A ESCOLA DE LIDERANÇA E TREINAMENTO EM COMBATE: O PREPARO DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA (FEB)

Autores: Cel André Dias
Quarta, 26 Março 2025
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Ao analisar a história militar, é notório perceber a relação de causa e efeito existente entre o treinamento da tropa e o seu desempenho em combate. E, se a correta preparação dos exércitos aumenta exponencialmente a sua probabilidade de êxito no cumprimento das mais diversificadas missões, a expressão “suor poupa sangue”, tão comum no Exército Brasileiro, procura transmitir, por simples metáfora, justamente essa inapelável assertiva.

Em 22 de agosto de 1942, o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista, enviando para o Teatro de Operações do Mediterrâneo um contingente, cuja espinha dorsal foi uma divisão de infantaria aos moldes das norte-americanas1. A estruturação dessa força não foi fácil e fatores associados ao baixo nível educacional e de saúde da população, aliados às deficiências do sistema de infraestrutura e integração do País, exigiram da Nação um esforço extremo. “Era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil enviar tropas para a Itália”. Entretanto, no dia 02 de julho de 1944, o 1º Escalão de Embarque da FEB rumou para o Velho Continente, chegando a Nápoles 14 dias depois2.

Se o envio de mais de 25 mil pessoas à Europa foi um feito magnífico, a preparação antes do embarque, entretanto, deixou a desejar. Dificuldades diversas fizeram com que a mobilização terminasse somente na segunda quinzena de março de 1944. Como consequência, o contingente teve muito pouco tempo para se adestrar, uma vez reunido na Vila Militar, no Rio de Janeiro. O treinamento prévio nas sedes de origem foi pouco efetivo. Além disso, o nível de prontidão do Exército no pré-guerra não estava a contento. A mudança da doutrina militar francesa para a congênere americana, com insuficientes manuais de instrução e material militar correspondente, foi outro óbice determinante.

Uma vez na Itália, houve demora no recebimento do material. A urgência do emprego das tropas brasileiras no fronte encurtou ainda mais o escasso tempo de preparo. Para mitigar o problema, medidas foram executadas. A tropa foi submetida a programas intensivos de treinamento, sob a supervisão de militares norte-americanos, em excelentes campos de instrução, com o propósito de obter a certificação para o combate. Além disso, alguns oficiais e sargentos estagiaram em unidades na linha de frente e frequentaram cursos em escolas montadas pelo Exército dos Estados Unidos da América (EUA) na região.

Nesse contexto, destaca-se a Escola de Liderança e Treinamento em Combate (ELTC)3, pertencente ao Exército dos EUA. Localizada na cidade de Sant'Agata dei Goti4, foi concebida com a finalidade de preparar grande contingente de líderes, norte-americanos e de nações aliadas, até o nível pelotão, em curto prazo e com alta qualidade. Os conhecimentos transmitidos e as técnicas praticadas, em perfeito alinhamento à realidade do campo de batalha, somavam-se às lições aprendidas, operacionalizadas e implementadas, na busca pela excelência com objetividade e praticidade.

Dispondo de área ampla, a ELTC integrava diferentes áreas de treinamento, que reproduziam o combate sob diferentes condições. Nela, os alunos eram distribuídos para as instruções em efetivos de valor grupo de combate, pelotão e companhia de fuzileiros. Três cursos eram oferecidos: o “de soldados e graduados”, com duração de 7 semanas, para a formação dos militares em comissão de oficial; o “de conversão”, com 6 semanas, para transformar oficiais de diferentes procedências em infantes; e “o regular”, de 3 semanas, com a finalidade de aperfeiçoar capitães e tenentes.

Ante o compromisso máximo de preparar os militares para os horrores e o caos do combate, a instrução teve como linha mestra o maior realismo possível em cada atividade. Dessa forma, um dos pontos altos, sem dúvida, foi o emprego sistemático de munição real, tanto pelos alunos como pela figuração, em módulos com progressiva complexidade de tarefas. E nesse contexto, a forja do combatente individual, como ponto de partida para lapidação de líderes e comandantes, se pautou no desenvolvimento da iniciativa, da autoconfiança e da capacidade de avaliar e decidir com acerto e oportunidade, em um ambiente de trabalho em equipe.

O 1º Tenente Wilson Teixeira Mendes, autor do livro5 que inspira esse texto, foi aluno e instrutor do Curso Regular da ELTC. Em sua obra, é explicada com detalhes a dinâmica do curso e da Escola, com relatos e croquis que permitiam elucidar precisamente particularidades de cada atividade: seus objetivos; o cuidado com a segurança; a montagem e a execução dos exercícios; o material utilizado; enfim, tudo para uma adequada reprodução posterior no Brasil.

A ELTC teve um papel fundamental no emprego da FEB na Itália. Parte dos recursos humanos brasileiros treinados naquela Escola se encarregou, também, da preparação do pessoal para o recompletamento das baixas de combate, sob a supervisão competente do então Coronel Mário Travassos, responsável por todo esse processo. A presença de alunos e instrutores febianos naquela Escola, conjugada à experiência adquirira em combate, foi fator determinante para o salto de qualidade na instrução militar do pós-guerra, contribuindo decisivamente para o nível de prontidão adquirido pelo Exército Brasileiro logo após a 2ª Guerra Mundial.


 

1 O Decreto-Lei nº 9.786, de agosto de 1943, criou a Força Expedicionária Brasileira, com 25.334 componentes, tendo por base a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE).

2 O embarque da FEB ocorreu em cinco escalões: o primeiro, com o 6º Regimento de Infantaria (6º RI), saiu do Rio de Janeiro em 2 de julho de 1944 e chegou a Nápoles em 16 de julho: os 2º e 3º Escalões de Embarque, integrados pelos 1º e 11º Regimentos de Infantaria (1º RI e 11º RI), chegaram em 6 de outubro do mesmo ano; e os 4º e 5º Escalões, com os recompletamentos do Depósito de Pessoal, aportaram na Europa em 7 de dezembro de 1944 e em 22 de fevereiro de 1945, respectivamente.

3 Do inglês Leadership and Battle Training School.

4 Próxima à Caserta e anterior à época da dominação romana, está localizada no terço sul da Itália, preservando muitas construções medievais e vários pontos turísticos a serem explorados.

5 MENDES, Wilson Teixeira. A Escola Americana de Treinamento e Comando de Pelotão de Santa Ágata dei Goti – Itália. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1947.

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História
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Comentarios

Excelente artigo. Muito obrigado por compartilhar sua expertise sobre a FEB.

Relevantes ensinamentos! Nota-se, claramente, a importância atemporal de um programa de certificação para manutenção do nível de adestramento de uma tropa. "Lembrai-vos da guerra!"

Excelente  trabalho..

Parabéns. 

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