Desafios da Amazônia Oriental: o 53º BIS, a complexidade logística e o papel integrador do Exército na TI Munduruku

Autores: Cap Renan Oliveira
Quarta, 18 Junho 2025
Compartilhar

No contexto das ações governamentais voltadas à proteção dos territórios indígenas e ao enfrentamento de atividades ilícitas na Amazônia Legal, a Operação de Desintrusão da Terra Indígena Munduruku (OD-TIMU) representou um marco de articulação interagências e de afirmação da presença estatal em uma das regiões mais remotas do País. Determinada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da ADPF 709, a missão teve como escopo a retirada de invasores, a neutralização do garimpo ilegal e a garantia do usufruto exclusivo do povo Munduruku sobre suas terras tradicionalmente ocupadas.

Localizados no oeste do Pará, os municípios que abrigam a TI Munduruku, Jacareacanga e Itaituba, são conhecidos como importantes polos da extração aurífera na Amazônia. Entretanto, essa riqueza mineral não se converte em progresso socioeconômico para a população local, ao contrário: a maior parte dos garimpos opera ilegalmente, degradando o meio ambiente e esgotando os recursos naturais sem oferecer contrapartidas.

A execução da operação contou com a participação de mais de vinte órgãos da administração pública federal, sob coordenação da Casa Civil da Presidência da República. Coube ao Exército Brasileiro — por meio do 53º Batalhão de Infantaria de Selva (53º BIS), subordinado à 23ª Brigada de Infantaria de Selva — a responsabilidade por estruturar e sustentar a espinha dorsal logística da missão.

Instalada em Jacareacanga, a Base Operacional montada e mantida pelo 53º BIS tornou-se o centro de gravidade da Operação. A localidade, historicamente marcada pela presença militar desde a Revolta de 1956, voltou a desempenhar papel central na integração do Estado brasileiro com a região. Entre novembro de 2024 e janeiro de 2025, foram mobilizados 121 militares da Unidade, em apoio direto acerca de 300 agentes públicos de diversos órgãos.

Durante esse período, a tropa operou em um dos ambientes mais inóspitos do território nacional: o coração da floresta amazônica. As dificuldades logísticas foram intensificadas pelas intensas chuvas que caracterizam a estação do inverno amazônico, tornando trechos da BR-230 (Transamazônica) extremamente perigosos e, por vezes, intransitáveis. Além disso, o modal fluvial não oferecia alternativa viável, uma vez que o Rio Tapajós, no trecho entre Itaituba e Jacareacanga, não é navegável. A Unidade tampouco dispunha de meios próprios adequados para esse tipo de transporte, restando como alternativa o apoio aéreo provido pelas aeronaves do Destacamento de Aviação do Exército, sediado em Belém(PA). No entanto, as limitações operacionais e a longa distância reduziam consideravelmente a capacidade de resposta e a frequência das missões aéreas.

A logística de suprimento foi ainda mais comprometida pela dificuldade de reposição de materiais de construção, itens de manutenção elétrica e mecânica de viaturas, bem como gêneros e utensílios de cozinha. O receio de represálias por parte da população local e de comunidades influenciadas pela presença do garimpo ilegal contribuiu para a escassez de fornecedores dispostos a colaborar com a Operação. Ainda assim, graças à notável flexibilidade da tropa e ao elevado grau de coordenação e cooperação entre os diversos órgãos envolvidos, todos os obstáculos foram superados. A capacidade de adaptação dos militares e a integração interagências foram decisivas para manter o fluxo logístico e assegurar a continuidade das ações em um ambiente de selva com severas restrições operacionais.

A magnitude do esforço logístico revela-se nos números: mais de 543 toneladas de suprimentos transportadas pela precária BR-230 (Transamazônica), mais de 161 mil quilômetros percorridos, aproximadamente 59 mil litros de combustível consumidos apenas em Jacareacanga e cerca de 21 mil refeições quentes servidas ao longo da Operação. Na área da saúde, foi estruturado um posto médico avançado que realizou cerca de 300 atendimentos, com ênfase na prevenção de doenças endêmicas, como malária e infecções respiratórias.

O planejamento minucioso e a execução disciplinada possibilitaram a instalação de uma base capaz de abrigar até 300 agentes, além do efetivo permanente de militares, com infraestrutura completa de rancho, alojamento, comunicações, armazenamento, segurança e apoio técnico. Conforme relatado pelo Tenente-Coronel Humberto, comandante do 53º BIS, a Operação exigiu “logística robusta e controle rigoroso de todas as etapas, da chegada ao desdobramento final dos meios”.

Os resultados operacionais foram expressivos: 523 ações de fiscalização, inutilização de 90 acampamentos ilegais, destruição de 27 máquinas pesadas, 224 motores, 15 embarcações e apreensão de aproximadamente 96 mil litros de combustível ilegal. Estima-se um prejuízo superior a R$ 112 milhões às atividades criminosas, com mais de R$ 24 milhões em multas aplicadas pelos órgãos ambientais.

Importante destacar que as ações foram ininterruptas, mesmo durante os feriados de Natal e Ano Novo, revelando de forma clara a disponibilidade permanente e a dedicação exclusiva de seus militares, reafirmando o compromisso da Força e dos demais entes públicos com a missão constitucional de proteção do território nacional e de seus povos originários. A presença constante do Exército, especialmente em regiões onde o Estado enfrenta obstáculos estruturais, reafirma seu papel como vetor de integração e sustentação da soberania.

A OD-TIMU também atuou no enfrentamento de graves impactos sociais, ambientais e humanos causados pelo garimpo ilegal na TI Munduruku, como a destruição ambiental, a contaminação por substâncias tóxicas, a propagação de doenças, violações de direitos humanos e a marginalização das comunidades locais, cujos prejuízos recaem sobre a coletividade enquanto os lucros ficam concentrados nas mãos de poucos.

Mais do que uma Operação de desintrusão, a OD-TIMU consolidou-se como um exercício de Estado, no qual a presença militar transcende o campo físico e manifesta-se como expressão de vontade política e institucional. A história há de registrar que, nos sertões do Tapajós, o Exército Brasileiro reafirmou seu papel como instrumento de integração nacional, consolidando sua vocação de servir onde o Estado mais necessita.

Referências

BRASIL. Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Governo Federal intensifica combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/12/governo-federal-intensifica-combate-ao-garimpo-ilegal-na-terra-indigena-munduruku. Acesso em: 09 abr. 2025.

MATTOS, Rubens R. de. A logística militar na Amazônia: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2014.

CATEGORIAS:
Logística

Comentarios

Comentarios

カテゴリフィルター

Artigos Relacionados