É usualmente aceita a ideia de que as autoridades decisoras não dispõem de muito tempo, visto que precisam se dedicar a resoluções de problemas mais urgentes, prioritários. Certamente, com base nesse senso comum é que os despachos não devem levar mais de 20 minutos; as reuniões, estourando 60 minutos; os documentos para leitura, precisam ser sintetizados em UPM (Uma Página no Máximo) e assim se vai fomentando o perigoso desenvolvimento da “Síndrome do Pensamento Acelerado” (SPA), com incidência muito danosa não só para as inter-relações líderes-liderados, mas, especialmente, para o constructo cognitivo, ao ratificar o paradigma do “já saber” quando não se sabe ainda por completo ou do “saber pela metade”, porque foi construído apressadamente.
Dentro desse contexto, constata-se facilmente que, a cada dia, o mundo definido pelo antropólogo americano Jamais Cascio, a partir do acrônimo “BANI” (Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible), cuja tradução livre é: Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível, tem demonstrado apetite para a adição de novas letras significativas, por exemplo, mais um “N” (BANIN), assumindo uma nova conotação semântica: Frágil, Ansioso, Não-linear, Incompreensível e Narcisista, reprogramando a percepção individual e coletiva do modo de ser e estar no mundo.
A reflexão ora apresentada é um recorte ao entendimento da necessidade de o líder contemporâneo, especialmente o militar, praticar a escuta ativa em todos os níveis de interlocução, independentemente do grau de importância que se atribui ao assunto tratado, simplesmente porque esta não é a única variável relevante no decorrer do diálogo, senão, a via que proporciona a captação de tantas outras nem sempre explicitadas na ação verbal, mas que podem ser desveladas na observação comportamental do falante durante o discurso.
Naturalmente, é mais fácil o liderado perceber quando não está sendo escutado com cuidado, respeito e empatia (ativamente) pelo líder do que o reverso, sobretudo nos espaços hierarquizados onde os momentos de fala seguem um viés estruturante muito próprio – no caso militar, em particular, de acordo com a precedência ou do mais antigo para o mais moderno – estabelecendo um grau de atenção às vezes escalonado. Nesse sentido, a práxis da escuta ativa torna-se um atributo diferencial para a liderança contemporânea.
Todavia, é razoável questionar sobre a principal razão que pode levar o líder a não desenvolver e/ou praticar a escuta ativa. Tudo indica que o “tempo” disponível ou a sua falta tem sido o fator determinante para que os líderes deixem de escutar com a devida atenção seus liderados, quer seja numa reunião formal, na leitura de um documento previamente elaborado ou mesmo em um bate-papo informal no corredor da organização. Porém, cabe a reflexão, será mesmo o “tempo”, o leitmotiv a influenciar no comportamento displicente do líder em relação ao desenvolvimento da habilidade de escutar ativamente?
Em “Confissões”, certamente a obra mais conhecida de Santo Agostinho, há uma passagem em que o autor questiona de forma filosófica o tempo. Diz ele: “que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei.” Entender essa passagem é mais ou menos inferir que o único tempo capaz de tornar uma escuta ativa é o presente, porque ela não cabe nem no passado nem no futuro.
Assim sendo, o líder deve sempre se policiar para evitar a escuta atrasada ou apressada, ao contrário, precisa preparar o campo para a prática consciente da escuta ativa no tempo presente que, indubitavelmente, requer outros preparos subsumidos, tais como: respeito pelo interlocutor, contenção do próprio impulso da fala, empatia, dentre outros. Adicionalmente, a práxis de escutar ativamente pode contribuir para mitigar um dos maiores problemas tido como falha comum nos líderes contemporâneos, a comunicação1!
Ademais, ouvir com atenção, contribui para que o líder possa desenvolver melhor a sua capacidade de oferecer tanto o feedback quanto o feedforward aos seus liderados, duas ferramentas fundamentais nas relações interpessoais. Desse modo, é possível, no presente, acessar o que já passou para servir de ensinamento e oportunidade de melhoria, bem como trabalhar preditivamente projetando situações que poderão ocorrer no futuro, requerendo tomada de decisão hoje.
À guisa de sugestão, segue o “decálogo” da escuta ativa:
|
|
Fonte: Autor.
É razoável supor que, praticando o “decálogo” acima, o líder possa reconhecer a existência de outra dinâmica no processo dialógico, de modo a resgatar a “singularidade do sujeito” que fala, entendendo e valorizando a subjetividade de sua fala. Ao mesmo tempo em que percebe e diferencia a ação de ouvir da ação de escutar, distinção fundamental que atrela a práxis da escuta ativa à atenção requerida para ouvir o interlocutor.
Nesses termos, a práxis da escuta ativa pode mitigar ou mesmo livrar o líder de agir baseado em comportamentos precipitados, superficiais, imediatistas e conturbados, usando aqui o acrônimo PSIC cunhado pelo Gen Ex Richard2. Ademais, a escuta ativa também contribui para gerar o círculo de segurança tão necessário à relação estabelecida entre líderes e liderados, porque cria a sensação de pertencimento, de valores compartilhados e de profunda empatia, reforçando drasticamente a confiança, a cooperação e a solução de problemas (SINEK, 2015, p.39)3.
Finalizando, cabe ainda esclarecer que a ideia de refletir sobre esse assunto é resultante da percepção de que cada vez menos se tem criado espaço para a escuta ativa, porque a velocidade com que se ouve as mensagens de áudio no ZAP tem sido a mesma que direciona os relacionamentos sociais na vida cotidiana, amplamente baseados em interlocuções apressadas ou em nanodiálogos.
Pratique a escuta ativa, aprenda a ouvir com respeito e atenção!
1 Vide: https://exame.com/carreira/lideres-modernos-problemas-antigos-veja-as-9-preocupacoes-que-estao-tirando-o-sono-dos-executivos/
2 Vide artigo - https://eblog.eb.mil.br/w/a-lideranca-estrategica-ante-os-desafios-do-mundo-psic
3 SINEK, Simon – Líderes se servem por último: como construir equipes seguras e confiantes. São Paulo, HMS Editora, 2015.
Comentarios