É notório em todo o País que, recentemente, as apostas esportivas se disseminaram, gerando significativos desafios sociais (Pio, Ruwel, Daitschman, de Souza, Moura, Kessler & Kessler, 2024). Em que pese o apelo e a popularidade das apostas esportivas, os efeitos negativos sobre a saúde mental dos apostadores são preocupantes (Sameer El Khatib, 2024).
De acordo com o Caderno de Orientação desenvolvido pela 5ª Região Militar (5ª RM) e a Diretoria de Assistência ao Pessoal (DAP), a prática de apostas, uma atividade popular de lazer em muitas partes do mundo, oferece diversão e a possibilidade de ganhar dinheiro (Brasil, 2024). Conforme o mesmo documento, no entanto, para alguns indivíduos, o que se inicia como uma atividade recreativa pode se transformar em um vício prejudicial, causando danos significativos à saúde mental e financeira.
O artigo se justifica pelas sérias consequências que o vício nos jogos de apostas online pode gerar nos indivíduos e em suas famílias, podendo destruir financeiramente patrimônios construídos com afinco e suor. Dessa maneira, combina-se a tese de que é notório que, para o Exército Brasileiro (EB), o seu ativo mais valioso consiste nos seus recursos humanos, capacitados e, sobretudo, motivados.
Neste sentido, sem a pretensão de esgotar o assunto, este artigo se propõe a discutir o novo problema que se reflete na sociedade, em especial, no que pode afetar os jovens recém-incorporados às fileiras do Exército. Para atingir tal objetivo, torna-se oportuno responder a seguinte questão: quais são os riscos encontrados no vício em apostas esportivas?
Este trabalho segue a abordagem qualitativa, por não ter a pretensão de extrapolar testes ou análises estatísticas, visando, dessa forma, tão somente apresentar, de forma sintética, os resultados de trabalhos recentes, publicados nos últimos anos. Assim, recorreu-se à busca ao Google Scholar (Google Acadêmico), assim como ao Caderno de Orientação desenvolvido pela 5ª RM e DAP (2024).
Antes de seguir para a fase dos resultados sobre as casas virtuais de apostas, as chamadas bets (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024), é interessante compreender a linha do tempo dos jogos de azar no Brasil. Os jogos de azar são praticados desde o período colonial, como loterias e carteados, chegando à roleta, no Reino Unido, com a extração do jogo do bicho no Império, cassinos e bingos na República, até a atual mania das apostas esportivas online (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024).
Assim sendo, o fenômeno das bets tem se tornado cada vez mais frequente no País, especialmente após a regulamentação do setor, a fim de arrecadar recursos para a educação e saúde (Sameer El Khatib, 2024). A exposição a propagandas de sites de apostas, por meio de patrocínios de clubes, impulsionou os downloads de aplicativos de apostas (Pio et al, 2024).
Dentre os formatos de apostas online no País, os mais utilizados atualmente são o Fortune Tiger (jogo do tigrinho) e o Aviator (aviãozinho ou foguetinho); e as bets que são formas de apostas vinculadas a resultados esportivos (Mendieta & Queiroz, 2024). Pontua-se que o termo “bets” engloba todos os formatos distintos de apostas online, mas que no Brasil não há uma padronização sobre o termo, referindo-se em muitos casos apenas às apostas esportivas (Mendieta & Queiroz, 2024).
Em 29 de dezembro de 2023, foi sancionada pelo Presidente da República, a Lei nº 14.790, que estabeleceu que as bets devem possuir sede no País, além de definir a sua tributação (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024). Posterior ao desconto dos prêmios, as bets ficam com 88% do obtido com as apostas e o governo federal com 12%, os quais devem ser aplicados em educação, segurança e saúde (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024).
Da destinação ao governo, 1% se prevê ao Ministério da Saúde, "para medidas de prevenção, controle e mitigação de danos sociais advindos da prática de jogos” (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024). A Lei de 2023 possibilitou ainda a legalização dos cassinos online ofertados pelas empresas de apostas digitais, com jogos do tipo caça-níquel, dentre outras modalidades (Zorzetto, Orlandi & Montanaro, 2024).
No panorama internacional, a Europa possui a maior fatia do mercado de apostas esportivas online, cuja representação em 2022 foi de 35% (Pio et al, 2024). No contexto do velho continente, tais autores indicam que o Reino Unido legalizou essas apostas em 1960, gerando US$ 40 bilhões anuais a partir de então.
Na Ásia e Pacífico, há uma crescente permissão para o jogo, impulsionada pelo aumento de jogadores de outras regiões (Pio et al, 2024). Nesse mercado do Oriente, a taxa de crescimento anual é de cerca de 11%. Por outro lado, o mercado das bets no Brasil passou por transformações nos últimos cinco anos, especialmente após a regulamentação para trazer mais segurança e transparência (Sameer El Khatib, 2024).
O Brasil legalizou as apostas esportivas em 2018, com a regulamentação das bets no final de 2023 (Pio et al, 2024). Assim, a regulamentação foi crucial, dado que o Brasil, com sua paixão pelo futebol e uma população superior a 214 milhões de habitantes, possui enorme potencial para o crescimento das bets, avaliado em mais de R$ 100 bilhões, especialmente para a população mais jovem (Sameer El Khatib, 2024).
As casas de apostas ou bets se destacam pela variedade de modalidades desportivas disponíveis e promoções atrativas, em geral, para o público mais jovem (Sameer El Khatib, 2024). Para o referido docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), tais plataformas não apenas oferecem apostas em eventos esportivos tradicionais, como futebol e basquete, mas também em e-sports.
Pelos resultados de Pio et al (2024), as plataformas de apostas esportivas online estão em franca ascensão, facilitadas pela tecnologia e pela liberalização regulatória. Entretanto, para tais pesquisadores, esse fenômeno se encontra associado a diversos riscos, em especial para os jovens e outros grupos vulneráveis.
De acordo com Sameer El Khatib (2024), a relação entre apostas e saúde mental é alarmante, dado que estudos indicam que os transtornos relacionados ao jogo estão na mesma categoria das dependências químicas, que prejudicam a saúde mental dos indivíduos. No tratamento de dependência, acima de 40% dos atendimentos se referem às apostas esportivas, com crescente incidência entre os jovens (Sameer Khatib, 2024).
O acesso facilitado às plataformas online e a intensa publicidade direcionada a esse público contribuem para um aumento no número de casos de vício em apostas, o que pode resultar em problemas como ansiedade, depressão e estresse financeiro (Sameer El Khatib, 2024). Nos resultados da mesma pesquisa, soma-se ainda o fato de que 85% dos apostadores se encontram endividados.
A cartilha de prevenção ao vício em apostas, desenvolvida pela 5ª RM e DAP, explica que "o jogo patológico pode ter efeitos devastadores em indivíduos e famílias, mas a recuperação é possível" (Brasil, 2024). Tal documento orienta que é fundamental a consulta a um profissional de saúde mental para conhecer as opções de tratamento. Nas Figuras 1 e 2 estão listados os possíveis problemas relacionados às apostas online:
Figura 1 - "Problemas associados ao vício em apostas"
Fonte: DAP (2024).
Figura 2 - "Vício em apostas: o que você pode perder?"
Fonte: DAP (2024).
Este artigo discutiu brevemente o problema das apostas esportivas no Brasil, a fim de orientar os jovens, recursos humanos de alto valor para a Força Terrestre. Dado o fato que o vício nas bets ou demais jogos de apostas, incluídos os caça-níqueis, há vários reflexos negativos, dos quais se destacam a ansiedade, a depressão e o estresse financeiro. Por fim, salienta-se que os transtornos oriundos dessas apostas estão no mesmo rol das dependências químicas e que 85% dos apostadores estão endividados.
Referências
Brasil. (2024). Prevenção ao vício em apostas. Caderno de Orientação. DAP-05.017. Diretoria de Assistência ao Pessoal (DAP). 1ª Edição. Brasília. Disponível em: https://www.dap.eb.mil.br/pdf/sas/eixos/cadernos_orientacao/017%20-%20V%C3%ADcio%20em%20Apostas.pdf . Acesso em: 19 Nov. 2024.
Mendieta, F. H. P., & Queiroz, A. F. (2024). Bets e apostas online: o jogo do Tigrinho e seu efeito tangerina. Contribuciones a Las Ciencias Sociales, 17 (10), 1-21. Disponível em: https://doi.org/10.55905/revconv.17n.10-099 . Acesso em: 19 Nov. 2024.
Pio, R. P., Ruwel, A. G., Daitschman, D., de Souza, C. S., Moura, H. F., Kessler, F. C. P., & Kessler, F. H. P. (2024). Apostas esportivas problemáticas: uma nova tendência global num mundo de alta tecnologia. Debates em Psiquiatria, 14, 1-20. Disponível em: https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1352 . Acesso em: 19 Nov. 2024.
Sameer El Khatib, A. (2024). Diversão ou Armadilha? Um estudo exploratório das apostas esportivas (bets) entre universitários brasileiros sob a lente da Teoria do Comportamento Planejado (TCP). In SciELO Preprints. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.10133 . Acesso em: 19 Nov. 2024.
Zorzetto, R.; Orlandi, A. P.; & Montanaro, J. (2024). Grande número de bets atuando no Brasil leva ao aumento extraordinário de apostas e à preocupação com o crescimento de casos patológicos. Pesquisa FAPESP, 344 (25), 13-21. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2024/09/012-021_capa-jogos_344.pdf . Acesso em: 19 Nov. 2024.
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