, a práxis da escuta ativa torna-se um atributo diferencial para a liderança contemporânea.

Todavia, é razoável questionar sobre a principal razão que pode levar o líder a não desenvolver e/ou praticar a escuta ativa. Tudo indica que o “tempo” disponível ou a sua falta tem sido o fator determinante para que os líderes deixem de escutar com a devida atenção seus liderados, quer seja numa reunião formal, na leitura de um documento previamente elaborado ou mesmo em um bate-papo informal no corredor da organização. Porém, cabe a reflexão, será mesmo o “tempo”, o leitmotiv a influenciar no comportamento displicente do líder em relação ao desenvolvimento da habilidade de escutar ativamente?

Em Confissões, certamente a obra mais conhecida de Santo Agostinho, há uma passagem em que o autor questiona de forma filosófica o tempo. Diz ele: “que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei.” Entender essa passagem é mais ou menos inferir que o único tempo capaz de tornar uma escuta ativa é o presente, porque ela não cabe nem no passado nem no futuro.

Assim sendo, o líder deve sempre se policiar para evitar a escuta atrasada ou apressada, ao contrário, precisa preparar o campo para a prática consciente da escuta ativa no tempo presente que, indubitavelmente, requer outros preparos subsumidos, tais como: respeito pelo interlocutor, contenção do próprio impulso da fala, empatia, dentre outros. Adicionalmente, a práxis de escutar ativamente pode contribuir para mitigar um dos maiores problemas tido como falha comum nos líderes contemporâneos, a comunicação1!

Ademais, ouvir com atenção, contribui para que o líder possa desenvolver melhor a sua capacidade de oferecer tanto o feedback quanto o feedforward aos seus liderados, duas ferramentas fundamentais nas relações interpessoais. Desse modo, é possível, no presente, acessar o que já passou para servir de ensinamento e oportunidade de melhoria, bem como trabalhar preditivamente projetando situações que poderão ocorrer no futuro, requerendo tomada de decisão hoje.

À guisa de sugestão, segue o “decálogo” da escuta ativa:

 

Situação

Linha de ação

Vai ouvir alguém?

 

1) Reserve um momento mais oportuno para escutar com atenção.

2) Exerça o silêncio e permita que o interlocutor fale.

3) Anote os pontos importantes expressos pelo interlocutor.

4) Inicie e termine a conversa, evitando a sensação de desinteresse pelo assunto.

5) Procure captar a emotividade do interlocutor através da fala e dos gestos.

6) Não tente adivinhar o que o interlocutor tem a dizer, deixe-o falar.

7) Valorize a expressão do pensamento do interlocutor demonstrando empatia.

8) Evite pensar em outros assuntos.

9) Suspenda qualquer atitude de julgamento que possa sentir.

10) Esvazie-se de suas convicções e seus paradigmas a fim de não ser influenciado.

 

 

Fonte: Autor.

É razoável supor que, praticando o “decálogo” acima, o líder possa reconhecer a existência de outra dinâmica no processo dialógico, de modo a resgatar a “singularidade do sujeito” que fala, entendendo e valorizando a subjetividade de sua fala. Ao mesmo tempo em que percebe e diferencia a ação de ouvir da ação de escutar, distinção fundamental que atrela a práxis da escuta ativa à atenção requerida para ouvir o interlocutor.

Nesses termos, a práxis da escuta ativa pode mitigar ou mesmo livrar o líder de agir baseado em comportamentos precipitados, superficiais, imediatistas e conturbados, usando aqui o acrônimo PSIC cunhado pelo Gen Ex Richard2. Ademais, a escuta ativa também contribui para gerar o círculo de segurança tão necessário à relação estabelecida entre líderes e liderados, porque cria a sensação de pertencimento, de valores compartilhados e de profunda empatia, reforçando drasticamente a confiança, a cooperação e a solução de problemas (SINEK, 2015, p.39)3.

Finalizando, cabe ainda esclarecer que a ideia de refletir sobre esse assunto é resultante da percepção de que cada vez menos se tem criado espaço para a escuta ativa, porque a velocidade com que se ouve as mensagens de áudio no ZAP tem sido a mesma que direciona os relacionamentos sociais na vida cotidiana, amplamente baseados em interlocuções apressadas ou em nanodiálogos.

Pratique a escuta ativa, aprenda a ouvir com respeito e atenção!

1 Vide: https://exame.com/carreira/lideres-modernos-problemas-antigos-veja-as-9-preocupacoes-que-estao-tirando-o-sono-dos-executivos/

2 Vide artigo - https://eblog.eb.mil.br/w/a-lideranca-estrategica-ante-os-desafios-do-mundo-psic

3 SINEK, Simon – Líderes se servem por último: como construir equipes seguras e confiantes. São Paulo, HMS Editora, 2015.

CATEGORIAS:
Recursos Humanos

Comentarios

Comentarios

Parabéns pelo artigo. Sugiro que o encaminhe a coordenação do Curso de Adjunto de Comando da EsIE. 

Parabéns pelo artigo, Cmdt. Cavalcante, especialmente sobre a obra de Santo Agostinho - da qual tenho pouco conhecimento e que irei pesquisar.

Porém, creio que a atual evolução tecnológica exige mais celeridade nas relações interpessoais reais, ou corremos o risco de perder líderes/especialistas para outros atores do cenário internacional, mais ativos.

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