ENTRE A TRINCHEIRA E A LIDERANÇA: O PAPEL DOS SARGENTOS DA FEB NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Autores: 2º Sgt Anderson Filipini
Sexta, 31 Outubro 2025
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O presente artigo investiga o papel desempenhado pelos sargentos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial, destacando sua liderança prática e coragem no campo de batalha. A pesquisa parte do reconhecimento de que, embora essenciais para a coesão e eficácia das operações brasileiras na campanha da Itália, esses graduados têm sido historicamente negligenciados pela historiografia militar, que privilegia os oficiais de alta patente em detrimento da liderança subalterna (Dennison, 2010, p. 205). Buscando corrigir essa lacuna, a investigação adota uma metodologia qualitativa, fundamentada na análise de fontes documentais, relatos orais, biografias, artigos acadêmicos e registros institucionais, com ênfase na reconstrução de episódios que evidenciem o protagonismo desses militares (Silva; Mello, 2017, p. 144).

Ao longo da campanha italiana, os sargentos brasileiros foram responsáveis por funções críticas como liderar patrulhas, conduzir manobras ofensivas, organizar defesas e manter o moral da tropa em meio a condições adversas. Em diversas ocasiões, assumiram decisões táticas autônomas, especialmente quando a cadeia de comando era interrompida ou ausente, revelando capacidade de improvisação e discernimento situacional (Ferreira, 2005, p. 87). Sua liderança não se baseava em imposições hierárquicas, mas em legitimidade construída na convivência, no exemplo e na empatia com os soldados sob seu comando (Gaspari, 2013, p. 111). Essa forma de liderança pode ser compreendida à luz do conceito de liderança distribuída, no qual a autoridade é exercida a partir da competência prática e do vínculo interpessoal, e não apenas da posição formal (Grint, 2010, p. 6).

Entre os casos emblemáticos abordados, destaca-se o do 3º Sargento Max Wolf Filho, natural de Curitiba, que liderou mais de trinta patrulhas de reconhecimento, demonstrando bravura e dedicação excepcionais. Morto em combate em abril de 1945, recebeu postumamente a condecoração Silver Star do Exército dos Estados Unidos, em reconhecimento à sua atuação heroica (Dennison, 2010, p. 218). Outro exemplo notável é o do 2º Sargento Geraldo Augusto de Resende que, ao ter sua seção isolada após um contra-ataque inimigo, organizou uma defesa eficaz e garantiu o retorno seguro de seus homens às linhas brasileiras (Silva, 2015, p. 101). Também se destaca o Sargento Francisco de Paula Gomes, que liderou com êxito uma ação de infiltração em Zocca, capturando uma guarnição inimiga por meio de manobra audaciosa e liderança resoluta (Gaspari, 2013, p. 117).

Esses episódios não são casos isolados, mas representativos de uma prática recorrente entre os sargentos da FEB. Muitos deles atuaram como verdadeiros comandantes de ocasião, assumindo responsabilidades típicas de oficiais e tomando decisões sob fogo direto, em ambientes de alta complexidade e risco. Em funções como engenharia de combate, desminagem e construção de infraestruturas em zona de guerra, os sargentos demonstraram não apenas habilidades técnicas, mas também coragem moral, como exemplificado na atuação do 1º Sargento Otávio Damasceno, que liderava pessoalmente ações em áreas minadas (Macedo, 2021, p. 147).

A liderança desses militares, no entanto, não encontrou paralelo na memória institucional construída pelo Exército Brasileiro no pós-guerra. A ausência de reconhecimento visível nos monumentos, currículos militares e cerimônias reflete uma construção simbólica excludente, que associa a figura do herói militar exclusivamente aos oficiais de alta patente (Camargo, 2020, p. 171). Os sargentos, embora decisivos no campo de batalha, foram relegados à condição de coadjuvantes anônimos nas narrativas oficiais. Tal apagamento pode ser compreendido à luz do conceito de invisibilidade simbólica, segundo o qual a memória histórica é moldada por escolhas de poder que definem quem será lembrado e quem será esquecido (Chartier, 1990, p. 44).

A escassez de registros escritos pelos próprios sargentos e a estrutura centralizadora das instituições militares contribuíram para essa marginalização. Contudo, nas últimas décadas, houve uma crescente valorização da história oral e da micro-história, permitindo o resgate de trajetórias individuais antes invisíveis. Os depoimentos coletados por familiares, jornalistas e pesquisadores vêm desempenhando papel fundamental na reconstrução dessas memórias esquecidas, oferecendo novas perspectivas sobre a guerra a partir da vivência dos graduados (Portelli, 1997, p. 25; Castro, 2008, p. 134).

O reconhecimento da atuação dos sargentos também carrega implicações contemporâneas. Em tempos de transformação das missões militares – com foco crescente em operações descentralizadas, ações de paz e respostas rápidas a crises – o modelo de liderança tática e situacional, representado por esses militares, torna-se ainda mais relevante. A formação de quadros militares deve, portanto, incorporar o estudo dessas experiências como parte essencial da construção de uma cultura institucional mais democrática, meritocrática e comprometida com o profissionalismo (Penna Filho; Sales, 2008, p. 90; Gaspari, 2013, p. 124).

Ao confirmar a hipótese de que os sargentos da FEB foram centrais para a coesão operacional da tropa e exerceram liderança com base na competência e coragem, este trabalho contribui para a reconfiguração da narrativa militar brasileira. A análise de seus feitos evidencia que a eficácia em combate não depende apenas de estratégias elaboradas nos altos escalões, mas também da capacidade de decisão daqueles que estão na linha de frente. A liderança silenciosa, exercida no barro, na neve e sob fogo, deve ser reconhecida como patrimônio moral das Forças Armadas brasileiras (Ferreira, 2005, p. 121; Silva; Mello, 2017, p. 160).

Como encaminhamentos práticos, sugere-se a criação de memoriais específicos dedicados aos sargentos da FEB, a incorporação sistemática de seus exemplos nos currículos das escolas de formação de sargentos e oficiais, além da produção de documentários e materiais didáticos que deem visibilidade a essas trajetórias. Tais medidas não apenas fazem justiça histórica, mas também fortalecem os valores de liderança ética e competência profissional entre as novas gerações de militares (Dennison, 2010, p. 224; Castro, 2008, p. 140).

Ao resgatar a história dos sargentos da FEB, este trabalho realiza um ato de reparação simbólica e de valorização institucional. Demonstra que a grandeza de uma missão militar não se mede apenas pelas condecorações dos generais, mas também pela bravura daqueles que, mesmo sem estrelas nos ombros, sustentaram com dignidade a honra da tropa. Reconhecê-los é não apenas preservar a memória de um passado heroico, mas também projetar um futuro em que a liderança seja compreendida em sua plenitude, para além dos limites formais da hierarquia.

 

Referências

CAMARGO, Aspásia. História oral e história militar: a guerra de 1939-1945 e os brasileiros. Rio de Janeiro: FGV, 2020.

CASTRO, Celso. Os pracinhas: experiências dos soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

DENNISON, Olivia. A Força Expedicionária Brasileira e a Segunda Guerra Mundial: memória, história e esquecimento. São Paulo: Alameda, 2010.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História, historiografia e memória: os pracinhas e a Segunda Guerra Mundial. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 93-125, 2005.

GASPARI, Elio. Forças Armadas e Política no Brasil. São Paulo: Intrínseca, 2013.

GRINT, Keith. Leadership: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010.

HILTON, Stanley E. O Brasil e a estratégia dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 54, n. 1, p. 35-60, 2011.

MACEDO, Francisco Carlos Teixeira de. A Guerra que nos ensinou a viver: os soldados da FEB na Itália. Belo Horizonte: UFMG, 2021.

PENNA FILHO, Pio; SALES, João Gabriel. Brasil e Segunda Guerra Mundial: entre a guerra e a memória. Brasília: FUNAG, 2008.

PORTELLI, Alessandro. The Battle of Valle Giulia: Oral History and the Art of Dialogue. Madison: University of Wisconsin Press, 1997.

SILVA, Hélio. FEB: A Força Expedicionária Brasileira – 1944-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

SILVA, Marco Antônio; MELLO, Carlos Frederico. A liderança no campo de batalha: análise das práticas dos sargentos na FEB. Revista do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 287, p. 141-162, 2017.

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Excelente trabalho em resgatar a memória dos bravos sargentos líderes de frações. Parabéns por manter viva essa história. 

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