A LIDERANÇA MILITAR E A AUFTRAGSTAKTIK

Autores: Cel André Dias
Sexta, 07 Março 2025
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A liderança militar, comprovada historicamente como o alicerce de tropas coesas, motivadas e aguerridas, se tornou, justificadamente, um dos aspectos centrais das discussões sobre a prontidão das forças terrestres. A busca pelas capacidades necessárias às demandas de segurança e defesa nacional, atuais e futuras, invariavelmente se entrelaça ao estudo e desenvolvimento da liderança. O Exército Brasileiro, por sua vez, entende ser esse um tema da mais alta importância.

A liderança militar, se em alguma medida é inata, tem sua efetividade condicionada à prática diária, em um contínuo aperfeiçoamento. Nesse escopo, a mentorização, a determinação e a autoanálise são alguns dos fatores contribuintes para o sucesso. Compreender as individualidades, as potencialidades e os pontos a melhorar de cada integrante da equipe, com vistas ao seu melhor aproveitamento nas missões, é, talvez, uma das mais instigantes tarefas do líder. Atrelado à arte de comandar, o desempenho do líder tende a melhorar com o passar do tempo e com o amadurecimento pessoal e profissional do indivíduo, sempre e quando haja esforço para o progresso nessa área.

Auftragstaktik é uma palavra de origem germânica, cuja tradução pode ser expressa como “missão-comando”. Faz alusão a uma filosofia que orienta a dinâmica das relações interpessoais dentro da caserna, sobretudo nas situações de combate. O conceito surgiu a partir da segunda metade do século XVIII e evoluiu, imerso na cultura germânica, sob os efeitos do Iluminismo e influenciado pelo pensamento geopolítico prussiano. Sua implementação ganhou impulso no início do século seguinte, pela ação de um grupo de seletos oficiais, que liderados por Scharnhorst e Gneisenau, se encarregou da reforma do exército da Prússia, desmoralizado pelas derrotas de Jena e Auerstädt, em 1806.

Nesse contexto, o elemento central de todo o processo é o ser humano, capaz de influenciar na solução dos problemas, com propostas inovadoras e pensamento crítico. A iniciativa, dessa forma, é permanentemente estimulada, balizada por claras intenções transmitidas pelos comandantes, assim como por tarefas expressas pela finalidade. O desenvolvimento da autoconfiança é uma das prioridades, contribuindo para o fortalecimento do gosto por assumir responsabilidades e tomar decisões. A instrução, o treinamento e as experiências acumuladas são aspectos igualmente relevantes. Os riscos, inerentes ao cumprimento de qualquer tarefa, são avaliados e assumidos, ao passo que os eventuais erros cometidos pelos subordinados, são relevados, prontamente corrigidos e discutidos em avaliações pós-ação, resultando em um círculo virtuoso, no qual a ação prevalece sobre a inação.

A Auftragstaktik marcou profundamente a vida e a maneira de Clausewitz, como discípulo de Scharnhorst, perceber a natureza da guerra. Esse impacto se verificou claramente na elaboração de conceitos como “fricção”, “névoa do combate” e em sua “trindade paradoxal”, que merecem ser discutidos e aprofundados em outra oportunidade. A plenitude do emprego da filosofia da missão-comando ocorreu ao final do século XIX, com as vitórias de Moltke, “o Velho”, nas guerras de unificação da Alemanha. Por sua vez, a performance alemã nas duas conflagrações mundiais se relaciona fortemente ao uso dos fundamentos em questão.

Se por um lado a Auftragstaktik foi operacionalizada pelos germânicos, na outra ponta, vamos encontrar sua aplicação por diversos atores, em outros ambientes. Nesse contexto, é possível identificar traços de sua presença na ação de comando de Napoleão, nos embates da Guerra de Secessão dos Estados Unidos da América, por ambos os contendores, bem como por lideranças militares brasileiras, tanto na guerra da Tríplice Aliança, quanto na epopeia da Força Expedicionária Brasileira, na Itália.

Nos dias atuais, não resta dúvida que grande parte das missões será cumprida de forma descentralizada, em um ambiente cujas características exigirão, cada vez mais, proatividade, criatividade, flexibilidade, espírito de cooperação e disciplina consciente. Desse modo, a preparação de homens e mulheres do Exército Brasileiro deverá se pautar na busca incessante do aprimoramento técnico-profissional, combinada à ênfase no desenvolvimento de habilidades que permitam o gerenciamento eficaz de crises, em circunstâncias nas quais a heterogeneidade das equipes será a regra.

A capacidade de inspirar e conduzir pelo exemplo se irradia em todas as direções da escala hierárquica, a todo instante. A confiança e o conhecimento mútuos, tão desejados entre superiores, pares e subordinados, são construídos e solidificados com o tempo, pela fraterna convivência, no cumprimento das mais variadas atividades do preparo e, sobretudo, quando do emprego. São fortalecidos, pois, na correção de atitudes, na retidão de caráter e na comunhão de valores, virtudes e tradições institucionais. A aceleração desse processo pode conduzir à indesejável subversão de princípios básicos, que maculando a disciplina e a hierarquia, geram relações superficiais, circunstanciais, artificiais e pouco efetivas.

É, portanto, necessário estar junto ao subordinado o maior tempo possível. Uma vez imune às tentações do microgerenciamento, o líder esclarecido e próximo à sua equipe motiva, gera empatia e autoconfiança à tropa, fortalecendo a coesão e o sentimento de pertencimento. Além disso, assegura a correta compreensão de intenções e diretrizes, agindo com oportunidade em eventuais correções de rumo e acelerando o ciclo decisório.

Por fim, conclui-se que a larga utilização da Auftragstaktik em diferentes épocas, como fio condutor da liderança, mostrou-se ser uma excelente ferramenta para o uso em tempos de paz, na forja de um exército capaz de cumprir as mais variadas missões, no amplo espectro da guerra e da não guerra. Entretanto, para alcançar o êxito na aplicação, será essencial que a sua implementação ocorra de maneira sistemática e gradual, moldada às características e singularidades organizacionais e culturais do Exército Brasileiro.

CATEGORIAS:
Recursos Humanos

Comentarios

Comentarios

Brilhante texto sobre a liderança militar e a aplicação da filosofia Auftragstaktik. 

A importância do aprimoramento contínuo da liderança, a confiança mútua e a capacidade de adaptação às novas demandas de segurança é de extrema relevância.

Os insights apresentados no texto são valiosos para todos aqueles que se dedicam a estudar e a praticar a arte de comandar; tema de vital importância perante os desafios da guerra moderna.

Parabéns Cel.

Para Mark Antony Welsh, general da Força Aérea dos EUA, "A liderança é um presente concedido por aqueles que a perseguem. Faça-se merecedor dela."

Top, sem mais anda a acrescentar. Parabéns 

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