A CAPACIDADE DE ASSUNTOS CIVIS COMO FERRAMENTA DE PROTEÇÃO DE CIVIS: A EVOLUÇÃO DA FORÇA TERRESTRE ACOMPANHANDO A TENDÊNCIA MUNDIAL

Autores: Maj Shoji
Sexta, 13 Junho 2025
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A crescente complexidade dos conflitos modernos, marcada pela presença de populações civis nos ambientes operacionais e por ameaças híbridas, exigiu que as Forças Armadas de diversos países desenvolvessem estruturas especializadas para lidar com a dimensão humana da guerra. Nesse contexto, a capacidade de Assuntos Civis (Ass Civ) se consolidou como uma ferramenta essencial para a proteção de civis, conjugando ações militares e civis em prol da segurança, da estabilidade e da legitimidade das operações. A Força Terrestre brasileira, acompanhando essa tendência mundial, vem gradualmente estruturando suas capacidades em Ass Civ, ampliando sua atuação em tempos de paz e se preparando para operações no multidomínio.

A proteção de civis não é apenas uma obrigação jurídica decorrente das Convenções de Genebra e dos direitos humanos, mas uma exigência operacional nas campanhas modernas. Países com tradição em operações de paz ou estabilização, como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Colômbia, já integram os Ass Civ como função essencial do planejamento e execução de operações. Brigadas de Assuntos Civis, Centros de Coordenação Civil-Militar e Destacamentos especializados passaram a compor as estruturas permanentes dessas Forças, promovendo a coordenação com agências civis, apoio humanitário, restauração ou manutenção de serviços essenciais e movimento de massas humanas para locais de destino seguro.

No Brasil, embora ainda incipiente, a capacidade de Ass Civ vem se consolidando. Durante a liderança da Força Terrestre no componente militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), destacaram-se ações de estabilização que articularam apoio às comunidades, reconstrução de infraestrutura e diálogo com lideranças locais, garantindo a proteção de civis em ambientes instáveis. Na Operação Acolhida, em apoio a refugiados venezuelanos, observou-se a aplicação prática da doutrina de Ass Civ em território nacional, com acolhimento, triagem, interiorização e integração social.

Além disso, outras operações que promovem a proteção de civis, como a Operação Taquari II, após as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, demonstraram a necessidade de operadores treinados na análise da dimensão humana, na identificação de vulnerabilidades sociais e na coordenação com múltiplos atores, como Defesa Civil, organizações humanitárias e lideranças locais. Ainda que essas funções tenham sido executadas por tropas ad hoc, evidenciaram demanda por tropas especializadas em Ass Civ na Força Terrestre.

Os passos para a estruturação dessa capacidade no Exército Brasileiro passaram a ganhar impulso com a produção de doutrina nacional adaptada aos desafios brasileiros, às necessidades de emprego e com o início de estudos para a formulação de estágios e cursos, bem como para o estabelecimento de um “Sistema de Assuntos Civis”, ainda que se observe ao longe a criação de uma unidade especializada permanente.

Esse processo de amadurecimento na doutrina, preparo e emprego é fruto de uma evolução contínua, marcada por marcos operacionais, acadêmicos e normativos. Ao longo das últimas quatro décadas, diversas iniciativas da Força Terrestre contribuíram para consolidar a função de Assuntos Civis como um vetor estratégico para a proteção de civis. A tabela a seguir apresenta uma linha do tempo para ilustrar essa evolução, destacando os principais eventos que construíram a base dessa capacidade e sua integração progressiva às operações militares contemporâneas, divididas em doutrina, preparo e emprego.

Legenda:

A doutrina atual da Força Terrestre já reconhece que a proteção de civis exige ações integradas e coordenadas. A capacidade de Assuntos Civis, neste contexto, passa a ser um vetor essencial para garantir o cumprimento do Direito Internacional dos Conflitos Armados e assegurar que as operações militares não apenas evitem danos colaterais, mas promovam ambientes seguros, estáveis e favoráveis à retomada da normalidade.

Diante dos desafios contemporâneos, como migrações em massa, urbanização do conflito, desastres ambientais e o uso estratégico da informação, investir na estruturação doutrinária, organizacional e operacional da capacidade de Ass Civ é uma medida estratégica para a Força Terrestre. A experiência internacional comprova sua efetividade, e os exemplos nacionais demonstram sua urgência. A consolidação dessa ferramenta alinha o Exército Brasileiro às melhores práticas globais e reforça seu compromisso com a proteção de civis, a soberania nacional e a construção de uma paz duradoura.


 

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