As eras das Revoluções: Militar, Técnica-Militar e em Assuntos Militares

Autores: S Ten Julio Cezar Rodrigues Eloi
Quarta, 05 Novembro 2025
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Em breve consulta aos periódicos especializados em defesa, geopolítica, história militar, relações internacionais, segurança e afins, regularmente são apresentados trabalhos versando sobre os conceitos de Revolução Militar - RM (Military Revolution - MR), Técnica-Militar - RTM (Military-Technical Revolution - MTR) e em Assuntos Militares - RAM (Revolution in Military Affairs - RMA). Dessa maneira, como forma de contribuir para o assunto, proponho um artigo sintético para elucidar possíveis dúvidas.

Os termos RM, RTM e RMA descrevem conceitos distintos, porém relacionados, sobre mudanças transformadoras na guerra. RM refere-se a amplas mudanças na organização, estratégia e táticas militares que alteram a sociedade, frequentemente acompanhadas por avanços tecnológicos. RM enfatiza o papel da tecnologia como principal impulsionador da mudança, enquanto RMA se concentra na aplicação de novas tecnologias, combinadas com doutrinas e estruturas organizacionais inovadoras, para alcançar uma vantagem decisiva na guerra.

O conceito de RM foi popularizado por Michael Roberts, descrevendo uma transformação fundamental na guerra em toda a sociedade, que envolve não apenas a organização e táticas militares, mas também mudanças sociais, econômicas e políticas mais amplas. Incluem as mudanças na guerra europeia durante o início do período moderno, impulsionadas pela introdução de armas de fogo, que levaram a exércitos maiores e mais disciplinados e a novas formas de organização estatal. RTM, por outro lado, é particularmente proeminente no pensamento militar soviético, enfatizando o papel central da tecnologia na condução da mudança militar.

A RTM destaca como novas armas e tecnologias podem alterar fundamentalmente a guerra, com novas estratégias e táticas. Por sua vez, a RMA trata-se de conceito que enfatiza o efeito combinado da inovação tecnológica, mudanças organizacionais e novas doutrinas na obtenção de uma vantagem decisiva.

A RMA é uma aplicação específica da RTM, com foco em como esses elementos podem ser combinados para criar um novo "modo de guerrear". Como fundador dessa ideia, Michael Roberts introduziu o conceito de RM na década de 1950, com foco no período de mudança na guerra europeia do século XVI ao XVIII.

De fato, um elemento principal na RM foi o aproveitamento, pela 1ª vez e em larga escala, da ciência para a guerra: a pólvora, no final do séc. XVI, deu às armas uma nova eficácia, e teria sido ainda mais relevante se a metalurgia extraísse o máximo proveito desse avanço (Roberts, 2018). Um século de progresso técnico, no entanto, esteve por trás da artilharia leve sueca, além do fato de que, após o telescópio portátil, era adotada por Mauricio de Nassau e Gustavo Adolfo (Roberts, 2018).

A importância para fins militares dos avanços na cartografia parece ter sido reconhecida pela primeira vez por Stefan Batory, que mandou desenhar mapas militares na década de 1580 (Roberts, 2018). Embora seu conceito inicialmente tenha sido proposto por Michael Roberts, a RM obteve sugestões de ajustes por Geoffrey Parker e Jeremy Black, bem como a ideia de substituição de revolução por inovação, a cargo de Marcus Meumann (Wollschläger, 2022).

Para Parker, entretanto, foi a tecnologia, e não a tática, o motor principal. Especificamente, o surgimento dos canhões significou que as muralhas dos castelos medievais se tornaram obsoletas a partir de meados do século XV (Sharman, 2018). A resposta à pólvora foi um novo estilo de fortificação, com desenhos em estilo italiano, muros baixos e espessura para resistir à artilharia (Sharman, 2018).

Sharman (2018) explica que o problema, no entanto, era que essas defesas eram caras de construir (especialmente porque a ideia era ter múltiplas fortificações que se apoiassem mutuamente) e exigiam forças muito grandes para guarnecer ou atacar. Essa mudança tecnológica na artilharia e nas fortificações causou o aumento do tamanho dos exércitos, daí a necessidade de maior receita e capacidade administrativa, e, consequentemente, a ascensão do Estado soberano moderno.

A literatura sobre RM, em geral, focaliza apenas o contexto europeu e ignora exemplos de outros continentes. Essa omissão é particularmente notável no caso dos turcos otomanos, dado que eram uma potência não europeia envolvida em grandes guerras com grandes potências do velho continente durante séculos e representaram, por muito tempo, uma ameaça existencial para muitas políticas cristãs (Sharman, 2018).

Os otomanos conseguiram infligir sérias derrotas aos russos e aos Habsburgos em 1711 e 1737-1739 (Black, 1998). Embora tenham sido superados depois disso, ao contrário dos espanhóis, portugueses, franceses, suecos, poloneses, neerlandeses e do Sacro Império Romano-Germânico, os otomanos permaneceram invictos e mantiveram a maior parte de seu território até o final do século XIX (Sharman, 2018).

A perspectiva eurocêntrica explica que a RM se deve ao desenvolvimento europeu a contar do século XVI, mas que pode excluir outras variáveis como o fator diplomático com outras potências do velho continente e alianças com tribos dos países conquistados. O foco centrado na Europa obscurece eventos de destaque como a conquista otomana do sudeste europeu e norte-africano, assim como o império mogol no subcontinente indiano e a conquista manchu na China (Sharman, 2018).

Vale destacar que períodos relativamente breves de sucesso, como os dos neerlandeses e suecos, são vistos como de importância histórica e duradoura (Sharman, 2018). Além do conceito de RM, para avançar a discussão, apresenta-se o conceito de RTM, de contexto histórico mais recente.

Para Adamsky (2008), em meados da década de 1970, os EUA desenvolveram uma compreensão geral dos mecanismos de como os soviéticos desenvolveram seu pensamento militar, com exercícios para testar proposições teóricas, discussões doutrinárias e conferências científicas. Assim, a inteligência estadunidense traduziu escritos soviéticos de doutrina, estratégia e conceitos operacionais (Adamsky, 2008).

A Agência Central de Inteligência (CIA) tinha à sua disposição considerável material soviético sobre a MTR emergente e suas implicações para a visão soviética da guerra futura (Adamsky, 2008). Essas fontes, que incluíam traduções do periódico classificado Voennaia Mysl, lançaram muita luz sobre o termo revolução técnico-militar dentro do contexto do pensamento militar soviético da época (Adamsky, 2008).

Em 1974, a obra seminal “Progresso Científico-Técnico e Revolução nos Assuntos Militares” foi traduzida e disseminada pela CIA (Adamsky, 2008). Em 1981, um relatório especial foi dedicado à metodologia soviética de "previsão em assuntos militares", que investigou a natureza das mudanças paradigmáticas na natureza da guerra e a essência do atual MTR em particular (Adamsky, 2008).

É importante destacar que, em 1977, Nikolai Ogarkov, chefe do estado-maior geral soviético, utilizava continuamente o termo revolução técnico-militar, indicando que tanto a tecnologia de ponta, que tornou possível "ver e atacar profundamente" no futuro campo de batalha, quanto às mudanças organizacionais necessárias para acomodar esse armamento emergente, não constituiriam uma fase em um processo de adaptação evolutiva, mas uma genuína descontinuidade nos assuntos militares (Adamsky, 2008). O impacto da "revolução técnico-científica" exigiu a exploração de tecnologias emergentes para conceber formas radicalmente inovadoras de conduzir operações e reformular os métodos de guerra em cada força militar (Adamsky, 2008).

A ciência militar soviética obrigou os teóricos a atender e diagnosticar as descontinuidades na natureza da guerra – aquelas mudanças fundamentais que ocorrem nas operações e organizações militares sob o impacto das novas tecnologias (Adamsky, 2008). Para conceptualizar os avanços científico-tecnológicos que trouxeram mudanças radicais nas formas e meios de travar a guerra, os termos "revolução nos assuntos militares" e "revolução militar-tecnológica" foram introduzidos na ciência militar soviética após a II Guerra Mundial (Adamsky, 2008).

Aplicando a metodologia de "previsão e antevisão", os soviéticos analisaram as tecnologias emergentes a fim de identificá-las como revolucionárias ou evolucionárias em relação ao conflito futuro (Adamsky, 2008). Naquela época, identificaram duas RMA/ MTRs: a mecanização da guerra na década de 1920 e a fusão das tecnologias nuclear e de mísseis na década de 1950 (Adamsky, 2008).

Para Adamsky (2008), em meados da década de 1970, os soviéticos se engajaram em teorizações sobre a futura RTM, observando que aquela fase do desenvolvimento militar era caracterizada pelo surgimento sem precedentes de tecnologias e equipamentos inovadores. Aplicações de microeletrônica, laser, radiofrequências, eletro-óptica, pulso eletromagnético e feixe de partículas figuraram com destaque em discussões profissionais (Adamsky, 2008).

Do outro lado do Atlântico, estudiosos de defesa nos EUA deram vida ao debate sobre uma suposta “revolução nos assuntos militares” nos anos 1990 (Cuoco, 2010). Diversos defensores da RMA adotaram o termo revolucionário para a transformação da natureza da guerra, resultantes dos avanços nas tecnologias da informação e comunicação (TIC), sensores, sistemas de precisão de munições, etc (Cuoco, 2010).

As premissas desse pensamento da RMA foram elaboradas por Andrew Marshall, diretor do Office of Net Assessment (ONA), um think-tank interno do Pentágono (Cuoco, 2010). Cabe destacar, entretanto, que as ideias de Marshall não eram inteiramente novas: foram derivadas de pensadores estratégicos soviéticos como o Marechal Nikolai Ogarkov (Cuoco, 2010).

No seio do establishment militar soviético, os termos RMA e RTM foram introduzidos após o fim da II GM para descrever inovações militares cruciais, como o desenvolvimento de forças mecanizadas na década de 1920 e a invenção de mísseis balísticos nucleares (Cuoco, 2010). A introdução do conceito de batalha ar-terra na estratégia militar dos EUA estimulou uma série de estudos soviéticos sobre as implicações do uso em larga escala de armas de alta tecnologia, apoiadas por inovações organizacionais e doutrinárias (Cuoco, 2010).

O argumento básico de Ogarkov era que as FA que inovassem primeiro obteriam uma superioridade decisiva sobre o adversário (Cuoco, 2010). No sistema bipolar da Guerra Fria, essa avaliação (embora controversa) possivelmente ainda fazia sentido devido à clareza do contexto estratégico (Cuoco, 2010).

Marshall e seus discípulos na ONA (entre outros, Andrew Krepinevich) transplantaram as ideias de Ogarkov para os EUA e, quando a Guerra Fria chegou ao fim, essas ideias foram empregadas para afirmar que uma RMA impulsionada pela tecnologia era iminente (Cuoco, 2010). Nesse sentido, os entusiastas da RMA foram certamente encorajados pelo brilhante resultado da Operação Tempestade no Deserto no Iraque (Cuoco, 2010).

Pensadores militares soviéticos, por seu turno, primeiramente levantaram questões sobre as implicações das armas nucleares e dos mísseis balísticos intercontinentais (intercontinental ballistic missilesICBMs) para a guerra, levando ao desenvolvimento do conceito de RTM. Adiante, teóricos estadunidenses desenvolveram o conceito de RMA, particularmente no final do século XX e início do século XXI, com base em insights das discussões sobre a RTM soviética e no impacto de tecnologias como munições guiadas de precisão e guerra de informação.

Por fim, em essência, a RM é o conceito mais amplo e antigo, abrangendo mudanças sociais e militares. A RTM concentra-se nos impulsionadores tecnológicos da mudança militar, enquanto a RMA destaca a combinação de tecnologia, organização e doutrina para alcançar uma vantagem decisiva.

REFERÊNCIAS

Adamsky, D. P. (2008). Through the looking glass: The Soviet military-technical revolution and the American revolution in military affairs. Journal of Strategic Studies31(2), 257-294. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01402390801940443 . Acesso em: 20 Jul. 2025.

Black, J. (2000). War and the world: Military power and the fate of continents, 1450-2000. Yale University Press. Disponível em: https://archive.org/details/warworldmilitary0000blac/page/n5/mode/2up . Acesso em: 20 Jul. 2025.

Cuoco, C. A. (2010). The revolution in military affairs: Theoretical utility and historical evidence. Research Institute for European and American Studies, 1-103. Disponível em: https://rieas.gr/images/rieas142b.pdf . Acesso em: 20 Jul. 2025.

Roberts, M. (2018). The military revolution, 1560-1660. In The military revolution debate (pp. 13-36). Routledge. Disponível em: https://api.pageplace.de/preview/DT0400.9780429964817_A37415734/preview-9780429964817_A37415734.pdf . Acesso em: 20 Jul. 2025.

Sharman, J. C. (2018). Myths of military revolution: European expansion and Eurocentrism. European Journal of International Relations24(3), 491-513. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1354066117719992 . Acesso em: 20 Jul. 2025.

Wollschläger, T. (2022). The Manpower Revolution or the Military Revolution in the Early Modern German States. Dimensioni e problemi della ricerca storica, (2), 21-36. Disponível em: https://doi.org/10.13133/2723-9489/1476 . Acesso em: 20 Jul. 2025.

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