As plataformas militares terrestres desempenham um papel crucial como atuadores e sensores na Guerra da Era da Informação, em que os dados se tornaram ativos estratégicos fundamentais para a obtenção de vantagem operacional. Como sensores, requerem tecnologias embarcadas avançadas para buscar, processar e disponibilizar informações. Como atuadores, estas precisam dar condições ao comandante de tomar decisões no momento certo e da maneira certa.
Além disso, os avanços tecnológicos no poder computacional e nos sistemas de informação, combinados com as rápidas mudanças nos cenários operacionais, vêm exigindo capacidades cada vez mais aprimoradas dessas plataformas. Checheliski e Radoman (2024) trazem exemplos dessas capacidades, incluindo o paradigma de hexágono de ferro: mobilidade, sobrevivência, autonomia, adaptabilidade e conectividade.
Normalmente, essas capacidades são obtidas com a inserção de mais dispositivos nos veículos, aumentando a complexidade do sistema com uma integração monolítica, que, na maioria das vezes, é custosa e demanda tempo para ser efetivada. Problemas comuns derivados desse tipo de integração são a limitação de espaço, peso, energia e custo, incompatibilidade com outros equipamentos e múltiplas instâncias de uma mesma funcionalidade em diferentes equipamentos devido a soluções proprietárias.
Uma solução para esse desafio é estabelecer uma arquitetura eletrônica estruturada visando à integração física e lógica dos subsistemas da plataforma. A primeira aborda a montagem dos subsistemas na estrutura principal, respeitando regras ergonômicas, mecânicas e elétricas, e garantindo a compatibilidade entre estes. A segunda aborda regras de comunicação entre os subsistemas, garantindo a disponibilidade, a intercambiabilidade e a compreensão dos dados trocados.
Além disso, as principais interfaces desses sistemas– aquelas que mais evoluem ao longo do ciclo de vida e que interagem com os demais subsistemas– devem ser baseadas em padrões abertos ou amplamente adotados, um conceito conhecido como Arquitetura Aberta e Modular. Essa padronização é crucial, já que os diversos subsistemas e soluções são fornecidos por diferentes fornecedores. O uso de padrões abertos evita a dependência de soluções proprietárias, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos serviços por meio do aumento da concorrência. Além disso, fomenta o desenvolvimento industrial, ao possibilitar colaborações com soluções complementares, e facilita o gerenciamento da obsolescência tecnológica. Radoman et al discutem as vantagens e desafios dessa abordagem em (2023).
Essas abordagens de Arquiteturas Abertas e Modulares têm tido bastante relevância no exterior, a exemplo do padrão GVA (Generic Vehicle Architecture), utilizado pelo Reino Unido (se expandindo pela OTAN com a NGVA), e do GCIA (Ground Common Infrastructure Architecture) desenvolvido nos Estados Unidos, dentre outros. A motivação desses países é, também, a busca pela interoperabilidade entre os sistemas, adaptabilidade, flexibilidade e redução de custos. Nesse contexto, a Diretoria de Fabricação (DF) vem buscando se familiarizar com o GVA para criação de um “framework” de integração, que poderá vir a servir para todos os blindados a serem obtidos pelo EB.
A DF iniciou a familiarização com os princípios do GVA pela parte de interface homem-máquina do padrão (Ministry of Defence, 2023), por ser uma das formas mais práticas de demonstrar o conceito de integração — uma estratégia também adotada pelo próprio GVA em sua fase inicial. Esse processo resultou no desenvolvimento do projeto PROTEUS, cujo principal objetivo é integrar os diversos subsistemas eletrônicos das viaturas por meio de um Sistema Gerenciador de Plataforma. A solução centraliza a apresentação de dados e controles em um monitor único, aprimorando a eficiência operacional e ampliando a consciência situacional do comandante. Com o PROTEUS, o comandante poderá, por exemplo, visualizar as câmeras do motorista, do atirador e de meios externos (ex: drones), monitorar informações automotivas, controlar remotamente funções do sistema de comunicação e operar o Gerenciador de Campo de Batalha (GCB), já integrado à viatura e desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento de Sistemas (CDS).
A equipe da DF vem desenvolvendo e conduzindo progressivamente testes de integração do PROTEUS em diversas plataformas (Figura 1), seguindo o princípio de intercambiabilidade, e envolvendo colaborações com usuários finais para a validação da proposta. Alguns exemplos desses testes foram relatados por Wiltgen (2020, 2022, 2024). Etapas futuras incluem a implementação do barramento de dados com o middleware DDS, que assegurará um protocolo único de comunicação entre os subsistemas, além da definição do modelo de dados mais adequado aos blindados do EB, tomando, como referência, outras partes do padrão GVA. Além disso, a disponibilização de dados por meio da integração dos sistemas viabilizará aspirações futuras, como a inserção de Inteligência Artificial para auxiliar no processo de decisão e na logística, com estudos de manutenção preditiva.
Figura 1: PROTEUS em testes nas viaturas VBTP-MR 6×6 Guarani e 4×4 LMV-BR.
Por fim, a adoção da abordagem de Arquitetura Aberta Modular representa um esforço de longo prazo, mas é fundamental dar os primeiros passos. Nesse contexto, os estudos conduzidos pela Diretoria de Fabricação são essenciais para impulsionar essa transição, preparando as plataformas veiculares para os desafios da guerra do futuro. Tais iniciativas demonstram o compromisso com o avanço tecnológico, buscando o alinhamento com tecnologias de ponta e a maturidade em áreas inovadoras no EB.
CHECHELISKI, Alexandre; RADOMAN, Raquel L.V.; A Digitalização de Plataformas Militares: Tendências e Conceitos Observados na IAVC 24. Revista Doutrina Militar Terrestre, v. 12 n. 39. Outubro de 2024.
RADOMAN, Raquel; HENSHAW, Michael, RABBETS, Tim. Open Architecture - Realistic Aspiration or Pipedream?. Annual Systems Engineering Conference, November 2023, Liverpool.
MINISTRY OF DEFENCE. Defence Standard 23-009 – Generic Vehicle Architecture (GVA) - Part 02: Human Machine Interface. 14 de Junho de 2023.
WILTGEN, Guilherme. Defesa Aérea & Naval. Diretoria de Fabricação inicia testes do Sistema Gerenciador de Plataforma da Viatura Blindada Guarani. 11 de Março de 2020. Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/exercito/diretoria-de-fabricacao-inicia-testes-do-sistema-gerenciador-de-plataforma-da-viatura-blindada-guarani
WILTGEN, Guilherme. Defesa Aérea & Naval. Exército testa o PROTEUS na VBMT-LSR. Maio de 2022. Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/exercito/exercito-testa-o-proteus-na-vbmt-lsr
WILTGEN, Guilherme. Defesa Aérea & Naval. Exército integra a REMAX 4 ao Sistema Gerenciador de Plataforma do PROTEUS. Dezembro de 2024. Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/exercito/exercito-integra-a-remax-4-ao-sistema-gerenciador-de-plataforma-do-proteus
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