A conquista de Camaiore pelo Capitão Ayrosa completa 80 anos

Autores: Cel André Dias
Sexta, 18 Outubro 2024
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Ernani Ayrosa da Silva nasceu em 21 de setembro de 1915, na cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal do Brasil. Foi aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro - Imperial Casa de Thomaz Coelho – e, na Escola Militar do Realengo, coube-lhe, como o cadete mais distinto de sua turma, a condução do estandarte escolar em 1937, mesmo ano em que foi declarado Aspirante a Oficial da Arma de Infantaria.

Convocado para a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e comissionado Capitão, foi designado comandante da 2ª Companhia do I Batalhão do 6º Regimento de Infantaria, com sede na cidade de Caçapava(SP). Transportado para a Itália a bordo do navio americano General Mann, como integrante do 1º Escalão de Embarque, foi um dos mais de 5 mil febianos a primeiro pisar em solo europeu, em 16 de julho de 1944.

Concluído o necessário e fundamental período de adestramento final na Itália, o Destacamento FEB (Dst FEB)1, sob o comando do General de Brigada Zenóbio da Costa, enfim recebeu sua primeira missão de combate. Integrando o IV Corpo de Exército, um dos grandes comandos operacionais do V Exército de Campanha, a tropa brasileira iniciou, em 15 de setembro, suas atividades de combate, com o objetivo principal de conquistar o Monte Prana, em uma 1ª Fase de Operações na Bacia do Serchio (figura 1).


 

Com 1220 m de altitude, o Monte Prana dominava toda a região. Do ponto de vista tático e operacional, sua posse asseguraria a continuação do movimento na direção geral do norte, em razão do controle das estradas e localidades que conectavam o litoral oeste (Viareggio, no mar da Ligúria) à porção centro-norte da península (Bolonha, Módena e Parma), possibilitando o efetivo reposicionamento de tropas e a manutenção do adequado fluxo logístico. Sob o enfoque estratégico, a conquista de um ponto de penetração da Linha Gótica somaria esforços ao propósito aliado de rompê-la, comprometendo a sustentação das operações defensivas do Eixo na Itália.

Para a conquista do Monte Prana, o controle prévio da localidade de Camaiore era essencial. Importante nó rodoviário, sua manutenção traria melhores condições de segurança à tropa brasileira, assegurando o bloqueio de eventuais rotas de contra-ataque inimigo por oeste ou noroeste, ao mesmo tempo que garantiria aos febianos uma excelente base de partida para a organização do ataque final ao Monte Prana (figura 2).

Para a conquista de Camaiore, foi organizada uma Força-Tarefa valor subunidade (FTSU)2 e escolhido o Capitão Ernani Ayrosa para comandá-la, em razão de suas elevadas qualidades e capacidades profissionais. Tendo como base de partida a localidade de Luciano, a marcha para o combate deu início às 0830h de 18 de setembro de 1944. Engenheiros e elementos de reconhecimento, liderando o movimento da Força-Tarefa, se encarregaram de repetidas vezes prover a abertura de brechas no itinerário, vencendo diferentes obstáculos colocados pelos alemães e proporcionando o ininterrupto avanço da tropa. Para tal, contaram, inclusive, com o apoio de um tanque americano equipado com lâmina (bulldozer), que auxiliou tanto a terraplanagem dos locais de passagem como a retirada de minas e escombros.

Ao atingir as alturas do Monte Nocchi, às 1800h, a Força-Tarefa passou a receber fogos ajustados de artilharia, que a obrigou a buscar proteção e a desdobrar os seus meios. Os Pelotões de Tanques, de Morteiros e de Metralhadoras Pesadas se organizaram para constituir a base de fogos. O Escalão de Ataque, composto basicamente por infantes e engenheiros, partiu rapidamente da Posição de Ataque (P Atq) embarcados em jipes, descendo a íngreme encosta do Monte Nocchi na maior velocidade possível, buscando fugir dos tiros de artilharia, de morteiros e de armas automáticas. No fundo da ravina, se depararam com a única ponte disponível destruída. Sem perda de tempo, com iniciativa e flexibilidade, transpuseram o rio obstáculo, utilizando meios de fortuna e prosseguiram a pé restante do trajeto até alcançarem o objetivo.

Às 1900h, os integrantes do pelotão de infantaria comandado pelo Tenente Marcos, apoiado por elementos de engenharia, entraram em Camaiore. O inimigo, em nítida postura de retardamento, retraiu para posições mais a norte e a leste da localidade. A rapidez na ação e o consequente efeito surpresa provocado, assim como a determinação da tropa febiana e a liderança do Capitão Ayrosa fizeram a diferença e foram determinantes para o sucesso. Em seguida, a construção da ponte batizada “Carioca” assegurou aos meios mais pesados deixados em base de fogos a transposição do rio e a reunião de todo o efetivo na recém-conquistada cidade.

O amanhecer de 19 de setembro de 1944 trouxe à população de Camaiore a alegria da libertação do julgo nazistacom o reinício das hostilidades. Novos bombardeamentos provocaram as primeiras baixas entre os febianos, atingindo igualmente parte da população civil. Esses constantes ataques acabaram revelando e confirmando para os expedicionários os principais pontos de resistência inimiga nas elevações circunvizinhas, cuja prévia supressão passou a ser considerada como requisito para a investida em Monte Prana.

Ao comandar exitosamente o ataque a Camaiore, Ernani Ayrosa dava provas incontestes de sua competência em combate e valor militar. Naquela ocasião, soube integrar com rara maestria as capacidades militares táticas colocadas à sua disposição, obtendo sinergia e adequada sincronização dos meios em todas as ações. Aplicou com correção diferentes princípios de guerra, externando maturidade como líder e sólido conhecimento profissional. A conquista de Camaiore lhe rendeu justos reconhecimentos, por meio das outorgas das medalhas “Cruz de Combate de Primeira Classe” e “Silver Star”, importantes condecorações por bravura do Exército Brasileiro e dos Estados Unidos da América, respectivamente.

Após Camaiore, o jovem capitão prossegue nos combates até a vitória final dos aliados. Terminada a Guerra, a continuação da carreira lhe conduz ao mais alto posto da hierarquia militar: o de General de Exército. Nessa irretocável trajetória, comanda organizações militares operacionais, administrativas e de ensino. Na condição de Chefe do Estado-Maior do Exército, transfere-se para a reserva remunerada em maio de 1981. Em 5 de dezembro de 1987, parte em definitivo, aos 72 anos de idade, deixando às gerações futuras exemplos inspiradores e um legado de enorme dedicação e amor à Pátria.

 

 


 

 

1 Dst FEB: 6º Regimento de Infantaria; II Grupo de Obuses do 1º Regimento de Obuses Auto-Rebocado; 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia; 1ª Companhia de Evacuação e Pelotão de Tratamento do 1º Batalhão de Saúde; 2º Pelotão do Esquadrão de Reconhecimento; Pelotão de Polícia do Exército; Pelotão de Intendência; e Pelotão de Sepultamento. Também, as tropas norte-americanas: Companhias “C”/751º Batalhão de Tanques Médios e “C”/701º Batalhão de Destruidores de Tanques.

2 FTSU: 1 (um) Pelotão de Fuzileiros da 2ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria; 1 (um) Pelotão de Tanques Médios (norte-americano); 1 (um) Pelotão de Metralhadoras Pesadas e 1 (um) Pelotão de Morteiros 81 mm, da Companhia de Petrechos Pesados; 1 (uma) Seção de Reconhecimento (cavalaria); 1 (uma) Seção de Engenharia; 1 (uma) Seção de Saúde; e 1 (uma) Seção de Artilharia (inglesa).

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História
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Comentarios

Comentarios

O artigo é um verdadeiro tributo à bravura e competência do Capitão Ernani Ayrosa. Com uma narrativa detalhada e emocionante, o  senhor nos transporta para os momentos de heroísmo vividos em Camaiore, celebrando os 80 anos dessa conquista histórica. O texto enaltece não apenas a estratégia e liderança do Capitão Ayrosa, mas também a importância das ações da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. É uma leitura que mantém viva a memória de nossos heróis, inspirando novas gerações a valorizar o legado militar brasileiro. Excelente!!!

 

 

Mais uma brilhante explanação que nos remete aos gloriosos feitos da nossa querida e invicta FEB. Parabéns ao Cel André Dias, que nos trouxe as lembranças e feitos desse nosso grande herói o Cap Ayrosa. 

Mais uma brilhante explanação que nos remete aos gloriosos feitos da nossa querida e invicta FEB. Parabéns ao Cel André Dias, que nos trouxe as lembranças e feitos desse nosso grande herói o Cap Ayrosa.

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